Minha visita ao Sateré-Maué [1]
(A notas estão no final do texto)
Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.
Em outubro de 2017 foi realizado um encontro dos
indígenas da bacia do Tapajós. O evento foi no Centro de Treinamento da Prelazia
de Itaituba. Os Sateré-Maué do alto rio Andirá diretamente não fazem parte da bacia
do Tapajós, mas foram convidados porque 27 aldeias destes indígenas estão dentro
do município de Aveiro e o rio Tapajós corta este município. Assim vieram 10 [2] representantes
dos Sateré-Maué. No final do encontro, eles me convidaram para visitá-los. Prometi
que iria até o rio Andirá tão logo encontrasse uma brecha na minha agenda. Foi possível
cumprir a promessa mais cedo do que eu esperava, porque já no final de outubro conversei
com o Sateré-Maué Leonardo Martins Cardoso, que mora em Itaituba, sobre qual seria o melhor período
para realizar a visita. Ele disse que março seria uma época muito propícia porque
o rio estaria cheio e isto facilitaria a chegada em todas as aldeias. Por isso marquei
a visita para este mês.
Aqui vou relatar a
minha experiência no dia-a-dia. Também darei informações e curiosidades sobre cada
aldeia por onde passamos. Como levamos o celular com aplicativos, conseguimos medir
distâncias e marcar os pontos de GPS de cada aldeia.
Mas antes darei informações
sobre os Sateré-Maué. Começarei informando os vários nomes para designar este povo,
que atualmente se autodenominam Sateré-Maué. Indicarei a que grupo linguístico pertencem
e contarei um pouco da história deste povo. Resolvi colocar todo o texto do mito
sobre a origem dos Sateré-Maué como “Filhos do Guaraná”. O texto é longo, mas vale
a pena ler. Darei informações sobre onde estão e alguns dados estatísticos sobre
sua situação atual. Pensei em fazer uma pesquisa sobre a participação dos Sateré-Maué
na Cabanagem, mas a falta de tempo não me permitiu. Esse assunto fica para uma outra
ocasião. Também teria sido bom escrever algo sobre a atuação do padre italiano Henrique
Uggé, mas como não me encontrei com ele, não me foi possível obter informações.
Pessoalmente, eu tinha
um interesse especial de conhecer os “Maués”. O motivo era porque os carmelitas
ajudaram na evangelização deste povo, sobretudo através do grande missionário Frei
José Alves das Chagas. Por isso resolvi incluir uma pequena resenha sobre a ligação
dos carmelitas com os Sateré-Maué. Como os padres do PIME estão presentes na
área desde 1948 e estão fazendo um bonito trabalho com este povo, também vou
relatar algo sobre o trabalho deles.
Os
Sateré-Maué
Nome
Atualmente eles se autodenominam Sateré-Maué.
Mas já foram chamados por missionários, cronistas e naturalistas com os nomes de:
Jaquezes, Mabué, Magnazes, Magnés, Magneses, Mahué, Mahués, Malrié, Mangnés, Mangnês,
Maragná, Maué, Maués, Maugués, Mauris, Mavoz, Mawés, Orapium.
Sateré significa “lagarta de fogo” e Mawé, “papagaio inteligente e curioso”.
Língua
A língua Sateré-Maué
faz parte do tronco linguístico Tupi.[3] O vocabulário
Sateré-Maué contém elementos completamente estranhos ao Tupi, mas não se relaciona
a nenhuma outra família linguística. Desde o século XVIII, os Sateré-Maué incorporaram
numerosas palavras da “Língua Geral” ou “Língua Brasílica” [4].
A maioria dos
homens Sateré-Maué atualmente são bilíngues, falando o Sateré-Maué e o Português.
Mas, nas aldeias mais afastadas ainda há mulheres e homens que só falam a língua
materna.
História
Os Sateré-Maué tem sua origem
na área entre os rios Tapajós e Madeira de leste a oeste, e de norte a sul do rio
Amazonas à cabeceira do rio Tapajós.
A menção mais antiga dos Sateré-Maué,
que se conhece, é de 1669, com a fundação da missão jesuíta na ilha Tupinambarana,
atual Parintins. Em 1691, os Maué são mencionados no mapa do Padre Samuel Fritz
com o nome de Mabué.
Em 1835, os Sateré-Maué participaram
da Cabanagem [5],
lutando ao lado dos Munduruku e dos Mura. Epidemias, lutas e perseguições aos que
combateram ao lado dos cabanos provocaram deslocamentos desses grupos populacionais
de seus territórios ancestrais, inclusive dos Sateré-Maué.
Desde o
século XVIII o território dos Sateré-Maué foi gradativamente reduzido. A diminuição
do território começou com as tropas de resgate. A diminuição aumentou devido busca
das drogas do sertão e a exploração da borracha durante o século XIX e início do
XX. Por fim, deve-se colocar também como causas a expansão econômica das cidades
de Maués, Barreirinha, Parintins e Itaituba para o interior dos municípios, com
o surgimento de fazendas, extração pau-rosa e surgimento de garimpos. “As cidades de Maués, Parintins e Itaituba, inclusive,
foram fundadas sobres restos de malocas Sateré-Maué.”[6]
Os
filhos do Guaraná
Os Sateré-Maué
se autorrepresentam como “Filhos do Guaraná”. Foram os primeiros a utilizar o guaraná,
na língua Sateré Waraná.
Há várias lendas
sobre a origem do guaraná e sua utilização pelos Sateré.[7]
Mais que
um produto agrícola, o guaraná é o passado, o presente e o futuro do povo junto
ao qual foi encontrado pelos missionários jesuítas que fizeram o primeiro registro
histórico de sua ocorrência na região interfluvial Madeira-Tapajós, na segunda metade
do século XVII. Constitui, desde então, o marcador étnico por excelência do povo
Sateré-Mawé. Além de estar no centro das explicações sobre a sua origem e organização
social, o guaraná fez dos Sateré-Mawé o primeiro povo indígena brasileiro na história
com um produto próprio, transformado e sistematicamente comercializado, em tempos
coloniais e do Império. No Brasil republicano, da virada do milênio, é um dos primeiros
que aparece associado aos conceitos e práticas mais avançados na perspectiva dos
paradigmas pós-modernos da sustentabilidade, da produção orgânica certificada, do
comércio justo e solidário e do desenvolvimento ecossustentável. E o faz sempre
investido de uma notável potência de agregação social: originalmente, no seio de
uma sociedade tradicionalmente segmentada e, na contemporaneidade, ocupando papel
destacado em movimentos colaborativos interinstitucionais nacionais e internacionais.
Para os Sateré-Mawé, o seu Waraná nativo é memória e promessa de navegação segura
ao longo do tempo.[8]
Alba Lucy Giraldo Figueroa, em seu artigo
“Guaraná, a máquina do tempo dos Sateré-Mawé”,
apresenta uma versão do mito surgimento dos Filhos do Guaraná. A versão foi colhida
por Nunes
Pereira
(NP). Escutou dos narradores Luis Miquiles (LM) e Maria Trindade Lopes (MTL). Por ser muito
interessante, o texto será apresentado aqui na íntegra.
