sábado, 29 de fevereiro de 2020

Carta do Encontro de Estudo do Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia
“Cristo aponta para a Amazônia” - São Paulo VI
Reunidos em Belém do Pará, com o objetivo de estudar o Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia, nós, bispos, padres, religiosas e religiosos, leigas e leigos das Igrejas amazônicas, como também irmãs e irmãos que compartilham a caminhada ecumênica, queremos manifestar nossas preocupações com a “Casa Comum” e uma missão evangelizadora encarnada, samaritana e ecológica.
Desde 1952, os bispos da Amazônia se reúnem periodicamente para se posicionar sobre a missão da Igreja na realidade peculiar da Amazônia. “Cristo aponta para a Amazônia” é a expressão profética e programática do Papa São Paulo VI que em 1972 repercutiu no Encontro de Santarém. A nossa Igreja assumiu, então, o compromisso de se “encarnar, na simplicidade”, na realidade dos povos e de empenhar-se para que por meio da ação evangelizadora se tornasse cada vez mais nítido o rosto de uma Igreja amazônica, comprometida com a realidade dos povos e da terra. No encontro de 1990, em Belém-Icoaraci, os bispos da Amazônia foram os primeiros a advertir o mundo para um iminente desastre ecológico com “consequências catastróficas para todo o ecossistema (que) ultrapassam, sem dúvida, as fronteiras do Brasil e do Continente” (Documento “Em defesa da Vida na Amazônia”).
Novamente reunidos em Icoaraci/PA em 2016, os bispos da Amazônia dirigiram uma carta ao Papa Francisco pedindo um Sínodo para a Amazônia. Acolhendo o desejo da Igreja nos nove países amazônicos, o Papa convocou em 15 de outubro de 2017 a “Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia”, com o tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.
A Igreja Católica desde o século XVII está presente na Amazônia preocupando-se com a evangelização e a promoção humana ao mesmo tempo. Quantas escolas, hospitais, oficinas, obras sociais se construíram e foram mantidas durante séculos em todos os rincões da Amazônia. Vilas e cidades se edificaram a partir das “missões” da nossa Igreja. Quanto sangue, suor e lágrimas foram derramados na defesa dos direitos humanos e da dignidade, especialmente dos mais pobres e excluídos da sociedade, dos povos originários e do meio ambiente tão ameaçados. Lamentamos imensamente que hoje, em vez de serem apoiadas e incentivadas, nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da Pátria.
Junto com o Papa Francisco, defendemos de modo intransigente a Amazônia e exigimos medidas urgentes dos Governos frente à agressão violenta e irracional à natureza, à destruição inescrupulosa da floresta que mata a flora e a fauna milenares com incêndios criminosamente provocados.
Ficamos angustiados e denunciamos o envenenamento de rios e lagos, a poluição do ar pela fumaça que causa perigosa intoxicação, especialmente das crianças, a pesca predatória, a invasão de terras indígenas por mineradoras, garimpos e madeireiras, o comércio ilegal de produtos da biodiversidade.
A violência, que ultimamente cresceu de maneira assustadora, nos causa horrores e exige também o engajamento da nossa Igreja para que a paz e o respeito, a fraternidade e o amor prevaleçam.
Defendemos vigorosamente a Amazônia, que abrange quase 60% do nosso Brasil. A soberania brasileira sobre essa parte da Amazônia é para nós inquestionável. Entendemos, no entanto, e apoiamos a preocupação do mundo inteiro a respeito deste macro-bioma que desempenha uma importantíssima função reguladora do clima planetário. Todas as nações são chamadas a colaborar com os países amazônicos e com as organizações locais que se empenham na preservação da Amazônia, porque desta macrorregião depende a sobrevivência dos povos e do ecossistema em outras partes do Brasil e do continente.
O Sínodo, convocado pelo Papa Francisco, chega num momento crucial de nossa história. Queremos identificar novos caminhos para a evangelização dos povos que habitam a Amazônia. Ao mesmo tempo, a Igreja se compromete com a defesa desse chão sagrado que Deus criou em sua generosidade e que devemos zelar e cultivar para as presentes e futuras gerações.
Cabe um agradecimento especial à Rede Eclesial Pan-Amazônica/REPAM por todo o esforço dedicado no importante processo de ESCUTA das comunidades e no envolvimento dos diversos segmentos do Povo de Deus, especialmente mulheres e com forte participação das juventudes e dos povos originários.
Pedimos que rezem por nós, irmãs e irmãos, para que a caminhada sinodal reflita “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e das mulheres de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem(GS 1).
Que Maria de Nazaré, expressão da face materna de Deus no meio de nosso povo, por sua intercessão, acompanhe os passos da Igreja de seu Filho nas terras e águas amazônicas para que ela seja sinal e presença do Reino de Deus. Que ajude, com sua missão evangelizadora e humanizadora, a dignificar cada vez mais a vida em nossa região.
Belém, 30 de agosto de 2019.

