quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

É Mauço ou Mausso?


É MAUÇO ou MAUSSO?
       
Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver” (Ariano Suassuna).

O Papa Francisco recita diariamente a oração atribuída a São Thomas More pedindo bom humor. Ele recomenda que façamos o mesmo. Por isso, antes de começar este “causo” acontecido lá nas Minas Gerais, vou apresentar a mencionada oração.
"Dai-me, Senhor a saúde do corpo e, com ela, o bom senso pra conservá-la o melhor possível.
Dai-me, Senhor, uma boa digestão e também algo para digerir.
Dai-me uma alma santa, Senhor, que mantenha diante dos meus olhos tudo o que é bom e puro.
Dai-me uma alma afastada do tédio e da tristeza, que não conheça os resmungos, as caras fechadas, nem os suspiros melancólicos…
E não permitais que essa coisa que se chama o “eu”, e que sempre tende a dilatar-se, me preocupe demasiado.
Dai-me, Senhor, o sentido do bom humor.
Dai-me a graça de compreender uma piada, uma brincadeira, para conseguir um pouco de felicidade e para dá-la de presente aos outros. Amém!
       Nunca estive em Betim. Porém, parece ser uma cidade progressista e industrial. As estatísticas mostram que tem em torno de 450.000 habitantes. Nem sempre foi uma grande e importante cidade.
A história conta que a região de Betim passou a ser ocupada a partir do final do século XVII, quando “paulistas” descobriram ouro e pedras preciosas em Minas. Sua conquista e desbravamento envolveu bandeirantes, como José Rodrigues Betim, genro de Borba Gato e ligado à bandeira de Fernão Dias. O primeiro povoado foi chamado de Arraial da Bandeirinha, onde foi erigida a Capela Nova do Monte do Carmo. Depois passou a ser conhecida como Capela Nova do Betim. Tornou-se ponto de parada para tropeiros e posto para o abastecimento das mineradoras de Minas.
       O arraial foi elevado à condição de distrito em 1801 e a município em 1938. O grande boom econômico começou em 1962 com o início das obras de instalação da Refinaria Gabriel Passos. Em 1973, recebeu um novo impulso com a construção da montadora de carros Fiat, inaugurada três anos depois. Essa industrialização de Betim mudou totalmente seu caráter de cidade interiorana.
       Um dos orgulhos da cidade é a Cachaça Vale Verde. Pudera! Uma cidade mineira que se prese, deve ter uma boa cachaça. Mas Betim não é só vaidosa pela excelência de sua cachaça artesanal e sim por ser uma das melhores do país e consequentemente do mundo.
       A Cachaça Vale Verde é produzida no parque ecológico em Vianópolis, distrito de Betim. Campeã de vários concursos, foi a única a sair na capa da revista Play Boy – não sei em que isto significa vantagem ou desvantagem em relação à qualidade, mas é um dos troféus da empresa.
       O empresário Luiz Otávio Pôssas Gonçalves, em 1985, lançou oficialmente no mercado a Cachaça Vale Verde Extra Premium, envelhecida durante 3 anos em barris de carvalho. Foi um sucesso imediato! Ele intuiu que deveria ir para a Europa em busca de conhecimentos técnicos para aprimorar a fermentação e destilação. Aprendeu bem a tecnologia usada na fabricação de uísques finos e a aplicou na fabricação da Cachaça Vale Verde. O resultado é que conseguiu, em 2007 e 2009, desbancar as excelentes cachaças de Salinas, como a Havana.
       A Vale Verde produz no máximo 200 mil litros por ano, garantindo desta forma sua qualidade artesanal.
       Cá com meus botões, fico pensando: por que será que nenhum empresário brasileiro teve a mesma intuição para fazer o mesmo em relação à grappa italiana? Ou seja, não seria interessante visitar os principais produtores italianos de graspa ou bagaceira e aprender com eles técnicas novas para aprimorar a fermentação e destilação na produção da cachaça?
       O que se poderia ganhar com visitas técnicas a alambiques italianos do Vêneto, Friuli ou Trentino? Certamente uma qualidade nova!
       Eu indicaria visitas à campioníssima Nonino no Friuli, ou à Marzadro em Brancolino di Nogaredo - Trento, ou passar em Bassano del Grappa na destilaria Poli ou ainda ver as instalações da Nardini, que é, há dois séculos, quase um sinônimo de grappa. Os vestígios da destilaria histórica da Nardini podem ser encontrados já na segunda metade do século XVIII e, apesar do progresso e da tecnologia, o método de destilação, ao longo do tempo tem-se mantido fiel à melhor tradição.