“Antigamente, contam, existiam três
irmãos: Ocumáató, Icuamã e Onhiámuáçabê. Onhiámuáçabê era dona do Noçoquem, um lugar
encantado no qual ela havia plantado uma castanheira. A jovem não tinha marido;
porém todos os animais da selva queriam viver com ela. Os irmãos, ao mesmo tempo,
a queriam sempre em sua companhia, porque era ela quem conhecia todas as plantas
com que preparava os remédios de que precisavam.
“Uma cobrinha, conversando com outros
animais, certa vez, disse que Onhiámuáçabê acabaria sendo sua esposa. Foi então
espalhar pelo caminho por onde ela passava todos os dias um perfume que alegrava
e seduzia. Quando Onhiámuáçabê passou pelo caminho, aspirando o perfume disse: -
Que perfume agradável!
“A cobrinha, que estava próxima, disse
a si mesma: Eu não dizia? Ela gosta de mim! E, correndo, foi estirar-se mais adiante
para esperar a moça. Ao passar ao seu lado, tocou-a, levemente, numa das pernas.
E isto só bastou para que a moça ficasse prenhe, porque antigamente, uma mulher,
para que isso acontecesse, bastava ser olhada por alguém, homem, animal, ou árvore,
que a desejasse como esposa.
“Porém os irmãos de Onhiámuáçabê não
queriam que ela se casasse com gente, animal, ou árvore que tivesse filhos, porque
era ela quem conhecia todas as plantas com que preparava os remédios de que precisavam”
(NP).
“Um dia eles foram procurar com ela
o seu remédio para caçar (pussanga). Como ela era a única mulher, naquela época,
era quem o preparava. Mas, nesse dia, ela não se prontificou a recebê-los. Por isso,
os irmãos foram até ela para lhe pedir que amassasse e lhes entregasse o remédio.
Mas dessa vez, o resultado foi diferente: coalhou. No fundo da preparação, se precipitou
uma espécie de tapioca. Com isso, os irmãos souberam então que ela estava gestante.
E lhe reclamaram por não ter ouvido o conselho que lhe tinham dado, por ter desobedecido.
Perguntaram-lhe também quais eram as pessoas com as quais ela tinha topado. Ela
não soube responder, pois não dava, nunca, confiança para ninguém” (LM).
“Os irmãos ficaram furiosos. E falaram,
falaram e falaram, dizendo que não queriam vê-la com filho” (NP).
“Não mais aceitaram que ela ficasse
na mesma casa que eles. Assim disseram: ‘Olha nossa irmã: já que você não escutou
o nosso conselho, a gente não vai aceitar você ficar aqui conosco’. Ela, então,
saiu, foi fazer a sua própria casinha e lá ficou morando, sozinha, esperando o neném.
“Quando viu que não podia ficar sozinha,
convidou três pessoas para lhe acompanhar: a mucura, para que lavasse as suas roupas;
o pato, para lhe procurar água no porto; e a saracura, para lhe procurar cogumelos.
Essas três pessoas comiam de tudo; traziam-lhe peixe, inclusive, mas a mulher não
recebia da mão delas: ela não comia peixe durante o tempo do resguardo. Depois que
se recuperou, perguntou às três: ‘Como é que eu faço com vocês? Vocês me ajudaram
bastante, qual é o pedido que vocês vão me fazer? Como eu posso recompensar. Vocês
querem experimentar a dor de ter um filho?’. Mas as mulheres não responderam. ‘Se
quisessem experimentar, como eu…?’, ela perguntou. A mucura então respondeu: ‘eu
não quero experimentar a dor de criança’. Por isso que mucura fica com os filhos
grudados fora da barriga, guardados em um saco; lá eles ficam mamando. Ela não sente
a dor de parto. Assim que era para ser com as mulheres, mas elas não quiseram, por
acharem vergonhoso andar desse modo com as crianças, então, o único jeito era sentir
a dor do parto, como essa primeira mulher.
“Logo que nasceu a criança de Oniawasap’i,
os tios resolveram ir à casa dela para visitar. Chegando lá, perguntaram: ‘Como
vai, irmã?’. ‘Aí está a criança’, respondeu ela. ‘Mas… ela tem braços?’, inquiriram
os irmãos. ‘Sim, tem ombro, tem corpo de gente’. ‘Então, tudo bem. Já que é assim,
pode criar’. Mas eles sentiram e acumularam raiva dela; não gostavam daquela criança.
Não demonstravam isso, quando foram visitar parecia tudo bem, pareciam alegres,
mas entre eles começaram a falar que esse filho da irmã ia lhes trazer desgostos,
lhes causar raiva, caso ele fosse nas suas roças e mexesse com as suas plantas”
(LM).
“Logo que pôde falar, o menino desejou
comer as mesmas frutas de que os tios gostavam.
A moça contou ao filho que, antes de
o sentir nas entranhas, plantara no Noçoquem uma castanheira, para que ele comesse
os frutos, mas que os irmãos, expulsando-a da companhia deles, se apoderaram de
Noçoquem e não o deixaram comer castanhas.
Além disso, os irmãos da moça tinham
entregue o sítio à guarda da Cotia, da Arara e do Periquito. O menino, porém, continuou
a pedir a Onhiámuáçabê, mãe dele, que lhe desse a comer as mesmas frutas que os
seus tios comiam. Um dia então, Onhiámuáçabê, a moça, resolveu levar o filho ao
Noçoquem para comer as castanhas.
Assim, indo a Cotia ao Noçoquem, viu
no chão, debaixo da castanheira, as cinzas de uma fogueira, onde haviam assado castanhas.
A Cotia correu e foi contar o que vira aos irmãos da moça.
Um deles disse que talvez a Cotia se
enganasse, o outro disse que não podia ser verdade.
Discutiram. E, afinal, resolveram mandar
o Macaquinho-da-boca-roxa tomar conta da castanheira, a ver se aparecia gente por
ali.
O menino que havia comido muitas castanhas
e cada vez mais as cobiçava, já conhecendo o caminho do Noçoquem, tornou a ir lá
no dia seguinte.
Ora, os guardas no Noçoquem, que tinham
ido adiante, com ordens de matar a quem ali encontrasse, viram o menino subir, às
pressas, à castanheira.
E, estando próximos, bem próximos,
ocultos por outras árvores, tudo observando, correram e foram esperá-lo debaixo
da castanheira, armados com uma cordinha para decepar a cabeça do comedor de castanhas.
Dando por falta do filho, a mulher já se havia posto a caminho, para buscar, quando
lhe ouviu os gritos” (NP).
“Uma caba e uma abelha chegaram contando
a Oniawasap’i a notícia do ocorrido, mas ela não acreditou. Então as duas voltaram
lá e cada uma delas trouxe um pedacinho da pele do menino para lhe mostrar, mas
nem com isso ela acreditou. Elas voltaram novamente e trouxeram um pouco de sangue
em uma folha de apekutyhop. Só vendo o sangue a mãe acreditou. Ela foi lá e só encontrou
a flecha do menino, ficou, então, muito brava e começou a ralhar os irmãos, querendo
se vingar. Foi lá na casa deles e disse: ‘Isso foi o que vocês fizeram?! Se vocês
mataram o meu filho foi seguramente porque estavam com fome, então vocês têm que
comer o meu filho!. Foi assim que vocês mataram o tio dele mais novo e outro tio
mais velho, mataram o próprio pai dele, foram vocês que mataram!’. Ela tinha levado
a flecha querendo usá-la, mas não pôde, porque eles a tomaram da sua mão e no lugar
lhe deram um fuso de fiar algodão, para fazer rede, e um machado sem cabo. Falaram:
‘Olha, minha irmã, você vai ficar com esse fuso. Isto aqui é que vai servir para
você. Isto não!’ E tomaram-lhe a flecha. Ela então disse: ‘Tudo bem! Vocês mataram
meu filho, mas não faz mal’ e se virando em direção ao filho, completou: ‘Fica aqui,
meu filho, eu vou te cobrir’. Pegou uma folha e o cobriu, pronunciando: ‘erepusunug
ehayse o!: faça, falando bonito!’. Assim, ela desejou que algo de muito bom surgisse
dele” (LM).