Participantes do Encontro de Estudo do Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Bispos do Reginal N2 da CNBB participantes do Sínodo


O SÍNODO PARA A AMAZÔNIA: UMA GRAÇA DE DEUS PARA A IGREJA

Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.
Bispo da Prelazia de Itaituba e Padre Sinodal

O Papa Francisco convocou o Sínodo Especial da Amazônia para encontrar “novos caminhos para a Igreja” e para “uma ecologia integral”.
A preparação para o Sínodo começou com a escuta de pessoas de diferentes cidades e culturas, assim como de numerosos grupos de outros setores eclesiais e as contribuições acadêmicas e organizações da sociedade civil nos temas centrais específicos”[1] dos 09 países da Pan-Amazônia.
Um Instrumentum Laboris (Instrumento de Trabalho) foi elaborado em cima das respostas dadas por mais de 87.000 pessoas. Por isso algumas sugestões ou expressões causaram críticas e ataques ao Sínodo e ao Papa. O Papa disse que Instrumentum Laboris era “um texto destinado a ser destruído”, mas que devia ser “ponto de partida para o que o Espírito iria fazer em nós”.[2]
O Papa solicitou para que os Padres Sinodais mantivessem os olhos fixos em Jesus e se deixassem guiar pelo Espírito Santo. Por isso, o Sínodo foi vivido num clima muito fraterno e de grande abertura e liberdade.
O Papa pediu que “na difusão que fizerdes do documento final vos detenhais sobretudo nos diagnósticos, que é a parte mais consistente, a parte onde o Sínodo realmente se expressou melhor: o diagnóstico cultural, o diagnóstico social, o diagnóstico pastoral e o diagnóstico ecológico”.[3]
A elaboração dos diagnósticos, levou os Padres Sinodais a uma consciência da necessidade de uma conversão integral. Esta seria: uma conversão pessoal e comunitária que nos compromete a nos relacionar harmoniosamente com a obra criadora de Deus, que é a “casa comum”; uma conversão que promove a criação de estruturas em harmonia com o cuidado da criação; uma conversão pastoral baseada na sinodalidade, que reconheça a interação de tudo o que foi criado. Conversão que nos leve a ser uma Igreja em saída que entre no coração de todos os povos amazônicos”.[4]
CONVERSÃO PASTORAL
Essa conversão deve impulsionar a Igreja a sair de uma pastoral de manutenção e conservação e se tornar uma Igreja em saída, missionária, “Samaritana” (ir ao encontro de todos), “Madalena” (amada e reconciliada para anunciar com alegria o Cristo ressuscitado), “Mariana” (geradora de filhos para a fé e “inculturada”), misericordiosa e solidária; que promove o diálogo ecumênico e cultural, que tenha preocupação com os indígenas, camponeses, afrodescendente, migrantes e excluídos; que reconquiste os jovens e percorra novos caminhos na pastoral urbana; que a “pastoral da visita” seja substituída por uma “pastoral de presença”.
CONVERSÃO CULTURAL
A conversão cultural deve levar-nos a “fazer-se o outro, aprender do outro. Estar presentes, respeitar e reconhecer seus valores, viver e praticar a inculturação e a interculturalidade no anúncio da Boa Nova. ... Ela se encarna não só no trabalho pastoral, mas em ações concretas para com o outro, nos cuidados de saúde, na educação, na solidariedade e no apoio aos mais vulneráveis”.[5]
CONVERSÃO ECOLÓGICA
Desde a Laudato Si’ a Igreja tem a obrigação de se preocupar mais com a casa comum e defender de forma mais empenhativa a Criação. Por isso, foi proposto  definir o pecado ecológico como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o meio ambiente”.[6]
CONVERSÃO SINODAL
A conversão sinodal deve “fortalecer uma cultura de diálogo, de escuta recíproca, de discernimento espiritual, de consenso e comunhão para encontrar espaços e caminhos de decisão conjunta e responder aos desafios pastorais. ... Não se pode ser Igreja sem reconhecer um efetivo exercício do sensus fidei de todo o Povo de Deus”.[7]
Os temas das ordenações de Viri Probati (homens provados) e diaconisas geraram muitas controvérsias nos meios de comunicação antes e durante o Sínodo.
1)    A POSSÍVEL ORDENAÇÃO DE HOMENS CASADOS (VIRI PROBATI)
Antes da realização do Sínodo, foi o tema mais polêmico. Houve acusações de que o Sínodo queria acabar com o celibato e que seria herético se aprovasse a ordenação presbiteral de homens casados. Esta proposta não é nova na Igreja. É um tema recorrente. Por exemplo: houve proposta de se estudar a questão do celibato no Concílio Vaticano II, mas não entrou na pauta das discussões porque São Paulo VI considerou inoportuna a ocasião. O mesmo Papa tratou este tema e reforçou o celibato na sua encíclica “Sacerdotalis caelibatus” (1967), mas admite a possibilidade da ordenação de homens casados.[8] O tema voltou no Sínodo de 1971. Na ocasião, 87 dos 202 bispos votaram pela possibilidade do papa permitir que viri probati fossem ordenados sacerdotes por razões pastorais. É bom informar que a ordenação de homens casados já está aprovada pelo Magistério da Igreja (ver nota 8), mas para que tal aconteça o Papa deve dar uma permissão especial. E isto tem acontecido. Já foi dada dispensa papal a clérigos anglicanos e a pastores protestantes, que aderiram à plenitude da comunhão católica, para serem ordenados sacerdotes na Igreja Católica.
O assunto retornou no Instrumentum laboris como possível solução para os problemas da falta de clero na Amazônia e da falta de Eucaristia num grande número de comunidades, que têm somente uma missa por ano ou que só raramente recebem a visita de um padre. O Sínodo aprovou: “Considerando que a legítima diversidade não prejudica a comunhão e a unidade da Igreja, mas a manifesta e serve (LG 13; OE 6) o que atesta a pluralidade dos ritos e disciplinas existentes, propomos estabelecer critérios e disposições por parte da autoridade competente, no âmbito da Lumen Gentium 26, para ordenar sacerdotes a homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterato, podendo ter uma família legitimamente constituída e estável, para sustentar a vida da comunidade cristã mediante a pregação da Palavra e a celebração dos Sacramentos nas áreas mais remotas da região amazônica”.[9]
2)    ORDENAÇÃO DE DIACONISAS OU DIÁCONAS
Esta proposta também não é nova na Igreja. O próprio Papa Francisco constituiu uma comissão para estudar o assunto. A base é a afirmação do Apóstolo Paulo: “Recomendo-vos nossa irmã Febe, diaconisa da Igreja em Cencréia” (Rm 16,1). A solicitação para a ordenação de diaconisas ou diáconas apareceu no Instrumentum Laboris porque “Num grande número das consultas, foi solicitado o diaconato permanente para as mulheres”.[10] Como não se tem clareza sobre o que a diaconisa Febe fazia, nem se foi ordenada com imposição das mãos, o Sínodo apenas manifestou o desejo de que a Comissão continue estudando a assunto e que leve em consideração as experiências e reflexões do Sínodo.[11]