       Estou discorrendo sobre Betim por causa de um frade franciscano chamado frei Higor, que nasceu nesta cidade e está em Itaituba fazendo um estágio pastoral. Ele, com seus 131 kg, é um contador inveterado de causos, a maioria com boas pitadas de humor. Boa parte das suas histórias envolvem a sabedoria popular de seu avô e os dotes culinários de sua avó. Como ele é um cabra animado e alegre, para provocá-lo, o seu amigo Pe. Ronaldo costuma dizer que sua grande frustração é não ser capuchinho e que só entrou na Ordem dos franciscanos porque em Betim não há convento dos capuchinhos. Na verdade, isso é "intriga da oposição", porque frei Higor é um frade menor bem convicto.
       Ele me fez perceber que em Betim não há só indústria ou cachaça, - como em todo interior mineiro - há também, na tradição popular, muitas histórias de aventuras e causos engraçados típicos da cultura mineira. Não foi à toa que o grande João Guimarães Rosa garimpou pelo interior de Minas tantas histórias e causos para compor suas obras.
       Por falar em histórias do interior de Minas, me vem à memória uma que estava no livro de Português no meu tempo de ginásio sobre um matuto mineiro. É de um humorismo muito bom e expressa a esperteza do caboclo mineiro. O texto é de Antônio José da Silva:
Lembro-me de uma partida que se deu com um caipira lá para as bandas de Paracatu.
Como todo mineiro da gema, este não era lá muito amigo dos progressos e não gostava da estrada de ferro em semelhante trapizonga. E durante muitos anos continuou a viajar no seu burrico, pelas suas estradinhas, fazendo o meio dia para comer à beira d'água o seu tutu com torresmos, armando a rede em dois pés de árvores, quentando fogo e contando anedotas do tempo de quórenta e dois.
O agente de uma estação férrea procurava seduzi-lo e catequizá-lo, demonstrando-lhe em como a viagem pelo trem era mais rápida, barata e cômoda. Porém, o matuto não se convencia. Um dia, contudo, tem urgência de chegar a certa cidade e vê que a cavalo não o poderia fazer. Vai à estação e pergunta quanto custa o bilhete. O agente regozija-se.
— Ora, até que afinal convenceu-se, hein?
— Não, senhor; eu quero saber quanto custa o bilhete para um burro. . .
— Para um burro?!
— Sim, seu compadre.
O agente consulta a tabela e diz:
— Treze mil e trezentos.
— Então, dê-me um.
Vendido o bilhete, o muar foi metido dentro do vagão próprio, e o dono também entrou, na ocasião em que o comboio se punha em movimento.
— Então — grita — o agente — o senhor não salta?
— Não senhor, eu também vou.
— Como assim? Não comprou bilhete!
O matuto meteu o pé no estribo, montou no animal e gritou, quando o carro já saía fora da estação:
— Eu vou a cavalo!
       Esta história me fez recordar de uma outra que, segundo quem me contou, aconteceu em Betim lá pelos idos de mil novecentos e antigamente, muito antes de Betim evoluir industrialmente. Portanto, é do tempo em que se amarrava cachorro com linguiça e ele morria de fome.
       O contador da história jurou de pés-juntos que tinha pessoalmente escutado o diálogo entre duas professorinhas lá em Betim. As duas, recém-formadas no curso Normal, estavam com 17 anos. Pra quem não sabe, o Normal Regional era o curso que formava professoras para lecionarem no antigo primário – poucos rapazes faziam este curso. Equivalia ao nível ginasial. Posteriormente foi criado o Normal Secundário, em nível do ensino médio de hoje e que, aos poucos, substituiu o anterior. Como uma coisa puxa outra, a expressão “duas professorinhas” me trouxe a recordação da bela música que fala da “professorinha” que ensinou o beabá. Como diz o cantor Daniel em sua homenagem a José Fortuna: “o poeta é eterno!”, assim os versos do grande Ataulfo terão eternamente a capacidade de evocar tantas e agradáveis recordações dos tempos de infância. Por isso vou brindar o leitor apresentando a letra da inesquecível música “Meus Tempos de Criança” de Ataulfo Alves.
Eu daria tudo que eu tivesse
Pra voltar aos dias de criança
Eu não sei pra que que a gente cresce
Se não sai da gente essa lembrança
Aos domingos, missa na matriz
Da cidadezinha onde eu nasci
Ai, meu Deus, eu era tão feliz
No meu pequenino Miraí
Que saudade da professorinha
Que me ensinou o beabá
Onde andará Mariazinha
Meu primeiro amor, onde andará?
Eu igual a toda meninada
Quanta travessura que eu fazia
Jogo de botões sobre a calçada
Eu era feliz e não sabia.
       A primeira professorinha, da história, se chamava Joana Bittancourt Marins, era de Salinas, e a outra, Miquelina da Silva Andrade, oriunda do Triângulo Mineiro.
       A Joana era gordinha, usava óculos e tinha um coque na cabeça. O seu rosto era lindo e seus olhos mostravam um brilho especial de felicidade pela conquista do tão sonhado diploma de professora. Era moreninha e tinha um parentesco longínquo com a Maria Deodorina da Fé Bittancourt Marins, ou seja, com o Diadorim, que na verdade era a filha de Joca Ramiro que se passava por homem e só se descobriu que era mulher no dia de sua morte, segundo o romance “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa.
       Joana, por ser de Salinas, falava com muito orgulho que conhecia o Sr. Anísio Santiago, dono da fábrica de cachaça Havana. Dizia que seu pai jogava baralho toda semana com o Sr. Anísio. Não sei se jogavam pife ou truco ou ainda canastra. O certo é que o carteado fazia parte da vida deles!
       A Miquelina, ao contrário, era magrinha, tinha cabelos curtos, olhos castanhos e um lindo sorriso. Não sei se era de “Beraba” ou de “Berlândia” ou da “B. de Araguari”. Há quem diga que ela seria de Frutal ou Ituiutaba. Seja de onde for, ela se orgulhava de ser uma legítima representante do Triângulo.
       Era perto do Natal e as duas, felizes com o diploma na mão, conversavam animadamente sentadas num banco da praça da igreja. Já tinham sido contratadas para darem aulas numa escola municipal de Betim. Tinham saído da Secretaria de Educação, onde assinaram o contrato. Seria a primeira experiência delas em sala de aulas como professoras e não estagiárias.
       Foi quando lá pelas tantas que Joana perguntou:
- Miquelina, quando é que vão começar as aulas?
- Em mauço, respondeu a outra prontamente.
Joana muito espantada retrucou:
- Miquelina, em mauço não pode ser, porque mauço é de cigarro!

