terça-feira, 16 de março de 2021

TOBY


TOBY

 

Wilmar Santin

 

O nome TOBY, cuja origem é hebraica, significa “agradável a Deus” ou “Deus é bom”. Toby e Tobit são duas variantes do nome Tobias, personagem que dá nome a um dos livros da Bíblia. Também tem relação com a palavra árabe tába, que significa “agradável aos sentidos”.

Mesmo que não pretenda, desta vez, falar ou refletir sobre o personagem bíblico, que foi acompanhado pelo arcanjo Rafael em sua longa viagem, recordo que o livro de Tobias é um dos 7 livros deuterocanônicos da Bíblia. É um livro belíssimo e gostoso de ler. É ali que se encontra a regra de ouro em forma negativa: “Não faças a ninguém o que não queres que te façam” (Tb 4,15). Jesus a propõe em forma positiva e exigente: “Tudo quanto desejais que os outros vos façam, fazei-o primeiro a eles” (Mt 7,12). 

Quando escuto o nome Toby, imediatamente lembro de um jogador de futebol dos anos 1980-90. Toby era o apelido do paranaense Dorival Mateus da Costa, nascido em Uraí, uma cidadezinha com pouco mais de 11.000 habitantes. Ele foi bom de bola, tanto é que jogou em grandes times do Brasil, como Coritiba e Cruzeiro (na época eram bons, hoje nem tanto – são times de segunda divisão). Era excepcional jogando no meio-campo. Dizia-se que era muito dado à bebida, por isso decaiu e jogou em vários times de menor expressão. Faleceu em 2015 aos 53 anos. Mesmo que eu sempre me lembre dele como um grande jogador e como campeão brasileiro, em 1985, pelo Coritiba Football Club, não é este o Toby da minha narrativa.

Há outro bom jogador de futebol chamado Toby que que joga na seleção belga. Ele atuou contra o Brasil na Copa do Mundo de 2018, quando a seleção canarinha foi derrotada por 2 x 1 e deu adeus àquela Copa. Na escalação oficial do time da Bélgica não apareceu o nome Toby e sim seu sobrenome Alderweireld, porque é costume chamar pelo nome da família. Seu nome completo é Tobias Albertine Maurits Alderweireld e atualmente joga como zagueiro do Tottenham Hotspur da Inglaterra. 

Mas Toby famoso não é só jogador de futebol, há um cantor e “rapper” chamado Toby McKeehan. Ele é norte-americano e ligado à banda de “rap” e rock cristão chamada DC Talk. Como não sou chegado a este tipo de música, em nada me atrai discorrer sobre este Toby. 

A memória me apresenta ainda muitos outros Tobys, mas vamos parar por aqui porque senão cansa. Sem mais delongas, vamos para o Toby da história que quero contar. Não é pessoa alguma e sim um cachorro vira-lata. Isso mesmo: um cachorro vira-lata. Ele é todo branco e normalmente está tristonho e vive deitado. Late muito pouco e quando vê gente balança o rabo e pula de alegria. Parece muito carente.

Mas ao mencionar um cachorro vira-lata lembro da famosa crônica de Nelson Rodrigues “Complexo de vira-latas”, publicada na revista Manchete dia 31 de maio de 1958, ou seja, na semana anterior ao início da Copa do Mundo em que o Brasil sagrou-se campeão mundial pela primeira vez. Eu não tinha ainda completado 6 anos, mas me lembro bem daquela Copa. Volta e meia os cronistas e comentaristas esportivos citam a famosa crônica. Mas o que vem a ser esse “Complexo de vira-latas”? O próprio Nelson responde: “Por "complexo de vira-latas" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”. A conclusão daquela crônica não podia ser mais genial: “Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: - para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão”.

Deixando o complexo de lado, tornemos à narrativa do vira-lata Toby. Necessitávamos de um cachorro para vigiar o Centro de Formação São José do Laranjal. Frei Romualdo me pediu para que, quando eu fizesse visitas pelo interior, arrumasse um cachorro. 

A ocasião surgiu na minha última ida a Castelo dos Sonhos, distrito de Altamira, PA, em agosto passado. Situado às margens da BR 163, o distrito está a mais de 1.000 Km da sede do município. Isso é apenas uma das coisas absurdas que há no Pará! A população local está tentando a emancipação, mas ainda deve passar muita água de baixo da ponte até Castelo dos Sonhos se tornar município. O motivo da viagem foi fazer linguiça, torresmo e “carne de lata”.  

