quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Quando um doce de abóbora é especial

 

Quando um doce de abóbora é especial

 

 

 


A vida é um livro que deve ser foleado página a página, sem que se consulte o índice” (Coelho Neto).


Uma das coisas mais encantadoras e prazerosas da vida é recordar as belas e edificantes experiências. Particularmente, me é apaixonante recordar os tempos de criança. Se olho para minha infância, vejo que fui muito feliz, apesar de todas as dificuldades que vida nos impôs.

Tive a graça de nascer numa família numerosa. Sim, considero este fato um privilégio e uma verdadeira graça de Deus. Éramos 9 filhos = 5 x 4 para os homens. Por uma fatalidade, o mais velho morreu num acidente automobilístico aos 28 anos. Portanto, há mais de 45 anos somos em 8, ou seja, 4 homens e 4 mulheres. 

Meu pai era marceneiro e carpinteiro. Órfão de mãe com um ano de idade e de pai aos 9 anos. Foi criado por uma virtuosa e santa madrasta. Desde pequeno teve que trabalhar. Foi um pai muito rígido com os filhos e amabilíssimo com os netos. Gostava muito de futebol e era palmeirense, portanto não negava sua origem italiana. Cresci indo com ele assistir jogos do Nova Londrina Esporte Clube. Ele por décadas fez parte da diretoria do time. Como católico praticante, exigia que os filhos participassem da missa dominicalmente. Por mais de 30 anos foi ministro extraordinário da Eucaristia. Despediu-se serenamente deste mundo aos 85 anos.

A minha mãe é uma guerreira, dotada de uma força e disposição incríveis. Além de se dedicar aos 9 filhos, encontrava tempo para costurar para fora e fazer permanente nos cabelos das mulheres para ajudar nas despesas da casa. Também foi empreendedora: teve bazar, mercearia e funerária. Era incansável em fazer, duas ou três vezes por semana, o pão caseiro mais gostoso da cidade pra alimentar a “renca” de filhos. Não nos deixava comer pão quente. Dizia que dava dor de barriga. Uma vez eu lhe disse que isso não era verdade, porque a gente comia arroz e feijão quentes e não dava dor de barriga. Ela ponderou que pão era massa. Na “tampa” retruquei: “Mãe, a gente come macarrão quente, que é massa, e não dá dor de barriga!” Ela me disse: “Ah, não sei! Você está perguntando demais, mas que comer pão quente dá dor de barriga, dá!”

Por muito tempo fiquei matutando esta convicção da minha mãe sobre o pão quente. Fiquei observando e pensando. Por fim cheguei à conclusão de que realmente comer pão quente dá dor de barriga, mas não porque o pão está quente e sim porque é muito gostoso, por isso a pessoa come muito além do normal, se empanturra e como consequência passa mal. Eu com 10 anos, se a mãe deixasse, eu comeria pelo menos dois pães inteiros, ou seja,  a quantidade de pão destinada para a família toda no café da manhã.

Nunca passamos fome, mas o dinheiro era escasso. Tempos de crise braba! A vontade de ir ao cinema para assistir aos famosos bangue-bangues do Velho Oeste era enorme. Como não recordar os filmes: “O dólar furado” com Giugliano Gemma? ou “Os três homens em conflito - O Bom, o Mau e o Feio” com Clint Eastwood, Lee van Cleef e Eli Wallach? Como esquecer os filmes do Zorro com o índio Tonto? e do Tarzan? do Gordo e Magro ou Mazzaropi? Os nossos heróis cinematográficos eram: Roy Rogers, Henry Fonda, John Wayne, Burt Lancaster, Kirk Douglas, ... Entretanto, o melhor de tudo era depois ir brincar de “mocinho”. Como éramos felizes com tão pouco!!!! Um cabo de vassoura colocado entre as pernas “virava” um cavalo, qualquer pequeno pedaço de pau podia virar um revólver! Todo mundo dava tiro à vontade, as balas nunca acabavam e ninguém morria: só matava! O grande escritor e orador Cícero diria: “O tempora! O mores” (Ó tempos! Ó costumes!) Eu, porém, digo “Ó tempos encantadores e experiências inesquecíveis!!!”

Ao repassar na memória aqueles tempos magníficos, os meus lábios começam a recitar espontaneamente o início da poesia “Meus oito anos”: 

Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!