VIDA CONSAGRADA
As Ordens e Congregações religiosas tiveram, desde o início, e têm no presente um papel preponderante na Evangelização da Amazônia, mas estão perdendo terreno. Por isso o Sínodo fez um apelo para que as Ordens e Congregações, que não têm missões, façam fundações missionárias na Pan-Amazônia.[12]

Como participante na condição de Padre Sinodal, tenho a firme convicção de que este Sínodo foi um kairós (tempo de graça) e trará bons frutos para a Igreja na Amazônia e no mundo.





[2] Papa Francisco no Discurso de abertura do Sínodo.
[3] Discurso no final da Assembleia Sinodal.
[4] Doc. Final 18.
[5] Doc. Final 41.
[6] Doc. Final 82.
[7] Doc. Final 88.
[8] Em virtude da norma fundamental do governo da Igreja católica, a que aludimos acima (n. 15), se, por um lado, permanece firme a lei que exige a escolha livre e perpétua do celibato naqueles que são admitidos às Ordens sacras, por outro, poderá admitir-se o estudo das condições peculiares de sacerdotes casados, membros de Igrejas ou comunidades cristãs ainda separadas da comunhão católica, os quais desejando aderir à plenitude desta comunhão e nela exercer o sagrado ministério, forem admitidos às funções sacerdotais. Mas há de ser de tal forma que não causem prejuízo à disciplina vigente sobre o sagrado celibato” (Sacerdotalis caelibatus , 42).
[9] Doc. Final 111.
[10] Doc. Final 103.
[11] Gostaríamos, pois, de partilhar as nossas experiências e reflexões com a Comissão e aguardar os seus resultados” (Doc. Final 103).
[12] Doc. Final 40.

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