Tudo começou três anos atrás, quando fui almoçar na casa do Sr. Lauro Becker, um catarinense que morou em Manoel Ribas, Paraná, e que há vários anos mora no Pará. É ministro da Eucaristia e coordenador da Comunidade Nossa Senhora de Fátima da Paróquia Santo Antônio de Pádua de Castelo dos Sonhos. Antes do almoço, nos acomodamos na ampla área da casa e passamos a jogar conversa fora e a contar vantagens. O Maurício, filho do Lauro, começou a contar “causos” de caçadas e pescarias. Pra brincar e provocar, comecei a contestar e dizer que tudo era conversa de caçador ou pescador, ou seja, invenção ou mentira. Ele contava muitas estórias de caçadas sobretudo de porcão (queixada) e caititu. Ele e seu cunhado, que também contava vantagem, entenderam as minhas brincadeiras e provocações e foram aumentando os fatos e feitos. Ríamos à vontade. Por fim chegamos ao assunto de fazer linguiça. O seu Lauro me convidou para irmos fazer em sua propriedade. Ele disse que tinha um porco no jeito. 

No dia seguinte, uma segunda-feira, fui até a propriedade da família Becker levado pelo Pe. Adenilson Alves Souza, pároco da Paróquia Santo Antônio. Fizemos 16 kg do linguiça.  

Desde aquela época, cada vez que ia a Castelo, o Sr. Lauro sempre me perguntava quando voltaria para fazer linguiça novamente. Nunca dava certo até que chegou a pandemia do coronavírus. Eu estava confinado em casa uns três meses sem sair. Fiquei sabendo que em Castelo dos Sonhos não tinha havido um caso sequer da Covid-19. Isto me animou a sair e ir até Castelo pra fazer linguiça. Via WhatsApp combinamos o dia.

Desta vez foi o Pe. João Pedro Pinheiro, pároco em Castelo dos Sonhos, quem me levou até a propriedade dos Becker. Estava me acompanhando o estudante franciscano frei Higor. Ele é mineiro de Betim e está fazendo estágio pastoral em Itaituba. Deve pesar pelo menos uns 130 kg, mas, como todo gordo, é muito simpático e alegre. Gosta de conversar e contar vantagens, principalmente se for sobre a qualidade da cachaça mineira. Sempre fala com orgulho de ter aprendido muitas coisas com sua avó, principalmente em matéria de culinária. Entre as coisas de que se gaba é de saber fazer “carne de lata”. Sua avó lhe ensinou a técnica para a carne de porco ficar boa e não estragar na lata bem como a banha não ficar rançosa. Quando a carne já estiver frita, deve-se tirar com uma colher um pouco de banha e jogar no fogo. Se frigir, ainda não está no ponto. Somente quando a gordura se incendiar é que está na hora de tirar a carne do fogo e jogar na lata com a banha. A ciência é quando a banha jogada com a colher pega fogo, significa que já saiu toda a água da carne e também já evaporou da banha. Daí ela não estraga, ou seja, nãos se torna rançosa. Coisa da culinária mineira! 

O Sr. Lauro tem uma grande cachorrada. Pedi um filhote e ele me ofereceu um vira-lata. Era muito manso. A conversa era que ficaria brabo e se ficasse ali se tornaria um bom cachorro caçador. Não botei muita fé, mas fiz de conta que acreditava. Algo não me entusiasmava naquele cão. Achei-o muito triste e parado. 

Mas por falar em cachorro de caça, como não recordar de dois cachorros que havia lá no seminário de Graciosa. Um era um pastor alemão, cujo nome era Conny, e o outro, um paqueirinho chamado Laique. 

O Conny ficou muito manso. Pudera! Éramos 75 meninos e adolescentes brincando com ele. Cismei de levá-lo caçar lagarto. Todos me gozavam e diziam que um pastor alemão não serve pra caçar. Mas tenho muitas histórias para provar que ele virou caçador de lagarto. Vou contar apenas duas por serem um pouco cômicas. 