Os poetas românticos, como Casemiro de Abreu nesta poesia, foram geniais e se eternizaram. Basta mencionar Gonçalves Dias, Castro Alves, Álvares de Azevedo... para ter a confirmação da genialidade dos românticos. Por falar em poetas românticos, recordo que o Romantismo foi introduzido no Brasil por Gonçalves Magalhães, em 1836, com o livro "Suspiros poéticos e saudades".

É certo que o Romantismo brasileiro foi marcado por um certo exagero sentimental. Os românticos souberam despertar a emoção e a ação do leitor e da leitora ao idealizarem o amor e o saudosismo, ao valorizarem o nacionalismo e colocando em destaque a figura do índio como herói, quesito este em que o grande José de Alencar se sobressaiu com as obras: “O Guarani”, “Iracema” e “Ubirajara”. Até hoje o romantismo está presente com maior ou menor intensidade na cultura e mentalidade dos brasileiros.

Mas a realidade da infância não foi só de sonhos e alegrias: foi dura e às vezes também cruel! Que sentimento de frustração era o de ter vontade imensa de ir a cinema e não ter o dinheiro para a entrada. Que sensação horrível era “sentir as lombrigas assanhadas” ao ver doces e sorvetes, mas não poder comprá-los por falta do “baioque”, como dizia a mãe ao nos contar como o nono Foletto chamava a grana. A mãe nos colocou em sintonia com a tradição familiar contando as histórias de sua infância e das peripécias de seu pai e irmãos. Repetiu muitas vezes o que o nono dizia, em dialeto vêneto, quando os comerciantes queriam comprar fiado a sua produção de banha: “Vien il baioque e via la banha!" ou "Senza baioque prima, la banha non va!” (“Venha o dinheiro e vai a banha!" ou "Sem dinheiro primeiro, a banha não vai”). Só entregava a banha quando o dinheiro estava na sua mão. Certamente ele tinha sido enganado algumas vezes pra não confiar nos compradores. A vida é mestra e nos ensina!

Nós nos virávamos como podíamos pra arrumar alguns trocados. Íamos derriçar e colher café, à “panha” de algodão, carpir, escolher e separar grãos de café na cooperativa, engraxar sapatos, ... Nós catávamos mamona, deixávamos secar no pátio e depois recolhíamos grão por grão manualmente colocando-os numa lata de um litro. Quando a lata estava cheia, íamos vender no seu Severino Troian por um cruzeiro. Dava pra comprar um picolé. Ah! como eram deliciosos aqueles picolés! Quando a colheita era maior, dava pra comprar um ingresso para o cinema. Que felicidade!

Quantas vezes fiquei desejando comer os doces que eram vendidos no bar São João do Seu Vitório Zoletti, em frente de casa e não tinha nem um cruzeiro. Havia um doce de abóbora em forma de coração. Como era saboroso!

Lembro que eu sabia todas as orações rezadas por um católico, menos a Ave Maria. Rezávamos um terço do rosário todas as noites em família. Portanto, eu repetia 50 vezes esta oração diariamente e nada de decorar. Sabia rezar junto com os pais e irmãos, mas não conseguia rezar sozinho. Até hoje não sei qual era o porquê do bloqueio, mas não tinha jeito de aprender a principal oração dedicada à Mãe de Deus. Um dia meu pai me prometeu dar um cruzeiro se aprendesse de cor a principal oração dedicada à Virgem Maria. Ah! num instantinho aprendi. Cheguei e disse: 

- “Pai, o senhor me prometeu dar um cruzeiro se eu aprendesse de cor a Ave Maria e agora eu sei.” 

- “Eu prometi e eu cumpro o que prometo. Porém, reze primeiro pra eu ter a certeza de que você sabe tudo direitinho sem pular nada ou embaralhar”, contestou. 

Rezei sem me atrapalhar, ele me deu a nota de um cruzeiro, que tinha a imagem do Almirante Tamandaré, e eu todo feliz corri até o Bar São João comprar o saboroso doce de abóbora em forma de coração. Deu pra comprar dois! Que alegria! Que felicidade! É só eu recordar aquele momento tão especial, e logo me dá água na boca!

O tempo passou, crescemos e a vida se transformou. Os gostos mudaram, muitas coisas que “adorávamos” foram pouco a pouco ficando para trás. Passaram-se os anos e as novas atividades foram nos engolindo. É raro nos lembrarmos dos picolés, dos doces, dos mocinhos, dos filmes... Tudo isso deixou de ser uma necessidade para nós!

