Encíclica “LACRIMABILI STATU INDORUM” de Pio X (1912)
Tradução:
Pe. Giuseppe Viani, CSCh
Profundamente comovido pelo
estado lamentável dos índios da América do Sul, o nosso ilustre predecessor, Bento
XIV, defendeu-os como é bem sabido, na Encíclica Imensa Pastorum, datada de 22 de dezembro de 1741; pois as situações
que ele deplorou em seu escrito, essas mesmas, devemos deplorar hoje em muitos lugares;
por isso convidamos, com solicitude, a lembrar dessa encíclica.
Nela, de fato, entre outras
coisas, o Papa Bento se queixa que, embora por longo tempo a Sé Apostólica tivesse
se empenhado para aliviar a miserável condição deles, no entanto, houve “homens,
que se diziam professar a verdadeira fé”, e que, esquecidos do senso de caridade,
infundidos em nossos corações pelo Espírito Santo, acham que é lícito para os pobres índios, não somente para
os que ainda não receberam o dom da fé, mas também aos que foram banhados com o
sagrado banho da regeneração, de reduzi-los à escravidão, ou vendê-los como
escravos, ou privá-los de seus bens, e de agir com tamanha desumanidade no confronto
deles, capaz de tirar-lhes o desejo de abraçar a fé em Cristo e reforçar cada vez
mais o ódio contra a mesma.
A pior destas ações indignas,
isto é a escravidão, pouco tempo depois, pela graça da misericórdia de Deus, foi
abolida: e para aboli-la, no Brasil e em outras regiões, muito contribuiu a maternal
insistência da Igreja perante os ilustres homens que governavam àqueles países.
E reconhecemos, verdadeiramente que se não tivessem
oposto muitos e grandes obstáculos de situações e ambientes, os seus intentos teriam conseguido resultados muito melhores.
Reconhecemos que alguma coisa foi feita em prol dos Índios, porém, deve-se dizer
que é muito mais o que resta por fazer.
Na verdade, quando consideramos
os abusos e crimes que se cometem constantemente contra eles, não tem como não ficar
horrorizados e sentimos uma profunda comiseração por este povo infeliz. O que pode
existir de mais cruel e bárbaro que matar homens, muitas vezes por razões superficiais
e não raramente por puro prazer de torturar, ou com golpes e ferros ardentes, ou,
movidos por uma repentina violência, matando centenas e milhares, ou saquear vilarejos
e aldeias dos índios: dos quais, ficamos sabendo que algumas tribos nestes últimos
anos foram quase destruídas? O desejo desenfreado de lucro certamente atiça muito
os ânimos, mas para isso contribui bastante a natureza do clima e a posição geográfica
daquelas regiões. De fato, sendo aqueles lugares sujeitos a um clima tórrido, que,
dando ao corpo uma certa moleza, enfraquece também a força dos ânimos; e encontrando-se
longe da prática da Religião, da vigilância do estado, e, de certa forma, do mesmo
consórcio civil, facilmente acontece que, se os que ainda não estão perdidos em
hábitos imorais, chegam lá, em breve tempo iniciam a depravar-se, e aos poucos,
eliminados os freios do dever e das leis, se precipitam em todos os excessos dos
vícios. Com efeito não é para perdoar-lhes a fraqueza do sexo e da idade, aliás
nos envergonha relatar suas malvadezas e crueldades comprando e comercializando
mulheres e crianças; verdadeiramente deles se poderia dizer que foram superados
os exemplos mais extremos da obscenidade pagã.
Nós, por algum tempo, quando
ouvíamos relatos a respeito desse comportamento, tínhamos dúvidas para acreditar
tamanha atrocidade dos fatos: nos pareciam inacreditáveis. Mas após confirmados
com muitíssimos testemunhos, isto é, da maior parte de vós, veneráveis Irmãos, dos
delegados da Sé Apostólica, dos missionários e de outras pessoas totalmente dignas
de fé, já não nos é mais lícito ter dúvidas sobre a verdade dos fatos.
Desejosos, há muito tempo, de
reparar, por quanto está em nosso poder, a tantos males, pedimos a Deus, com humildes
e suplicantes preces, que queira nos mostrar benignamente algum meio oportuno para
curá-los. Mas ele, que é o amorosíssimo Criador e Redentor de todos os homens, tendo-nos
inspirado de trabalhar pelo bem-estar dos Índios, certamente nos dará os meios para
conseguir este objetivo. Muito nos consola o fato que os que governam aqueles países,
se esforçam com todos os meios para cancelar esta ignomínia e mancha de seus países:
por tal empenho expressado por eles, jamais poderemos louvá-los e aprová-los como
convém. Embora naquelas regiões, longe das sedes dos governos, distantes e pela
maior parte inacessíveis, estes esforços dos poderes civis, plenos de humanidade,
seja pela astúcia dos malvados que ultrapassam as divisas em tempo, seja pela inércia
e perfídia dos administradores locais, frequentemente pouco resolvem, e não raramente
são inúteis. Porém se à obra do Estado se ajuntasse a obra da Igreja, então os frutos
desejados seriam muito mais abundantes.