O fato aconteceu no início de sua atividade como caçador. Todos me cobravam: “Quando o Conny vai pegar o primeiro lagarto?” Eu só respondia: “Vai chegar o dia”. O dia chegou. Era uma tarde ensolarada e o Conny farejou algo num barranco perto do campo de futebol. Eu não duvidei do seu faro. Por isso busquei uma pá para cavar. Todos me gozavam e me diziam que eu estava perdendo tempo. Um dos bons amigos, chamado Hélio, era quem mais me provocava dizendo: “Se aí tiver um lagarto e o Conny pegar, eu asso no dedo”. Finalmente chegamos onde estava o lagarto e o Conny deu-lhe uma abocanhada e saiu correndo levando o lagarto. Todos nós corremos atrás. Já dentro do pátio do seminário alguém conseguiu agarrar o Conny. O lagarto era um filhote. Quando eu disse para o Hélio: “Agora você vai ter que assá-lo no dedo”. Ele na tampa respondeu: “Eu disse que assaria no dedo se fosse um lagarto, mas isso aí é uma lagartixa!” 

Em outra ocasião, logo após o almoço saímos pra caçar lagarto. Nossas armas eram cacetes e o Conny. O sol estava escaldante, ou seja, propício para os lagartos saírem das tocas. Logo vi um rastro bem fresco de um lagarto que tinha entrado no oco de um pau. Sentenciei: “Ele está aqui dentro!” Alguém buscou um machado e começamos a cortar o toco. De repente o lagarto saltou pra fora e correu em direção ao Irineu. O Conny disparou atrás e quando ia abocanhá-lo, o Irineu deu uma paulada, porém, não acertou o lagarto e sim o cachorro.

Há um outro causo com o Conny. Certo dia, enquanto tomávamos café, escutamos uma gritaria na cozinha. Parecia que alguém estava morrendo. As cozinheiras gritavam apavoradas diante de um pequeno ouriço que tinha entrado na cozinha. Corremos para a cozinha pra saber o que estava acontecendo. A cadelinha Chule estava com espinho no nariz e o Conny com a boca totalmente cheia de espinhos do ouriço. Tirar os espinhos da boca do cachorro foi muito difícil. Só foi possível usando uma alicate. Creio que o Conny deve ter aprendido a nunca mais abocanhar um ouriço.

Retornando ao vira-lata Toby, nos três primeiros meses ele nos deu muito trabalho. Estava cheio de pulgas e com muitos vermes. Além disso estava infestado de bicho-de-pé e carrapatos. Por isso vivia deitado. Seus pés deviam doer, quando caminhava. Foram-lhe aplicadas todas as vacinas necessárias, bem como foram dados vermífugos e outras coisas pra acabar com as pulgas, bicho-de-pé e carrapatos. Aos poucos foi ficando mais alegre e ativo. Por fim foi levado para o Laranjal. Pouco tempo depois estava novamente cheio de pulgas, bicho-de-pé e carrapatos. Novas aplicações foram feitas! Agora ele está bom, mas, como o Conny, manso demais para ser um cão de guarda.

Mesmo não servindo para ser um cão de guarda, não foi descartado e sim foi levado para o Centro de Formação São José. Ultimamente apareceu por lá um porquinho e os dois viraram muito amigos. Passam o dia inteiro brincado. É bonito de se ver a amizade ente os dois. É como diz Antoine de Saint-Exupéry no livro “Terra dos Homens”: “Num mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo”.

Perguntei ao frei Romualdo sobre o porquê de ter colocado o nome de Toby no cachorro. Ele disse que não queria colocar um nome comum, mas que fosse diferente. Por isso ficou pensando e repassando possíveis nomes pela memória. De repente apareceu: Toby, que lhe agradou. Buscou na internet o significado e viu que era “agradável a Deus” ou “Deus é bom”. Decidiu na hora que seria Toby.


Dezembro de 2020.


Tenho medo de tomar vacina

 



Tenho medo de tomar vacina

 

Sempre tive medo de tomar injeção e o pior é que continuo tendo. Compartilho aqui algumas das minhas experiências ao tomar vacinas no tempo de criança e adolescência. Mas antes farei algumas considerações sobre o momento atual e a polêmica sobre a vacina contra a Covid-19.

O ano de 2020 foi um ano atípico e bem diferente dos outros devido à pandemia da Covid-19. Botou o mundo de joelhos! As grandes e ricas nações tiveram que se curvar diante do vírus chamado de coronavírus Sars-CoV-2, que significa “síndrome respiratória aguda grave – coronavírus 2″. Este novo coronavírus ceifou muitas vidas e vai continuar ceifando enquanto não se vacinar toda a população mundial. No momento em que estou escrevendo, só no Brasil são mais de 210.000 mortes! Já perdi amigos e conhecidos infectados por este terrível vírus.