“Oniawasap’i pegou os olhos do menino...”
(MTL). “Arrancou-lhe primeiro o olho esquerdo e plantou-o. A planta, porém, que
nasceu desse olho não prestava; era a do falso guaraná. Arrancou-lhe, depois, o
olho direito e plantou-o. Desse olho nasceu o guaraná verdadeiro” (NP).
“E disse: ‘Meu filho, os teus tios
te mataram, mas não penses que irás ficar sozinho, isolado. Tu irás ficar com as
palavras dos teus parentes e com as palavras das pessoas que moram no céu. A todos
os teus parentes tu irás ensinar. Tu irás ser morekuat [autoridade], tu irás ensinar
muita gente a tratar de trabalho. Muita gente vai se juntar para tomar o guaraná.
Serão as mulheres mais idosas as que irão ralar o guaraná. Em redor de ti irá se
tratar de muitas coisas boas, palestras de trabalho e assim muita gente irá gostar
de ti. Porque tu foste gerado antes que a terra estivesse contaminada. Então, tu
vais ficar sendo autoridade: morekuat. Tu vais fortalecer muita gente: os morekuat,
os tuxauas, portanto tu que serás o Morekuat. Muitas coisas se conseguirão através
de ti. Vai parecer que tu estivesses vivo e de tua boca sairão conselhos para muita
gente, para os filhos, e com lágrimas nos olhos, os pais vão te usar para aconselhar
os seus filhos, teus netos. Cedo da manhã as pessoas vão te usar, vão beber o guaraná,
e aquele que souber de alguma coisa melhor, vai explicar e conversar coisas boas”
(MTL).
“E continuando a conversa com o filho,
como se o sentisse vivo, foi anunciando: Tu, meu filho, tu serás a maior força da
natureza; tu farás o bem a todos os homens; tu serás grande; tu livrarás os homens
de uma moléstia e os curarás de outras” (NP).
“Logo depois, ela foi-se embora para
a sua casa. Lá, ela autorizou um passarinho, o hirut: ‘Vai lá e cante, fale bonito
lá para o meu filho!’. Pedia também, dessa forma, que saísse algo de muito bom,
a partir do corpo da criança morta” (LM).
“Na terceira vez que o passarinho foi
avisá-la de que já tinha alguma coisa dentro da terra, ela foi ver. Chegando lá,
o passarinho começou a cantar e ela abriu o túmulo. O que apareceu foram muitas
crianças rindo, cantando lá dentro. Ela tinha levado o wirisupakpak, que era muito
duro e era para ser o nosso dente. Mas quando essas crianças saíram, pegaram o wirisupakpak
e o levaram. Oniawasap’i agarrou um pau como a sua arma, e correu a lhes perseguir,
dizendo: ‘Vocês vão ficar correndo assim pelas matas e pelas capoeiras, vocês vão
sair andando para um lado e para outro e quando estiverem tratando de trabalho,
do plantio do guaranazal, eles vão matar vocês e vocês virarão alimento!’. Ela tinha
os transformado em queixadas: ‘Em compensação do dente que vocês levaram, que era
para eles [os humanos], eles vão matar vocês!’.
“Ela fechou novamente a sepultura e
pediu para o passarinho cantar de novo. E ele cantou e disse: ‘Já estão chegando
para cá, e estão cantando’. A mãe foi de novo, abriu e o que tinha lá na sepultura
era um pessoal cantando. Na hora que abriu, veio uma moça que falou: ‘Deixa eu olhar
os teus filhos’. Ela disse: ‘Não, não vou permitir que você olhe’. Veio outra e
também disse: ‘Eu quero espiar’. ‘Não, você pode sair dizendo que os meus filhos
não são bonitos’. Tinha gente que insistia, insistia, querendo ver, e ela dizia:
‘Deixem! Vocês vão ver quando estiver fora’. Ela não queria que ninguém olhasse.
Quando ela abriu a sepultura, um ahiang [fantasma] olhou por cima da cabeça dela…
Nessa hora ia saindo o coatá. Como o ahiang estava olhando para ele, então aquela
feiura pegou no coatá. Por isso que ele é muito feio. A mãe, então, bateu no ahiang
e o matou. Pegou também o coatá, o puxou e o jogou. Quando ela o jogou, o coatá
se agarrou na porta de uma casa próxima. Oniawasap’i, então, o puxou com força e
o dedo do coatá se arrancou. Por isso que o coatá não tem o polegar. E o ahiang
que ela matou virou a saúva grande, ou wehong [sombra], por ser o wehong desse ahiang.
Nesse momento, a mãe disse que, quando o sol estivesse em uma determinada altura,
muita gente ia dançar de alegria no seu terreiro. É quando chega o tempo das saúvas
voarem, que eles ficam pulando, dançando, quando estão pegando a saúva.
“Ela fechou novamente a sepultura e
quando voltou a abrir vieram os kiwa: tapecuim. Ela, logo lhes disse: ‘Fiquem aqui’.
Deixou-os no toco de um pau, eles lá ficaram. Ela disse: ‘Quando o sol estiver numa
certa altura, os teus parentes vão te agarrar e levar para comer’ [comentário sorridente
da narradora: num dia destes juntamos em casa vinte e duas poquecas de kiwa!].
“Ela fechou novamente, até quando o
passarinho começou a cantar e disse: ‘he akuara ehayse tuerut emembyt’ [a flauta
do teu filho vem cantando muito bonito].
“Ela chegou lá, abriu de novo e encontrou um monte de meninos já perfeitinhos,
eram pessoas mesmo. Mas eles eram muito safados e muito branquinhos, pulavam para
lá e acolá. A mãe disse então: ‘Eu não pedi para vocês saírem assim, vocês são muito
safadinhos’. Eram os wahue, macacos caiararas. Eles foram saindo do túmulo e ela
ia dizendo: ‘Vocês vão sair gritando pelas capoeiras, não importa qual seja o tamanho
delas’. E fechou de novo.
“O passarinho começou a avisar outra
vez e Oniwasap’i veio logo abrir. Ela cuspiu e ficou fazendo bolinhas de terra que
eram para fazer os nossos dentes; então, o grilo veio pedir para olhar, no buraco,
os filhos de Oniawasap’i. Disse assim: ‘Eu vou olhar para os teus filhos para eles
saírem bonitinhos’. Ela preparou toda aquela massa de barro e colocou no filho dela
os dentes. Por isso que nossos dentes são muito fracos. O nosso corpo fica perfeito
e os dentes se estragam. Se a queixada não os tivesse levado, os nossos dentes não
estragariam.