Quando voltei a morar em Paranavaí, já com mais de 32 anos, constantemente eu ia para Graciosa visitar os confrades do seminário. Nestas idas, algumas vezes visitava o Seu Manoel Jó. Ele era um nordestino do sertãozão da Paraíba com uma incrível sabedoria popular, adquirida no dia-a-dia com as experiências e dificuldades da vida. Conversar com o seu Manoel era para mim ocasião de prazer e de enriquecimento pessoal ouvindo as experiências e conhecimentos daquele sertanejo paraibano. Quase a vida toda ele trabalhou na roça, mas, quando as forças já não eram as mesmas, e a idade começava a pesar, ele comprou um bar para continuar ganhando o pão de cada dia.

Certa vez fui encontrá-lo no seu bar. Ficamos conversamos, dando risadas com seus causos e experiências. De repente olho para as prateleiras. Vejo potes transparentes de vidros cheios de doces. Fui vendo os potes com pirulitos, com balas de diversos tipos, com paçoquinhas, pés de moleque, ... e de repente meus olhos se fixaram extasiados no pote que continha os inigualáveis doces de abóbora formato de coração. Aflorou-me na memória os tempos de criança, fiquei com uma vontade imensa de comer aquela delícia feita de abóbora. Comentei que fazia uns 20 ou mais anos que não via o meu doce preferido em forma de coração. Claro que pedi um. Seu Manoel se levantou e foi buscar a “divina” iguaria. Não o comi: devorei-o! Foi tamanha a minha voracidade que o Seu Manoel pegou mais um e me deu. Num instantinho também desapareceu na minha boca.

Quando fui pagar os doces. Seu Manoel me disse:

- “Não vou cobrar não. Nunca vi alguém comer um doce de abóbora com tanto gosto como desta vez. Fiquei tão feliz que nem tenho coragem de cobrar”.

Ao repassar esses fatos da minha infância apareceu na minha memória o texto do Apóstolo Paulo: “11Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Quando me tornei adulto, rejeitei o que era próprio de criança. 12Agora nós vemos em espelho e de maneira confusa; mas, depois, veremos face a face. Agora meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido” (1Cor 13,11-12).

Não sou mais criança, mas tenho que reconhecer que, com meus 70 anos, aquelas experiências dos tempos de infância foram importantes para me ajudar a ser aquilo que sou hoje. Sou grato a Deus por ter me proporcionado uma infância tão feliz! Só recordo as coisas boas e edificantes, as ruins ou foram incorporadas na minha experiência me fortalecendo ou já as esqueci.

Concluo com as primeiras duas estrofes e a conclusão de uma das poesias publicadas por Gonçalves de Magalhães em Suspiros poéticos e saudades ao introduzir o movimento artístico cultural denominado Romantismo no Brasil em 1836.

A INFÂNCIA

Oh minha infância! Oh estação de flores!

De inocente ilusão alva saudosa!

Inda hoje te apresentas

Ante mim, como a imagem deleitosa

De um sonho que encantou-me a fantasia,

Ou como a aurora de um formoso dia.

Oh da infância atrativos lisonjeiros!

Mentirosos afetos!

Com que prazer amigos passageiros,

Inúmeros, na infância contraímos!

E quão fáceis após os repelimos,

De ligeiras palavras agastados.

...........

Oh quão perto a velhice está da infância!

E quão perto da infância a morte adeja!

 

Wilmar Santin

Itaituba, 15 de novembro de 2022.



ADENDO

 

De 2 a 10 de janeiro de 2023 fiz, no Mosteiro de Itaici (Indaiatuba, SP), o retiro anual para bispos. Um dos métodos para oração é ler um texto bíblico, depois imaginar a cena e se colocar dentro como participante. Eu normalmente não consigo entrar na cena, fico de fora assistindo como se fosse um filme. Partilhei com o orientador essa minha dificuldade. No meio da conversa contei a dificuldade que tive para aprender a Ave Maria e como foi removido este bloqueio. Ele me orientou para incluir na cena o menino feliz que gosta de doce de abóbora e que está dentro de mim. Foi tiro e queda: deu certo, consegui participar e não só assistir.

 

A primeira cena em que o doce de abóbora apareceu foi no episódio em que Jesus voltou para Nazaré e seu retorno a Cafarnaum (Lc 4,16-37). Consegui acompanhar Jesus e participar. Fui com ele visitar Nossa Senhora em Nazaré. Vi na cena ela dizendo pra Jesus: “Como eu sabia que você viria, preparei doce de abóbora que você tanto gosta”. Ali, junto com Jesus, saboreei o doce de abóbora feito pela própria mãe de Jesus.