A minha impressão é de que no Brasil houve mais polêmicas a respeito da pandemia do que em outros países. Desde o início, o Governo Federal marchou na contramão. Classificou a Covid-19 como uma gripizinha, não tomou as mesmas medidas realizadas nos outros países, debochou da ciência e das recomendações dos cientistas, incentivou as aglomerações, falou contra o uso de máscaras, desautorizou dois Ministros da Saúde, que tiveram que pedir o boné e voltar para casa. Colocou no lugar um general da ativa - que pode entender de logística militar, mas não entende de políticas públicas de saúde. Brigou com governadores e prefeitos que estavam executando as recomendações científicas e medidas adotadas nos países chamados de Primeiro Mundo. RESULTADO: Muita gente se convenceu de que a Covid-19 era uma simples macacoa e que as notícias de infecções e mortes eram invenções da Globo. Surgiram (e continuam surgindo) muitas notícias falsas, as tais fake news, publicadas nas redes sociais e veiculadas sobretudo em vídeos. A consequência disto é que temos um número muito maior de mortos.

Nas últimas décadas o Brasil tem sido um exemplo no que tange à vacinação em geral. Muitas doenças, como a varíola e a poliomielite, desapareceram. O último caso registrado da varíola foi em abril de 1971 e da poliomielite em 1989. Mas no caso da vacinação contra a Covid-19 o país está tendo uma atitude vergonhosa e se tornando motivo de chacota mundial.

Há um texto do Dr. Luiz Ayrton sobre o protagonismo do Dr. Waldyr Mendes Arcoverde na vacinação no Brasil. Fui um grande amigo do Dr. José Mendes Arcoverde, irmão mais velho do Dr. Waldyr, e assim tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Como o texto é bom e ilustrativo, resolvi colocá-lo aqui.

“Não se pode falar de vacina sem lembrar de Waldyr Mendes Arcoverde. Esse médico piauiense de Amarante foi o mais longevo Ministro da Saúde que o Brasil já teve. Seu mandato durou exatos 1.962 dias (1979-1985) no Governo do Pres. Figueiredo. Dr. Waldyr lutou pela interiorização das ações básicas de saúde chegando até aos mais pobres da população quando não havia ainda o SUS e foi protagonista da campanha nacional de vacinação ambiciosa contra a poliomielite em 1980 que serviu de base pra outras campanhas nacionais até os dias de hoje, exemplos para o mundo. Na época recebeu críticas até de autoridades mundiais como o Prof. Albert Sabin, mas enfrentou a todos, implementando no país as raízes das grandes campanhas brasileiras de imunização e proteção de crianças, garantindo mais saúde para gerações e gerações de brasileiros. Foi inicialmente Secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, presidente do INPS e, trabalhando na SUCAM, deu origem à Fundação Nacional de Saúde onde foi seu presidente. Lutou contra a abreugrafia pois considerava um método falho de diagnóstico da tuberculose colaborando para o seu fim. Depois de Ministro foi trabalhar na OPAS representando nosso país. Seu irmão Dirceu foi governador e senador pelo Piauí. Em sua homenagem, teve um filho também chamado Dirceu que casou com uma filha do Ministro Francisco Rezek. Quando soube de sua morte aos 85 anos em 2017, eu estava numa Assembleia das ONGs brasileiras de luta contra o câncer e, por solicitação minha, houve um minuto de silêncio e o registro em Ata daquele triste dia para a saúde brasileira. O Dr. Waldyr tem uma história grandiosa por tudo isso” (Dr. Luiz Ayrton).

Mais de 50 países começaram a vacinar já em dezembro passado. No Brasil o assunto foi politizado com divergências graves entre o governo federal com os estaduais. Não se pode deixar de mencionar a rixa pessoal entre Bolsonaro e Dória. Ficou-se discutindo sobre de quem seria a competência para se adquirir as vacinas e sobre qual vacina se devia adotar. Por isso as vacinas não foram encomendadas quando oferecidas. Só a Pfizer, em agosto de 2020, ofereceu ao Brasil 70 milhões de vacinas contra a Covid-19 e as doses estariam disponíveis já em dezembro, mas o governo adiou a compra. Houve também o problema da falta de seringas e agulhas. Vergonhosamente o Ministro da Saúde não sabia quando começaria a vacinação e só “enrolava”. A ANVISA demorou para se pronunciar e autorizar o uso das vacinas. O Estado de São Paulo, no dia 17 de janeiro, saiu na frente usando a CoronaVac (vacina chinesa que contou com a participação do Instituto Butantan). Outras vacinas como AstraZeneca (Oxford com participação da Fiocruz), Pfizer e Sputnik (Rússia) estão à espera da aprovação da ANVISA.