A vós, portanto, veneráveis
Irmãos, antes que a qualquer outro, apelamos para que prestem especiais cuidados
e atenções para esta causa que é muito digna do vosso ofício e ministério pastoral.
E deixando o resto à vossa solicitude e zelo, antes de qualquer outra coisa, vos
exortamos a promover primorosamente e com toda atenção, em vossas dioceses, aquelas
instituições voltadas para o bem dos Índios, e ao mesmo tempo procurar instituir
outras que vos pareçam úteis para a mesma finalidade. Advirtam, pois, com diligência,
os vossos fieis, sobre o sagrado dever de ajudar as missões aos Índios, que foram
os primeiros a habitar o solo brasileiro. Saibam, portanto, que podem contribuir
por esta causa de duas maneiras, com a coleta de ofertas e com o apoio das orações;
e isto para favorecer não somente a Igreja, mas também a Pátria. Vós, pois, e em
qualquer lugar onde se leva a sério a boa educação dos costumes, isto é, nos seminários,
nos institutos juvenis, nos educandários femininos, e sobretudo, nos templos sagrados,
façam com que nunca falte a recomendação e a pregação da caridade cristã, que considera
todos os homens como irmãos sem nenhuma discriminação de nacionalidade e de cor;
isto deve ser provado não apenas com as palavras, mas com os fatos. Igualmente não
se deve deixar nenhuma ocasião, oportuna, para demonstrar quanta desonra espalham
sobre o nome cristão estas situações indignas que aqui denunciamos.
No que diz respeito a nós, tendo
não sem razão, boa esperança do consenso e favor dos poderes públicos, teremos aquele
cuidado para ampliar, em tão vastas regiões, o campo da ação apostólica, dispondo
outras estações de missionários, nos quais os Índios encontrem refúgio e proteção
para a saúde. De fato, a Igreja Católica nunca foi estéril de homens apostólicos,
os quais, impulsionados pela caridade de Jesus Cristo, estiveram prontos e preparados
até a dar a própria vida pelos irmãos. E hoje, mesmo quando muitos ignoram ou abandonam
a fé e o ardor de difundir o Evangelho aos Bárbaros, não só não diminui entre os
membros de todo o clero ou entre os religiosos/as, mas cresce e se difunde amplamente
pela ação do Espírito Santo que socorre a Igreja, sua esposa, segundo as necessidades
dos tempos. Por isso achamos oportuno se servir em grande escala daquelas ajudas que, pela Graça divina, nos foram concedidas,
para libertar os Índios da escravidão de Satanás e dos homens perversos, quanto
maior for a necessidade que os preme. Além disso, tendo em vista que os pregadores
do Evangelho banharam estas terras não somente com seu suor, mas também frequentemente
com seu sangue, temos confiança para o futuro que de tantas fadigas, enfim, floresça
uma alegre messe com ótimos frutos de humanidade cristã.
Portanto, para que tudo aquilo
que, ou por vossa iniciativa, ou por nossa exortação, fareis em favor dos Índios,
tenha uma pródiga eficácia, pelo apoio vindo da nossa autoridade apostólica, Nós,
seguindo o exemplo do nosso recordado predecessor, condenamos e declaramos réus
deste cruel crime todos que, como diz o mesmo, “ousam ou presumam reduzir em escravidão
os Índios dos quais falamos acima, vender, comprar, comutar ou doá-los, separá-los
das mulheres e dos filhos, espoliá-los de suas coisas e bens, conduzi-los ou transferi-los
em outros lugares, ou, de qualquer maneira, privá-los da liberdade ou retê-los escravos;
nem oferecer àqueles que assim agem, conselho, ajuda, favor e apoio sob qualquer
pretexto e motivo, ou pregar ou ensinar que tudo isso é lícito, e tenham a ousadia
ou presumam cooperar de qualquer outra maneira com quanto dito acima.” Queremos,
portanto, reservar aos Ordinários locais o poder de absolver os penitentes destes
crimes no fórum do sacramento da Penitência.
Veneráveis Irmãos pensamos de escrever-vos estas coisas em favor
dos Índios, e obedecendo ao nosso ânimo paterno, e seguindo os rastros de muitos
dentre os nossos predecessores, entre os quais particularmente, Leão XIII, de feliz
memória. Caberá a vocês combater com todas as forças para que nossos votos sejam
plenamente satisfeitos.
Certamente vos sustentarão nesta obra os que governam estes países;
não deixarão seguramente de assistir-vos, com a ação e o conselho, os sacerdotes,
e em primeiro lugar os que se dedicam às Sagradas Missões; enfim aderirão todos
os homens bons, e ajudarão a causa, os que podem, com o dinheiro, ou com outras
formas de caridade, causa na qual são empenhadas juntas as razões da Religião e
da dignidade humana. Mas, o que é de capital importância, vos assistirá a Graça
de Deus onipotente; auspício da qual e ao mesmo tempo atestado pela nossa paterna
benevolência, a vós, veneráveis irmãos e às vossas greis enviamos nossa bênção apostólica.
Dada em Roma, São Pedro, no dia 07 de junho de 1912, nono ano do
nosso pontificado.
PIO PP. X
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