Depois dos acontecimentos na sinagoga de Nazaré em que Jesus lê o texto de Isaías a respeito do Messias e diz: “Hoje se cumpre esta passagem da Escritura que acabais de ouvir” (v. 22). Seus amigos de infância e conhecidos se revoltaram e quiseram matar Jesus. “Mas Jesus passou no meio deles e seguiu seu caminho” (v. 30).

Jesus foi para Cafarnaum. Acompanhei Jesus nesta viagem. Mais ou menos na metade do caminho, paramos para um descanso. Ofereci para Jesus água e doce de abóbora, que sua mãe tinha me dado.

Senti que o menino tinha saído de mim e estava acompanhando Jesus. Nem é preciso dizer da minha alegria e felicidade por a oração ter fluído tão bem.

 

Outro texto rezado e meditado foi Lc 7,36-30 = Jesus perdoa a pecadora na casa do fariseu.

Jesus foi convidado para jantar na casa do fariseu Simão. Uma pecadora vai lá, chora aos pés de Jesus, enxuga com seus cabelos e passa perfume. Em seus pensamentos, o fariseu julga Jesus: “Se esse homem fosse um profeta, saberia quem é a mulher que está tocando nele: é uma pecadora” (v. 39). Jesus dá uma lição no fariseu e perdoa os pecados da mulher de maneira bem direta: “Teus pecados estão perdoados” (v. 48).

Consegui participar e não só assistir. O fariseu, quando viu que eu estava com Jesus, me convidou diretamente: “Wilmar, você também está convidado para o jantar. A sobremesa será doce de abóbora!” Pensei: se tem doce de abóbora eu tenho que ir de qualquer jeito. Fui e na hora da sobremesa, claro que o primeiro a ser servido seria Jesus, afinal ele era o convidado especial, mas, quando estavam trazendo a sobremesa, Jesus disse: “Primeiro deem para o Wilmar porque ele gosta demais de doce de abóbora”! Foi muito privilégio comer doce de abóbora antes de Jesus!!!!!!!!!


Mosteiro de Itaici (Indaiatuba, SP), 10 de janeiro de 2023.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Colete salva-vidas embaixo do seu assento

 

Avião ATR turbo-hélice


Colete salva-vidas embaixo do seu assento

 

 

Saí de Itaituba rumo a Manaus num avião turboélice ATR 42 da Passaredo, popularmente conhecida em alguns ambientes como “Passa-Medo”. O voo era para ter saído às 10h25, atrasou e saiu às 13:45. Atrasos ou cancelamentos de voo é marca registrada desta companhia aérea - pelo menos na Amazônia. As reclamações são constantes não só por atrasos como também por problemas nos aviões. Os cancelamentos de voos fazem parte da rotina, tanto é que desta vez foram cancelados 3 voos seguidos e o quarto estava atrasado. Por isso o povo tem medo de atraso, medo de cancelamento do voo e até mesmo medo de defeito no avião. Já aconteceu do avião ter que parar em Parintins para reparos.

Ao decolar comecei a repassar na memória os transtornos da manhã por causa do dito atraso. Não é que eu estava furioso ou com raiva, mas internamente estava lamentando o descaso da empresa com os passageiros. Até parece que seus diretores e executivos não sabem que é o cliente o principal patrimônio de qualquer empresa e que se esta os perder, vai à falência. A “Passa-Medo” não receia perder seus clientes porque não há concorrência na linha - por enquanto, por isso negligencia os passageiros causando-lhes tantos danos. Infelizmente as autoridades não têm tomado as devidas providências e assim, o povo sempre é prejudicado! Mas há um sinal de esperança: a Azul deverá ter uma linha Itaituba-Manaus a partir de dezembro deste ano.

Ao chegar ao aeroporto vi uma enorme fila para o check-in. Logo escutei que o voo estava atrasado, ou pior, que o avião ainda nem tinha saído de Manaus, - o que era o indicativo de um grande atraso ou que talvez fosse cancelado, como no dia anterior. Após fazer o check-in e por ter recebido a informação de que o voo seguramente seria só após o meio-dia, retornei para casa. Não iria ficar em torno de 3 horas no pequeno aeroporto em pé – os bancos disponíveis estavam todos ocupados - esperando a hora chegar, coçando o umbigo ou procurando buracos no ar.