Antes das vacinas serem encomendas começaram as fake news contra a vacinação para desinformar o público e criar confusão na cabeça das pessoas. Há quem diga que essa ação foi orquestrada pelo chamado “gabinete do ódio”. Afirmações das mais absurdas possíveis sobre a vacina foram enviadas às redes sociais, como por exemplo: que a vacina iria modificar o DNA das pessoas ou que junto com a vacina seria introduzido um chip para controlar as pessoas ou que Vacinas da covid-19 contêm a enzima luciferase, que está associada a Lúcifer”. O próprio presidente chegou a insinuar que quem tomar a vacina poderia virar jacaré. Sua frase foi: se você virar um jacaré, é problema seu”. Não sei se o presidente queria debochar ou fazer uma chalaça, o certo é que pegou mal e virou uma chacota mundial com uma enxurrada de memes.

Não foram poucas as críticas à logística na distribuição inicial das vacinas. O Ministro da Saúde, que foi colocado justamente por ser um general especialista em logística, mostrou uma incompetência sem tamanho. Como já mencionado acima, as vacinas não foram encomendadas tempestivamente e agora fica mais difícil recebê-las logo. Há quem diga que por isso a vacinação vai se arrastar até 2022.

Deve ser mencionada a polêmica sobre se o Estado pode ou não obrigar os cidadãos a tomarem a vacina contra a Covid-19. Há os que dizem que sim e os que o negam. Quem está com a razão? Já existe lei que obriga os pais a vacinarem os filhos contra certas doenças e cada criança deve ter a sua carteirinha de vacina. Durante os anos 1960-70 todos eram vacinados contra a varíola. Nas décadas de 1970-90, quem fosse para Rondônia não entrava naquele estado se não fosse vacinado contra a febre amarela. Só por estes exemplos, já dá pra se ter a certeza de que o Estado pode obrigar a vacinação de todos os seus cidadãos. O Papa Francisco se pronunciou pró vacinação. Seu argumento é simples e direto: Eticamente todos devem ser vacinados. Não é uma opção se serve ou não serve. É uma opção ética, porque você não só põe em risco a sua saúde, a sua vida, mas também a dos outros". Portanto, vacinar ou não vacinar não é só uma questão pessoal e sim também coletiva.

Neste contexto informo que em 1740, portanto 281 anos atrás, o missionário carmelita frei José da Madalena vacinou os indígenas contra a varíola em Barcelos, Amazonas, salvando assim muitas vidas (Cf. Revista do IHGB. Tomo XLVIII, pag. 29). Como ele vacinou? Tomava o pus de um doente de varíola e o injetava na pessoa sadia. O pus com o vírus morto ou moribundo provocava a formação de anticorpos. O máximo que acontecia era pegar a doença de maneira fraca sem o perigo de morte. Naqueles tempos não havia propaganda contra a vacinação, como hoje.

Eu, pessoalmente, sempre tive medo de injeção. No passado tinha verdadeiro pavor. Sempre que pude, fugi das vacinações. Até hoje, por exemplo: não tomo vacina contra a gripe, porque acho que não preciso devido à minha boa resistência. No entanto, o motivo de fundo é o medo da agulha que deve me furar. Todo ano faço um check-up de saúde e por isso invariavelmente tenho que tirar sangue. Nestas ocasiões, pra encontrar uma veia é sempre uma grande dificuldade devido ao meu medo da agulhada. Porém, contra a Covid-19 irei tomá-la. O Papa Francisco tomou a vacina e pra mim é um exemplo. Admiro demais esse Papa em todos os sentidos. Louvo e agradeço a Deus diariamente por termos um Papa tão iluminado pelo Espírito Santo.