“Perguntaram para ele como ia ser o
nome do filho dela. Ela disse que como ele tinha surgido do Moikyt [cobra pequena]
e eu o fiz vir novamente, então o nome dele seria Moikyt. Ficou o mesmo nome. Depois
foi confirmado para que o nome do seu filho ficasse São Sebastião. Daí, segurou
o nome São Sebastião, e quando ele já estava um pouco crescido, essa pessoa que
mandou matar foi lá. Ele disse à irmã: ‘Esse aí será o meu, e o nome dele será Adão’.
Aí ficou “Adão” e finalmente Mari. Dele que apareceram muitas e muitas descendências
do guaraná. De lá que nós viemos. Por isso que ninguém deixa o guaraná.
“Por isso que certos filhos nossos
morrem antes de crescer, porque assim ocorreu com esse filho da ‘nossa senhora’,
Oniawasap’i” (MTL).[9]
Localização atual
A maior parte dos Sateré-Maué habitam na chamada “TI Andirá-Marau”, localizada
na fronteira dos estados do Amazonas e do Pará. Está dentro dos municípios de Barreirinha, Maués e Parintins no Amazonas, e Aveiro e Itaituba
no Pará. A maior parte dos Sateré-Maué vivem no Estado do Amazonas e um grupo menor
no Pará.
Há também um grupo na “TI Coatá-Laranjal”,
no Amazonas. Nesta área habitam Munduruku e Sateré-Maué. Os Munduruku são predominantes.
A TI Coatá-Laranjal está situada no município de Borba, AM. Tem uma extensão de
1.153.210 ha, em torno de um quarto do município de Borba. A homologação foi realizada pelo Decreto s/n - 20/04/2004. A presença dos Sateré-Maué na região da TI Coatá-Laranjal
é recente. Remonta ao ano de 1980 quando um grupo migrou para o rio Mari-Mari. Com
autorização dos Munduruku fundaram uma aldeia chamada Vila Batista II.
Os Sateré-Maué também são encontrados morando nas cidades de Barreirinha,
Parintins, Maués, Nova Olinda do Norte e Manaus, todas situadas no estado do Amazonas.
No Pará há um grupo na cidade de Juruti.
DADOS ESTATÍSTICOS [10]
Municípios
Municípios com incidência nesta Terra Indígena
Municípios - Terra
Indígena Andirá-Marau
#
|
UF
|
Município
|
Área do Município (ha)
|
% do município coberto pela TI
|
1
|
PA
|
Aveiro
|
1.707.429,00
|
15,73%
|
2
|
AM
|
Barreirinha
|
575.053,00
|
28,33%
|
3
|
PA
|
Itaituba
|
6.204.095,00
|
3,30%
|
4
|
AM
|
Maués
|
3.998.839,00
|
3,34%
|
5
|
AM
|
Parintins
|
595.233,00
|
4,41%
|
Povo e demografia
Segundo dados recentes, 13.350 pessoas vivem nesta TI. A população
Sateré-Maué tem crescido progressivamente nos últimos 25 anos, como pode se ver
abaixo.
Ano
|
População na Terra Indígena
|
Fonte
|
2016
|
CGTSM
|
|
2014
|
13.350
|
CGTSM
|
2010
|
11.321
|
IBGE
|
2002
|
73.76
|
Funasa/Parintins
|
2000
|
7.134
|
Funai/Parintins
|
1991
|
5.825
|
Funai
|
Ritual
da tucandeira
Os Sateré-Maué conservam a tradição
do ritual da tucandeira. A tucandeira é uma formiga cuja estocada do ferrão provoca
dores durante quase 24 horas. Os meninos devem fazer 20 sessões. “Ao enfiar as mãos em uma luva cheia de formigas
durante aproximadamente 20 minutos, o menino não apenas demonstra estar apto para
vida, mas também ganha respeito e admiração, além da certeza de que está protegido
contra várias doenças.”[11]
A “luva” de palha se chama “saaripé”.
Como
participei deste ritual na aldeia Fortaleza, farei lá a descrição de todo o rito
com fotos.
Os
Carmelitas e os Sateré-Maué
Os carmelitas foram missionários no Amazonas, principalmente nos rios
Negro e Solimões, a partir de 1695. Mas também trabalharam na região de Parintins
evangelizado e dando assistência espiritual tanto aos Sateré-Maué como aos Munduruku.
O maior missionário carmelita na região de Parintins foi o paraense Frei José Alves
das Chagas.
Frei André Prat, em sua fabulosa obra Notas Históricas sobre as Missões Carmelitas no Extremo Norte do Brasil,
apresenta dados biográfico de muitos missionários carmelitas da Amazônia. Sobre
Frei José Alves das Chagas escreve:
Foi o primeiro missionário e fundador da VILLA DA RAINHA ou VILLA
NOVA [hoje: Parintins], ou como outros a denominaram VILLA BELLA DA RAINHA e primitivamente
chamado logar MUNDURUCÚS. Em 1853 passou ainda a dar-se-lhe o nome de VILLA BELLA
DA IMPERATRIZ. Acha-se situada na ilha de Maracá, onde, precisamente, por muito
tempo, Fr. José Alves, com grande zelo da salvação das almas, desdobrou a catequese
e prestou relevantíssimos serviços, sendo por isso muito estimado da Tribo dos índios
MAUÉS.
Apóstolo da caridade, era um verdadeiro pai dos índios, cuja língua
tupy falava perfeitamente.
A Aldeia de S.
José de MATARY ou AMATARY, foi também fundada e evangelizada por este missionário
Carmelita.
Fundou também a missão de SAPUCAIOROCA, no baixo Madeira.
Sua ação evangelizadora se estendeu à Aldeia de BORBA.
Seu nome é ainda hoje lembrado com veneração em todas as regiões da MUNDURUCANIA.
O cônego Francisco Bernardino de Souza, na “Commissão do Madeira”,
2.ª parte, pag. 28 e 83, tratando da VILLA NOVA DA RAINHA estabelecida na Ilha Maracá,
escreve:
“Seu primeiro missionário foi o Carmelita Fr. José das Chagas, que lhe prestou immensos
e importantíssimos serviços. Um delles foi a viagem que fez ao rio “Guarajatuba”
(um dos braços do rio Punis), de onde conduzia varias famílias da tribu “Maués”.
Estabelecidas estas na nascente povoação, applicaram-se ao trabalho
de roças e cafezaes, nas margens pittorescas do Rio “Paraná-nema” e do lago “Macurany”,
próximos ao povoado.
Por alguns annos estiveram ali aquelles índios, mas desgostosos
com a retirada do missionário, abandonaram muitos as casas que tinham na povoação
e espalharam-se pelos rios “MAMURÚ”, “UAICURAPÁ” e “ANDIRÁ”. Foram também a isso
obrigados, por haverem sido, quasi ao mesmo tempo, remettidos para a missão, por
ordem do governador, como exilados, alguns indios de uma tribu do rio Negro, os
quaes viviam em constantes depredações, causando graves prejuisos á colonia portugueza
daquelle rio. Não querendo os Maués unirem-se a elles, preferiram retirar-se.
A mudança de Fr. José das Chagas foi devida á desintelligencia
com o capitão José Pedro Cordovil. Retirando-se da missão de “Villa Nova da Rainha”,
foi fundar uma outra, com indios “Mundurucús”, que é a actual freguezia de “Canuman”.