Quando voltei ao aeroporto, recebi a informação de que havia atraso no atraso. Os funcionários diziam que o avião chegaria às 12h30. Depois era para chegar às 12h50. Dava dó de ver a cara dos funcionários, que são meus conhecidos e são gente boa. Eles não podiam fazer nada, a não ser tentar apaziguar alguns exaltados e dar esperança de que o avião iria chegar e que todos viajariam. 

Resolvi utilizar o aplicativo “Flightradar24”, que mostra voos com o horário da chegada, para ver se o avião já estava vindo na direção de Itaituba. Vi que de Manaus para Itaituba não havia qualquer sinal de que um avião estivesse voando neste trecho. Comecei a ficar um pouco apreensivo. Um funcionário me tranquilizou dizendo que era oficial: o avião pousaria às 13:06. Logo em seguida avisaram que a empresa iria fornecer almoço para os passageiros que aguardavam o voo. Era só ir ao bar-restaurante e solicitar. Eu fui e escolhi uma bisteca de porco.

Antes da bisteca chegar, começou o movimento de entrada para a sala de embarque. Fiquei na dúvida se iria embarcar com fome ou se iria saborear a bisteca suína. Havia passageiros que ainda estavam comendo ou esperando a comida ser servida.

Finalmente chegou a bisteca com macarrão-espaguete, arroz, purê de batata, uma saladinha e farinha de mandioca. A comida estava uma delícia, contudo, antes mesmo de terminar meu almoço, chegou o aviso para nos apressarmos, porque o embarque começaria em breve.

Para a alegria geral de todos, pouco antes da 13h30 teve início a entrada a bordo do avião. Como sou prioritário por lei, afinal já estou dentro dos 70, fui na primeira leva. A maioria deste grupo era de mulheres com crianças.

Um menino de uns 10 anos estava muito feliz, porque seria a primeira vez que iria viajar de avião. A mãe dele, uma simpática e sorridente venezuelana, estava com uma criança de colo. Ela fala muito bem o português, mas seu sotaque demonstra que sua língua materna é o espanhol. Estava com ela também uma senhora que parecia ser sua mãe ou sogra. Não escutei a mulher dizer uma palavra sequer. Por isso, como não perguntei, não pude saber se ela também é ou não venezuelana.

O embarque foi tranquilo. Sentei-me no assento 12A, ou seja, junto à janela. De repente bati o olho no pequeno aviso atrás do assento da frente: “Colete salva vidas (sic) embaixo do seu assento” e em inglês: “Life vest under your seat”. Tive um calafrio e me passou pela cabeça: “será que terei que usar esse colete, visto que a viagem está se realizando com tanto atraso e isto seja um mau presságio?” Como na hora de decolar, sempre rezo pedindo a proteção divina, me tranquilizei. Também tenho o costume  de rezar muitas vezes o "Santo anjo" durante as viagens. Mais uma razão pra não temer viajar. Mas diversas vezes meus olhos se dirigiram para o aviso. Aquilo ficou na minha cabeça tirando meu sossego e me inquietando.

Como eu estava junto à janela, fiquei embevecido apreciando a natureza, quando, de repente, o avião passou a voar acompanhando o rio Amazonas. Que espetáculo! A certa altura avistei a foz de um grande rio. Creio que era o rio Madeira. Havia uma imensa ilha recortada por inúmeros paranás. Vislumbrei também uma cidade na margem esquerda do rio Amazonas - pelo tamanho, penso que seja Itacoatiara. Assim fui me distraindo

Quanto mais alto voa um avião, menos turbulência há, visto que o ar vai perdendo a densidade na medida em que se sobe. Os aviões ATR turbo-hélice voam bem mais baixo que os grandes aviões a jato. Consequentemente estão sujeitos a turbulências mais intensas e algumas vezes balançam fortemente, assustando os passageiros. Nem me toquei que poderíamos enfrentar alguma turbulência.

Costumeiramente, durante as viagens dou umas cochiladas. Desta vez, enquanto cochilava, eis que o avião entrou numa grande turbulência e começou a tremer, chacoalhando violentamente. Parecia que iria cair! Houve até quem desse um grito. Abri os olhos e vi: “Colete salva vidas embaixo do seu assento”. Instintivamente levei a mão para o assento, para pegar o salva-vidas. Mas assim como a turbulência apareceu repentinamente, também como por encanto sumiu e nós continuamos a viagem sãos e salvos. E eu voltei a cochilar!

 

Wilmar Santin

 

Manaus, 12 de outubro de 2022.

 

 

 

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