Consultando a minha memória a respeito de vacinas, a mais antiga que me recordo foi contra o tifo. Foi lá pelos anos 1960-62 no Posto de Saúde de Nova Londrina. Todos deviam tomar três doses com um intervalo de três dias entre uma dose e outra, se não me engano. Eu nunca tinha ouvido falar desta doença. Escapei o quanto eu pude. O único argumento que me fez tomá-la foi: “Se você pegar o tifo, você morre! Não tem cura!” O medo de morrer foi maior do que o pavor da agulhada. A vacina era aplicada na parte interna do antebraço e provocava como consequência, além da dor, um bom inchaço. No dia de tomar a segunda dose não fui. Novamente o argumento infalível: “Se você pegar o tifo você morre! Não tem cura! E uma dose só não ajuda.” Dia seguinte fui. Para a terceira dose o argumento foi: “Tome a última e você ficará imunizado pra sempre. Um pouquinho de dor agora é melhor do que morrer”. Até hoje quando recordo daquela vacinação, fico arrepiado.

Fui vacinado várias vezes contra o tétano. No tempo de criança fiquei sabendo da morte de algumas pessoas causadas pelo tétano. Isto criava um medo de morrer de tétano. Por isso, eu a tomei. Depois para poder participar do Projeto Rondon, uma das exigências era tomar algumas vacinas, ente as quais  contra o tétano e a febre amarela. A sorte é que estas vacinas têm a validade por 10 anos.


Nos anos 1960-70, era obrigatório todos serem vacinados contra a varíola e a vacinação foi feita várias vezes. Cada vez, um modo diferente para aplicá-la. De tempos em tempos, uma vacinação em massa. Começou com injeção, depois dois risquinhos com uma agulha no braço e aplicava-se a vacina. Depois, passou a ser aplicada com uma pistola de pressão: encostava-se a pistola e disparava a vacina. Não dava nem tempo de gritar e já estava vacinado. Quem já tinha sido vacinado, devia ser vacinado de novo. A vacina sempre provocava alguma reação e até mesmo febre, mas a principal era uma pequena inflamação no local, criava uma casca de ferida e ficava a cicatriz. Eu ainda tenho a marca desta vacina. Recordo perfeitamente que em 1967 foram no seminário vacinar os seminaristas. Eu fugi e me escondi no banheiro. Não adiantou! Como a vacinação seguia a lista de cada sala de estudo, quando viram que eu não apareci, os padres colocaram todos os seminaristas pra me procurar. Claro que me acharam. Depois por muito tempo me gozaram e me chamaram de “cagão”. Foi um verdadeiro bullying, mas não guardo mágoas ou trauma daquelas gozações que até me ajudaram. Aquela experiência marcou um começo de mudança. Percebi que eu devia enfrentar o medo da agulhada. Até hoje não superei o medo, mas já não sou mais tão “cagão” como antes. Se tiver que tomar uma agulhada, mesmo com certo medo, tomo. Aquela vacinação contra a varíola, repedidas vezes, resolveu o problema no Brasil, tanto é que o último caso foi em 1971, como dito acima.

Outra vacina que tomei mais de uma vez foi contra a febre amarela. Tenho uma vaga lembrança de tê-la tomado na infância, mas recordo perfeitamente de que foi necessária para participar do Projeto Rondon, sendo a última, em Itaituba em 2012. No próximo ano terei que tomá-la de novo.

A minha esperança é de que as vacinas contra Covid-19 funcionem e a pandemia acabe o quanto antes. Oxalá que esta pandemia não fique apenas nos mortos e no sofrimento das famílias que perderam entes queridos, mas que ajude também para que as pessoas meditem sobre o sentido da vida. Reflitam sobre o relacionamento humano e sobre como tornar o mundo mais fraterno e unido para resolver os problemas da humanidade, sobretudo da fome, da guerra, das migrações e das intolerâncias religiosas e raciais.

Para concluir e dar esperança a quem ler este texto, cito uns versículos bíblicos: “Somos atribulados de todos os lados, mas não vencidos pela angústia; postos em apuros, mas não desesperançados; perseguidos, mas não desamparados; derrubados, mas não aniquilados; por toda a parte e sempre levamos em nosso corpo o morrer de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa existência mortal. Assim, a morte atua em nós, enquanto a vida atua em vós (2Cor 4,8-12).

Wilmar Santin

Janeiro de 2021.

segunda-feira, 15 de março de 2021

A Regra do Carmo

  

A Regra do Carmo

 

A Regra dos Carmelitas foi aprovada definitivamente pelo Papa Inocêncio IV o dia 1º de Outubro de 1247.

Uma cópia do texto latino da Regra do Carmo no Arquivo Secreto Vaticano (Reg. Vat. 21,465v-466r).