Fr. José das Chagas era o verdadeiro typo de missionario, o amigo
dedicado dos indios, que também lhe votaram essa affeição sincera e profunda dos
filhos das selvas. Tratava os seus cathecumenos com a maior doçura; verdadeiro apostolo
da caridade, repartia com elles do que possuía, consolava-os em suas contrariedades,
tratava-os com desvelo em suas enfermidades, fornecendo-lhes não só os medicamentos
necessários, como ainda a dieta.
E era não somente aos índios que estendia a sua generosidade.
Possuindo alguma fortuna, della dispunha em benefício publico e principalmente na
sustentação e brilhantismo do culto. Em testemunho desta asserção, ainda estão em
Villa Bella os ricos paramentos, que servem nas grandes solemnidades, o frontal,
o missal e outros objectos, que por elle foram comprados e doados á matriz.
Também foi por elle doado ao seu convento, em Belém, no tempo
em que ali servio de Prior, o órgão que ainda hoje lá funcciona.
Depois de uma vida affanosa, toda dedicada ao serviço do próximo
e á cathechese dos índios, já adiantado em annos e em estado de caducidade, falleceu
na Villa de Borba, deixando nessa parte do Amazonas um nome que por longos annos
ali será repetido com a mais profunda veneração e respeito.
Fallava Fr. José das Chagas com muita graça e propriedade a língua
geral ou tupy e no púlpito somente della fazia uso quando se dirigia aos índios.
Foi o verdadeiro Las-Casas e Anchieta da MUNDUCURANIA. “Villa
Bella da Imperatriz” talvez só a elle deva a sua existência e a sua tal ou qual
prosperidade: “Canuman” mereceu-lhe particular solicitude; a aldêa de “S. José de
Matary” foi, por assim dizer, creada por elle; “Borba” sentiu os effeitos da sua
mão beneficente; em uma palavra, toda a região da Mundurucania conserva ainda bem
viva a lembrança do seu nome, das suas virtudes e dos seus benefícios.
Elevada a missão de “Villa Nova da Rainha” á Freguezia, por deliberação
do conselho geral da província do
Amazonas, foi denominada “TUPINAMBARANA”; e elevada á villa, por lei provincial
de 15 de Outubro de 1853, passou a denominar-se “VILLA BELLA DA IMPERATRIZ”.[12]
Em minhas pesquisas no
Arquivo Secreto Vaticano encontrei dois documentos referentes a Frei José das Chagas.
Estão na documentação da Nunciatura de Lisboa.
O primeiro documento é
uma petição provavelmente dirigida ao Núncio. Foi pedido para Frei José “os privilégios de Vigário Paroquial, honras e
isenções anexas”. Neste documento há a afirmação: “ultimamente se acha occupado na Reducção de varios Gentios, de que já tem
formado tres Missões”
[13]. Infelizmente não menciona onde ficavam
essas 3 missões.
O segundo é um atestado escrito pelo bispo eleito Dom Romualdo de Souza
Coelho[14].
Certamente foi escrito
para acompanhar o documento anterior. Dom Romualdo informa algo sobre a atuação
missionária do carmelita Frei José das Chagas com os Munduruku e Maugués (Maué).
Frei José era tão bom missionário, que o bispo estava querendo encarregá-lo da catequese
dos Mura mesmo estando em idade avançada. Diz o atestado:
Romualdo de Souza Coelho, Professo na Ordem de Christo,
Cavalleiro da de Nossa Senhora da Conceição, Bispo Eleito do Pará etc.
Attesto aos Senhores, a quem o conhecimento desta
pertencer, que Fr. José das Chagas Religioso Carmelita calçado rezidente na Provincia
do Pará, paroquiou ali muitos annos na parte superior do Rio Solimões, Capitania
do Rio Negro, com muito zelo, e satisfação dos respectivos Habitantes; e que recolhendo-se
para o seu Convento com o destino de ser empregado no Governo do mesmo, foi immediatamente
encarregado pelo meu antecessor[15],
e pelo General, que então era o Illustrissimo
e Excelentissimo Senhor Conde dos Arcos, no laborioso Ministerio
de reduzir ao Gremio da Religião os Gentios Mondurucú, e Maugués; o que elle desempenhou
com tanta vantagem, que já tem estabelecido tres Missões, e pertendo agora, que
vá catequizar o Gentio Mura nas margens do Amazonas, apezar da avançada idade, em
que se acha. Rio de Janeiro 8 de Maio de 1820
Segundo
Frei André Prat, o sucessor de Frei José das Chagas em Borba foi Frei José (ou Vicente)
de Carvalho Pena[17].
Os padres do PIME trabalham com os índios
Sateré Mawé desde 1948, quando se fixaram em Parintins, AM. Até o momento, todos
os bispos da Diocese de Parintins[19]
sempre apoiaram a causa indígenas e não mediram esforços para que a
evangelização tivesse continuidade encarregando padres para o trabalho pastoral
e fazendo visitas e crismas.
Os padres se esforçaram para fazer visitas
constantes aos índios, anunciando o Evangelho, batizando, catequisando,
celebrando missas, assistindo casamentos, ungindo doentes, dando bênçãos, construindo
igreja, formando comunidades de fé, dando formação humana e cristã, etc.
O Papa Paulo VI, em seu marcante documento Evangelii Nuntiandi, chamava a atenção
de que existe uma profunda ligação entre Evangelização e Promoção Humana.[20]
Por isso os padres do PIME, sempre fiéis ao Magistério da Igreja, procuraram,
sem se descuidar dos aspectos espiritual e sacramental, realizar ações para
melhorar as condições educacionais, de saúde e sociais dos indígenas. Nas
aldeias organizaram um pequeno dispensário com agentes voluntários de saúde e
três casas de corte costura.
Construíram várias escolas nas aldeias e em
1988 fundaram a Escola Indígena São Pedro – no município de Barreirinha, que é um
centro-sócio religioso, incluindo um Centro de Saúde materno-infantil.
Atualmente está com 200 alunos, sendo 80 internos – provenientes principalmente
das comunidades do alto Andirá. Ajudaram também muito na formação de
professores indígenas. Uma das consequências desta ajuda é que todos os
professores nas aldeias são Sateré-Maué. Os próprios professores reconhecem que
sem essa ajuda não seriam professores hoje.
Além de manterem o Centro de Saúde
materno-infantil na Escola São Pedro, ajudaram na formação de agentes de saúde.
Apoiaram e ajudaram na demarcação da TI
Andirá-Marau.
Entre os padres do PIME, dedicados aos
índios, destaca-se o Pe. Henrique Uggé. Desde 1972 trabalha ininterruptamente
com os Sateré. Nestes mais de 45 anos, visitou com regularidade às aldeias.
Incentivou e apoiou a construção de igreja e escolas.
Desde o início de seus trabalhos incentivou
os cultos dominicais nas aldeias. Também introduziu novenas aos sábados. Com sua
atividade pastoral procurou transformar as festas dos padroeiros, que tinham
muito de festas profanas com dança e cachaça, em verdadeiras festas religiosas
com Primeiras Comunhões, Crismas e Casamentos. Nos momentos importantes do Ano
Litúrgico, como Natal e Semana Santa, fez o possível para celebrar nas comunidades
indígenas.
Empenhou-se em dar formação catequética e
litúrgica do ano em curso no Advento, Natal, Quaresma, Pascoa e outros eventos
(Ano Santo da Misericórdia, etc.). Também se esforçou para produzir publicações
com orações e cantos em Sateré, tradução do Santo Rosário...