       Fiquei em dúvida se escreveria “mauço” com “ç” ou “mausso” com “ss”. Consultei a minha irmã Vani, que é professora de Português, e ela me disse que seria com “ç”: “mauço”, porque tanto o mês como a carteira de cigarros se escreve com “ç”. Portanto, é só pensar um pouco ou consultar quem sabe para se escrever corretamente o mineirês.

       Parodiando o inesquecível Ataulfo, pergunto: por onde andarão as nossas queridas "professorinhas" que nos ensinaram o beabá? Por onde andarão?

Wilmar Santin
Dezembro de 2020.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

A COBRA E O VAGA-LUME

 

A COBRA E O VAGA-LUME

Uma cobra começou a perseguir um vaga-lume que só vivia para brilhar. O vaga-lume parou e disse a cobra:
– Posso fazer-lhe três perguntas?
– A cobra disse: - sim.
– Pertenço a sua cadeia alimentar?
– A cobra disse: - Não.
– Te fiz alguma coisa?
– A cobra disse: - Não.
– Então, por que você quer me devorar?
– A cobra respondeu: -Porque não suporto ver você brilhar…
Moral da história...
Muitas vezes, algumas pessoas não suportam ver você brilhar, e por esse motivo agem como cobras, silenciosas e prontas dar o bote!

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