Tradução portuguesa

(A numeração não faz parte do texto. Serve para se fazer uma citação. Esta é a numeração unificada e aprovada pelos Conselhos Gerais O.Carm. e OCD)

 

Alberto, chamado pela graça de Deus a ser Patriarca da Igreja de Jerusalém, aos amados filhos em Cristo B. e demais eremitas que vivem sob a sua obediência perto da Fonte, no Monte Carmelo, saudações no Senhor e a benção do Espírito Santo.

Muitas vezes e de diversas maneiras os Santos Padres estabeleceram como cada um - qualquer que seja o estado de vida a que pertença ou a forma de vida que tenha escolhido - deve viver no obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente com coração puro e reta consciência.

Mas, uma vez que nos pedis que vos demos uma fórmula de vida de acordo com o vosso projeto comum e à qual deveis permanecer fiéis no futuro:

Estabelecemos, primeiramente, que tenhais um de vós como Prior, que seja eleito para esta tarefa com o consenso unânime de todos ou, ao menos, da parte mais numerosa e madura. A ele prometerão obediência todos os demais e se preocuparão em manter esta promessa com suas obras, juntamente como a castidade e a renúncia à propriedade.

Podeis fixar vossos lugares de morada nos ermos ou onde vos oferecerem lugares adequados e convenientes ao vosso modo de vida religiosa, conforme parecer oportuno ao Prior e aos Irmãos.

Além disso, levada em conta a situação do lugar em que tenhais decidido estabelecer-vos, cada um de vós tenha sua própria cela separada, conforme a designação do Prior, com a anuência dos outros Irmãos ou da parte mais madura.

Cumpra-se isto, porém, de modo que possais alimentar-vos em um refeitório comum, com aquilo que vos for repartido, escutando juntos alguma passagem da Sagrada Escritura, desde que isto se possa realizar sem dificuldade.

E a nenhum dos Irmãos será permitido, a não ser com licença do Prior em exercício, mudar do lugar que lhe for assinalado ou trocá-lo com um outro.

A cela do Prior se situe perto da entrada do lugar de moradia, para que ele seja o primeiro a recepcionar os que aí chegarem; e depois, em tudo que for mister fazer-se, proceda-se consoante seu julgamento e sua decisão.

10 Permaneça cada um em sua cela ou em sua vizinhança, meditando dia e noite na lei do Senhor e velando na oração, a não ser que deva ocupar-se em outros afazeres justificados.

11 Aqueles que sabem recitar as horas canônicas com os clérigos, devem rezá-las conforme estabeleceram os Santos Padres e os legítimos costumes da Igreja. Por outro lado, os que não sabem, digam vinte e cinco pai-nossos durante a oração de vigília, exceto nos domingos e dias festivos, nos quais determinamos que - na oração de vigília - se duplique o mencionado numero, de modo que o pai-nosso seja repetido cinqüenta vezes. A mesma oração deve ser rezada sete vezes nas Laudes da manhã e em cada uma das outras horas, com exceção de Vésperas, quando se deverá dize-la quinze vezes.

12 Nenhum Irmão diga que alguma coisa é de sua propriedade, mas tudo seja tido em comum por vós, e se distribua a cada um conforme a necessidade, por meio do Prior, isto é, através do Irmão por ele indicado para esta tarefa, levando em conta a idade e as necessidades individuais.

13 Na medida em que vossas situações o requererem, podereis ter asnos ou mulos e alguma criação de animais ou aves.

14 O oratório seja construído no meio das celas, se se puder fazê-lo com uma certa comodidade, e ali vos reunireis todos os dias pela manhã para participar da celebração eucarística, quando as circunstâncias o permitirem.

15 Assim também nos domingos ou em outros dias se for necessário, reuni-vos para tratar da observância na vida comunitária e do bem espiritual das pessoas. Nesta ocasião, corrijam-se com caridade as transgressões e as culpas que forem encontradas em algum dos Irmãos.

16 Da festa da Exaltação da Santa Cruz até o domingo da Ressurreição do Senhor, exceto os domingos, jejuareis todos os dias, a não ser que uma enfermidade ou uma fraqueza corporal ou outro justo motivo aconselhem a dispensa do jejum, pois a necessidade não tem lei.

17 Abstende-vos de comer carne, a não ser que se deva tomar como remédio em caso de doença ou de fraqueza física. E visto que, por razão de viagens, acontece com freqüência deverdes mendigar o sustento, para não ser um peso a quem vos hospeda, podereis comer fora de vossas casas alimentos preparados com carne. Em caso de viagens por mar, podeis também servir-vos de carne.