No momento está criando condições para que
nas aldeias tenha também sacrário para dar a possibilidade aos indígenas de receberem
o Corpo de Cristo. Para isso tem realizado cursos de formação sobre a
Eucaristia e de preparação para Ministros Extraordinários da Comunhão
Eucarística. Também tem incentivado a construção de novas capelas para que
tenham a segurança necessária para o sacrário.
Ao longo do relato vou narrar mais sobre
atividades do Pe. Henrique Uggé.
VISITANDO OS SATERÉ-MAUÉ
Domingo - dia 11 de março de 2018
Em outubro de 2017 foi realizado um encontro dos indígenas
da bacia do Tapajós no Centro de Treinamento da Prelazia de Itaituba. Estiveram
presentes 10 Sateré-Maué do alto rio Andirá. No final do encontro, eles me convidaram
para visitá-los. Por isso programei esta visita.
Para chegar até a região dos Sateré-Maué, há duas possibilidades:
ir de avião ou ir por água. A viagem de avião monomotor dura em torno de meia hora
e a distância em linha reta é de pouco mais de 130 km. Por água é bem mais complicado
e demora dois dias. Deve-se tomar a lancha de Itaituba até Santarém, que são 7 horas.
Dormir em Santarém e no dia seguinte tomar o barco até Parintins no Amazonas. Depois
de Parintins tomar um barco até a aldeia Torrado. Depois para se chegar às aldeias
só é possível ir de voadeira ou rabeta.
Descartei a ida por água devido ao tempo que demoraria. Eu
só tinha uma semana disponível e passar 4 dias viajando, só restariam 3 dias para
visitas. Conversando com o Sr. Valmir
Clímaco sobre o convite que me fizeram e sobre a dificuldade da viagem com barcos
e da demora que estes levariam até lá, diminuindo, portanto, os meus dias junto
aos indígenas, ele prontamente me colocou à disposição sua aeronave, um monomotor
para cinco passageiros e mais o piloto. Muito grato aceitei a oferta e comecei meus
preparos para a viagem.
Inicialmente íamos eu e o representante
Sateré em Itaituba, Sr. Leonardo Martins Cardoso, porém, lembrei de um amigo leigo,
que mora em Curitiba, mas sempre que pode vem até a Itaituba e me acompanha em algumas
incursões de evangelização. É os Sr. Jonas Pinheiro. Ele ficou muito feliz quando
lhe fiz o convite para participar comigo nessa viagem. Ele já me acompanhou numa
missão que fizemos nas aldeias indígenas dos Munduruku na região de Jacareacanga
e do Rio Cururu no alto Tapajós.
Estava programado viajarmos dia 12 de março – segunda-feira,
mas na sexta-feira – dia 9, fui contatado para ver se não era possível antecipar
a viagem para o domingo dia 11. Isto até iria nos ajudar, porque teríamos um dia
a mais para as visitas. Topei na hora.
Assim sendo, nos preparamos e fomos ao aeroporto de Itaituba
logo após o almoço. Lá o piloto Rildglan Monteiro estava nos esperando. O monomotor PR – LHP tem capacidade para
5 passageiros e mais um pequeno espaço na cauda para bagagem. O piloto estava acompanhado
de um aprendiz que voou conosco. As nossas coisas (mochilas, comida, imagens de
santos, etc.) lotaram todo o bagageiro e mais o banco livre que seria o 5º passageiro.
O aviãozinho ficou completamente lotado e pesado.
Às 14h02 estávamos na cabeceira da pista e levantamos voo às
14h03.
Chegamos às
14h38 no campo de pouso da aldeia Vila Nova. Havia muita gente nos esperando, principalmente
crianças e adolescentes. A nossa chegada foi uma verdadeira festa de uma alegria
contagiante. Todos chegavam para nos cumprimentar.
Apesar de estarem
no Estado do Pará, nestas aldeias se segue o horário do Amazonas, que é uma hora
a menos do que no Pará. Aqui no relato vamos colocar sempre o horário oficial do
Pará.
A aldeia Vila
Nova é a maior e a mais antiga aldeia Sateré-Maué às margens do rio no alto Andirá.
Está dentro da TI Andirá Marau. Já foi uma aldeia essencialmente católica, mas hoje
a maioria dos moradores são da igreja Batista. Nem há mais uma igreja ou capela
católica na aldeia. A Vila Nova se tornou aldeia em 1955. Antes havia moradores
no local, mas ainda não se constituía como uma aldeia.
Há uma escola
de ensino fundamental da primeira à oitava série. Também há um posto de saúde com
uma enfermeira e uma técnica de enfermagem.
Os Sateré-Maué
da região produzem guaraná, farinha, cará, mandioca, banana, açaí, buriti, patauá,
pupunha, laranja, cupuaçu e os óleos de andiroba e copaíba.
O que mais produzem é a farinha, extraída da mandioca, que é o alimento básico.
É consumida com qualquer outra mistura ou somente com água e açaí.
A maioria dos alimentos são extraídos
da natureza como o açaí, pupunha, cupuaçu, goiaba, buriti, castanha, pequi, e muitas
outras frutas, inclusive o guaraná. O guaraná é cultivado e é parte integrante da
cultura Sateré-Maué, como foi visto na primeira parte deste relato. Recordo que
os Sateré-Maué se consideram como “filhos do Guaraná”. É o principal produto do
qual eles sobrevivem economicamente, sobretudo na região de Maués e proximidades.
Há uma própria associação para comercializar o guaraná. A aldeia Santa Cruz é a
que mais produz guaraná na região do alto Andirá.
O rio Andirá
não tem muito peixe. A caça também é bastante escassa nas regiões próximas às aldeias.
No entanto, quando eles chegaram na bacia do rio Andirá, o rio era rico em peixes e na
região havia muita caça. Porém, devido ao uso contínuo do “timbó”[21]
os peixes desapareceram. Há que se frisar que a população também aumentou muito
com o consequente aumento da caça e da pesca. Os animais ou foram caçados ou fugiram
para longe das aldeias. Por isso hoje o rio tem pouquíssimos peixes e a caça é rara.
Anda-se horas e horas de barco pelo rio e não vê uma ave como também não se
houve cantos de pássaros. Pacas, cotias, tatus, antas, caititu, queixada, bicho
preguiça, gatos selvagens, araras, gaviões ... e até cobras, foram todos para a
panela. Diferente dos Munduruku, os Sateré-Maué comem jacaré.
Aldeia Vila Nova tem 540 habitantes. Há em torno
de 200 crianças. É nesta aldeia onde
mora o cacique geral. Ele se chama Cândido Dias de Oliveira. Está com 53 anos e
tem cinco filhos. Ele se tornou cacique geral dois anos atrás. Antes ele era o tuxaua
da aldeia Vila Nova. Atende as aldeias da região desde a aldeia Limoal, a primeira
no estado do Pará, até a aldeia Conceição, a última do rio Andirá, incluindo as
que estão nos igarapés e afluentes. Hoje, são 27 as aldeias Sateré-Maué no Estado do
Pará. Este número pode aumentar ou diminuir por causa de subdivisões ou unificações.
Exemplos são as aldeias Terra Prometida e Monte Oliveira. A primeira completará um ano dia
27 de abril próximo e a segunda foi fundada em janeiro deste ano.