18 Por ser a vida do homem sobre a terra um tempo de tentação e todos que pretenderem levar uma vida fiel a Cristo se vêem sujeitos à perseguição, e ademais como o diabo vosso adversário vos rodeia como um leão que ruge, buscando a quem devorar: com toda solicitude empenhai-vos por revestir-vos da armadura de Deus a fim de poderdes resistir às insídias do inimigo.

19 Cingi os vossos rins com o cíngulo da castidade; fortalecei o vosso peito com pensamentos santos, visto estar escrito: o pensamento santo vos guardará. Revesti-vos da couraça da justiça , para poderdes amar o Senhor vosso Deus de todo o coração, de toda a mente e de todas as forças e ao vosso próximo como a vós mesmos. Empunhai sempre o escudo da fé e com ele podereis apagar todos os dardos ardentes do maligno;: com efeito, sem fé é impossível agradar a Deus. Cobri vossa cabeça com o elmo da salvação , de maneira a esperardes a salvação do único Salvador: será ele que libertará o povo dos seus pecados. Enfim, a espada do Espírito, isto é, a Palavra de Deus, permaneça com toda sua riqueza em vossos lábios e em vossos corações. E tudo aquilo que deveis fazer, que seja de acordo com a Palavra do Senhor.

20 Deveis ocupar-vos com algum trabalho, para que o diabo vos encontre sempre em atividade e não aconteça que, por motivo de ociosidade vossa, ele possa insinuar-se em vossas almas. Para isto, tendes o ensinamento e o exemplo do apóstolo São Paulo, por cuja boca falava Cristo, e que foi constituído e dado por Deus como pregador e mestre dos gentios na fé e na verdade: seguindo-o, não podereis errar. Vivemos entre vós - diz ele - no esforço e na fadiga, de noite e de dia, para não sermos pesados a nenhum de vós. Não porque não tivéssemos direito (a ser mantidos); mas foi para vos dar exemplo a ser imitado. Quando estávamos entre vós, repetíamos com insistência: quem não quer trabalhar, também não há de comer. Ouvimos dizer que alguns de vós não trabalham e andam à toa de cá para lá. A estas pessoas ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo que trabalhem sem conversas inúteis para ganhar o próprio pão. Este caminho é bom e santo: andai nele.

21 O Apóstolo recomenda o silêncio, quando ordena que se trabalhe calado; do mesmo modo também o profeta afirma: o silêncio favorece a justiça; e ainda: na tranqüilidade e na esperança está a vossa força. Por isso estabelecemos que, concluídas as Completas, conserveis o silêncio até o fim da oração da Prima do dia seguinte. Fora deste tempo, embora não esteja prescrita uma observância rigorosa do silêncio, cumpre precaver-se do excesso de conversa. Porque, como está escrito - e a experiência o comprova largamente -, no muito falar não faltará pecado; e quem não se controla no falar, acaba por se arruinar. Igualmente, o que fala em demasia prejudica a si mesmo. E diz ainda o Senhor no Evangelho: de toda palavra inútil proferida pelos homens, prestarão contas no dia do juízo. Cada um de vós, portanto, pondere suas palavras e refreie sua língua, para não resvalar e cair em razão da sua língua, e sua queda não se tome incurável e mortal. Vigie sobre a sua conduta para não pecar com suas palavras, como diz o profeta; e cuide atentamente e prudentemente de manter aquele silêncio que favorece a justiça.

22 Tu, Irmão B.,e quem quer que depois de ti for nomeado Prior, conserva sempre em mente e põe em prática o que o Senhor diz no Evangelho: quem deseja ser o maior entre vós, seja vosso servidor; e quem deseja ser o primeiro dentre vós, seja vosso escravo.

23 E vós Irmãos, honrai humildemente o vosso Prior, pensando, mais do que em sua pessoa, em Cristo, que o pôs acima de vós e que disse aos responsáveis das Igrejas: quem vos escuta, a mim escuta; quem vos despreza, a mim despreza. Assim não vos tornareis réus de juízo pelo desprezo, mas merecedores, pela obediência, do prêmio da vida eterna.

24 Estas poucas indicações as escrevemos brevemente, com o fim de estabelecer para vós a fórmula de vida, segundo a qual regulareis a vossa conduta. Se alguém estiver disposto a fazer mais, o Senhor mesmo, quando voltar, o recompensará. Aja-se, contudo, com discrição, que é a moderadora das virtudes.

 

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