Os Sateré-Maué
chamam o tuxaua ou cacique[22] de
“tu i çá”. Quando usam a palavra portuguesa,
chamam de tuxaua e raramente de cacique. Neste relato em geral vai ser usada a palavra
indígena “tu i çá”.
O atual “tu i
çá” da aldeia Vila Nova se chama Jacó Miquiles. Ele está com 44 anos. Tem cinco
filhos e assumiu a função de “tu i çá” um ano atrás. Ele foi nosso piloto da rabeta na segunda
etapa da viagem nos levando e trazendo da Vila Nova até Limoal.
Além do “tu i çá”, a aldeia possui um capitão que tem a função de apaziguar
e resolver desavenças e brigas. O capitão da Vila Nova se chama Heliton de Souza.
Ele e sua esposa Ada foram nossos guias de ida e volta a pé até a aldeia de Santa
Cruz distante 6,5 km de Vila Nova. Foi uma experiência muito boa caminhar pelas
matas da Amazônia, vendo toda a sua exuberância e diversidade de vegetações e tamanhos
de árvores. Ele está com
63 anos e é pai de sete filhos. Faz uns 30 anos que ele é o capitão da aldeia. Ele e uma de suas filhas
fazem artesanatos, tais como: abanadores, correntes, pulseiras, anéis, abajures,
cuias e outros mais. Em agosto próximo, a convite de uma associação, irão expor
seus produtos numa feira artesanal em Aveiro.
O cacique geral Cândido
Dias de Oliveira
|
O “tu i çá” Jacó Miquiles
|
O capitão Heliton de Souza
|
SUBINDO O RIO ANDIRÁ ATÉ A ALDEIA
FORTALEZA
Saímos às 16h20 numa voadeira com
motor de 15 HP. Na voadeira estávamos em 5 pessoas: o Leonardo, o Jonas, o piloto Dedicarmos, o jovem Daniel, filho do “tu i çá” Jacó, e eu. Tivemos
vários imprevistos durante a viagem, além da chuva, havia muitos paus e árvores
caídas no rio. O motor estava
com problema – constantemente apagava. Perto da aldeia Fortaleza a hélice bateu
num pau e quebrou uma palheta. Felizmente, mesmo sem trocar a hélice deu pra chegar
– evidentemente que a viagem ficou mais lenta. Chegamos na aldeia Fortaleza às 17h55.
Rio Andirá
Na aldeia
Fortaleza
A aldeia Fortaleza não é muito grande. Tem 37
famílias e uns trezentos habitantes.
Oficialmente
a aldeia Fortaleza foi fundada em 1975. Mas antes disso já havia gente morando no
local. Levou o nome de Fortaleza por causa de um regatão[23] cearense, que era de Fortaleza.
O primeiro cacique foi Geraldo Carvalho de Souza. O local antes de ser aldeia era
onde as pessoas, que subiam o rio para ir às aldeias dali pra cima, deixavam suas
embarcações e depois seguiam a pé. Naquela época o local era conhecido como Araticum.
Também
em 1975 começou a funcionar a primeira escola. Já no início levou o nome de Escola
Bom Socorro. O nome foi dado pelo padre Henrique Uggé, porque a paróquia de Barreirinha
tem como padroeira Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Todos os professores das aldeias são Sateré-Maué.
Isso se deve a um projeto do padre Henrique Uggé que no passado conseguiu capacitar
os professores. A Escola Bom Socorro da
aldeia Fortaleza tem oito professores e os oito são Sateré-Maué.
O padre Henrique Uggé costuma vir ali uma vez
no ano. Ele é italiano. Atualmente ele visita só as comunidades onde a maioria é
católica. Ele dedicou
quase toda sua vida de corpo e alma em defesa dos indígenas. As primeiras escolas foram feitas por ele. Também
teve uma atuação intensa na área de saúde. Criou curso de capacitação de professores
e uma escola agrícola. Está com mais de 80 anos, portanto não tem mais o mesmo dinamismo
e disposição de antes. Publicou um livro sobre a história e lendas do Sateré-Maué.
Ao andar pela
aldeia, vi várias vezes no chão riscado um retângulo subdivido em retângulos menores.
Imediatamente me veio na memória os tempos de criança em que principalmente as meninas
brincavam de amarelinha. Não recordo quando vi pela última vez alguém brincando
de amarelinha. Fiquei pensando: será que as crianças desta aldeia brincam de amarelinha?
Não dei muita bola nem perguntei. Mais tarde vi as crianças justamente brincando
de amarelinha. Uma das meninas pulava com uma perna só e chutava uma pedrinha até
o retângulo seguinte. Quando chegou em baixo chutou a pedra para o outro lado e
começou a chutar pra cima. De repente perdeu o equilíbrio e encostou o outro pé
no chão. Consequentemente perdeu. Outra menina começou a fazer a mesma coisa.
Mais tarde vi
que estavam brincando também de queimada com uma bola de borracha. Este tipo de
brincadeira só vi ali na aldeia Fortaleza.
Durante o café, deu pra sentir os efeitos dos ataques dos mosquitinhos maruim,
ou seja, do famoso porvinha. É difícil
de vê-los, visto que são muito pequenos. Quando se sente a coceira não adianta tentar
matá-los, porque já escaparam. Não consegui ver nenhum voando ou pousado na perna
chupando sangue. A coceira se prolonga por um bom tempo.
Após o café, fomos tomar banho no rio. A água
estava bastante fresca. O Jonas, muito “inexperiente”, resolveu se ensaboar dentro
da água. Não deu outra: o sabonete escapou de sua mão e sumiu no rio. Três dias
depois, ao passar pela aldeia Vila Nova, que fica abaixo da aldeia Fortaleza, andou
perguntando se alguém havia encontrado o seu sabonete!
São Francisco Xavier
Pelo fato da aldeia Fortaleza ser totalmente católica,
celebrei uma missa ao anoitecer. A missa foi na “escola”. Há uma capela situada
um pouco fora da aldeia. Está um pouco abandonada. Todas as celebrações em geral são
feitas na escola. Esta comunidade adotou como padroeiro São Francisco Xavier.[24]
Pediram-me para arrumar uma imagem deste santo jesuíta, que juntamente com Santa Teresinha do Menino Jesus,
foi proclamado padroeiro universal das missões pelo Papa Pio XI em 14 de dezembro
de 1927. Custou-me muito encontrar a imagem.
Consegui numa loja em Aparecida (SP) via internet. Antes de começar a missa, benzi
a imagem e a entreguei para a comunidade. Eu pensava que eles já tivessem uma
devoção a São Francisco Xavier, mas percebi que era só um desejo de o ter como
padroeiro. Tanto é que nem sabiam o dia em que é celebrado. Perguntaram-me e eu
não sabia de cor. Prometi comunicar. Ao chegar em casa descobri que seu dia festivo é 3 de dezembro.
Dormimos dentro de uma espécie de depósito, que
faz parte da escola. É todo fechado e tem uma pequena janela. Como numa das paredes
não havia onde atar as redes, foi pregada uma travessa de madeira. O Leonardo, o
piloto e eu atamos uma das pontas da rede nessa travessa pregada nas vigas da
parede. Portanto, 3 redes estavam amarradas naquela ripa. Passava um pouco da 1
da madrugada e eu me levantei para urinar. Quando eu voltei e deitei na rede, a
travessa se despegou e nós 3 caímos no chão. Felizmente não nos machucamos e deu
para contornar a situação amarrando em outro lugar. A rede do Jonas estava atada em outra travessa,
portando, não caiu. Ele caiu na gargalhada e não parava mais. Será que isso era
motivo dele se mijar de tanto rir na madrugada com a desgraça alheia! Oh amigo
da onça!
Segunda-feira - dia 12 de março
A nossa voadeira não tinha condições de subir
o rio com uma das palhetas da hélice quebrada. Não havia uma disponível pra substituí-la.
Por isso o professor Henrique ofereceu a sua rabeta para continuarmos a viagem,
mas gasolina que ele tinha era insuficiente para nossa viagem. A rabeta usa gasolina
pura e o motor da voadeira usa gasolina temperada com óleo. A gasolina que estávamos
trazendo estava toda misturada com óleo. Assim não podia ser usada no motor da rabeta.
O jeito foi o nosso piloto Dicarmo
descer até a Vila Nova com a rabeta
buscar gasolina sem ser temperada para que nós pudéssemos continuar a nossa viagem.
Entre sua ida até a Vila Nova e volta, passaram-se umas 3 horas.
Aproveitamos o tempo para conversar com os indígenas
e tomar guaraná.
Viagem até a aldeia Bom Jardim
Só foi possível sair às 12h37. Continuamos subindo
o rio Andirá rumo à aldeia Bom Jardim.
O bote é de madeira e menor do que a voadeira
e muito mais lento. A vantagem é que a rabeta é muito mais econômica e não tem tanto
problema com os paus, porque a hélice fica mais à flor da água, assim pode-se passar
qualquer lugar.
O rio é mais estreito e tem bastante sombra
Aldeia
São Raimundo
A primeira aldeia acima da Aldeia Fortaleza é
a São Raimundo. Chegamos ali às 12h57. Havia várias crianças tomando banho no rio
e algumas estavam totalmente nuas. Uma menininha resolveu pular na água bem na
frente da rabeta para atravessar para o outro lado do rio. Por muito pouco a
hélice da rabeta a feriu. Rabeta não tem breque!
É uma aldeia evangélica batista. Paramos para
uma rápida visita.
Aldeia tem 10 famílias e em torno de 50-60 pessoas.
A aldeia é pequena, mas conta com o número de oito professores. Há ensino infantil
e o fundamental da primeira a oitava série. Todos os professores são Sateré-Maué.
O “tu i çá” chama se chama Joel. Há um agente
de saúde. Porém, não há um posto de saúde e o agente atende na sua própria casa.
Saímos da aldeia São Raimundo as 13h17. Foi uma
visita bastante breve o “tu i çá” Joel não estava, mas saudamos a sua esposa e dois
professores.
Crianças tomando banho no rio Andirá
Aldeia São Raimundo
Casa do “tu i çá” Joel
Aldeia Novo Airão
Às 13h40 chegamos na aldeia novo Airão. Paramos para uma pequena
visita. É também uma aldeia evangélica.
Ali vivem 8 famílias e total de 36 moradores. O “tu i çá” chama-se Jecy de Oliveira.
Há ensino infantil e fundamental. Há seis professores que dão aulas de manhã, de
tarde e à noite. Chegam ali também alunos de aldeias vizinhas. Estão
construindo uma nova escola.
Tem uma boa casa de farinha. Duas mulheres estavam
fazendo farinha.
Vista parcial da aldeia Novo Airão
A nova escola em construção
A casa da farinha
Fazendo farinha
Almoçamos na beira do rio. Comemos um pedaço de paca que tínhamos ganhado lá na aldeia Fortaleza. Também comemos carne assada na panela com cebola que a Marilza Faria, secretária da Prelazia de Itaituba, tinha preparado, bem como linguiça calabresa frita colocada na farofa de mandioca.
Depois
de termos nos abastecido, seguimos a viagem. Saímos às 14h40.
Aldeia Kuruatuba
Chegamos na aldeia Kuruatuba às 15h14. Fizemos uma rápida
visita. É uma aldeia importante por ser uma aldeia polo em termos de saúde.
Vista parcial da aldeia Kuruatuba
Com a camiseta de Nossa Senhora do Carmo e catedral de Parintins
O “tu i çá” desta aldeia é uma mulher chamada Cristina de Oliveira. Ela não estava quando nós passamos. Tinha ido para Barreirinha. Na aldeia há uma escola com três professores. Há aulas do ensino fundamental da primeira à quinta série.
O padroeiro da aldeia é São Paulo. Faz muito tempo que não
aparece um padre aqui nesta aldeia, segundo informação de um rapaz. Encontrei uma
menina com a camisa de Nossa Senhora do Carmo de Parintins. Vivem nesta aldeia 22
famílias. A população é de 120-30 pessoas. Segundo um rapaz, a maioria da aldeia
é católica.
Saímos da aldeia às 15h38.
Aldeia Bom Jardim
Chegamos na aldeia Bom Jardim às 15h58. Estava chovendo. Sua
localização pelo GPS: 3°47_7_ S 56°48_51_ O.
O “tu i çá” Samuel Batista esteve
no encontro promovido realizado em Itaituba pela Repam em outubro passado.
Ele e todos moradores da aldeia são membros da igreja Batista. Mas ele fez questão
de me convidar para que visitasse a aldeia Bom Jardim.
Quando
chegamos havia um estudo bíblico no salão comunitário. Aliás, a aldeia estava em
festa religiosa. A festa deles é essencialmente participar de encontros bíblicos
durante o dia e do culto à noite. Cada festa é comemorada dois dias e a aldeia deve
dar de comer para os visitantes das aldeias vizinhas. Ao perguntar ao “tu i çá”
o que eles comemoravam na festa (batista), ele me respondeu: “Comemoramos o aniversário
do dia em que o “tu i çá” desta aldeia se entregou a Jesus!” Depois constatei que
todas as aldeias batistas fazem a mesma coisa, de modo que em cada mês (mais ou
menos) há uma festa para os batistas comemorarem.
Depois
de um café, o “tu i çá” nos levou para conhecer alguns pontos da aldeia. Primeiro
nos levou até a escola, se é que se pode chamar escola, visto que está em situação
muito precária, inclusive com vários buracos no teto feito de palha.
Depois
nos levou onde funciona o “posto de saúde”. É uma casa feita pelos próprios indígenas.
Isto o “tu i çá” falou de boca cheia e muito orgulho. Mostrou-nos o pequeno armário
onde estão os remédios. Foi triste ver: há poucos remédios e a maior parte é xarope.
Não tem um comprimido ou qualquer remédio para aliviar a dor. Ali há também um rádio
para se comunicar com outras aldeias e Funai, mas a bateria arriou e por isso não
funciona. No alto rio Andirá, a Bom Jardim única aldeia que tem rádio. Creio que
deva ter também na aldeia Kuruatuba por ser uma aldeia polo de saúde.
Também
nos levou para conhecer a capela batista, onde houve culto à noite com muitos cantos
e pregação. Tudo foi rezado e cantado na língua Sateré. Pelas melodias deu para
identificar que uma boa parte dos cânticos eram traduções de cantos evangélicos
ou católicos. Um dos cânticos foi o “Glória, glória, aleluia” do Exército da Salvação.
Tomamos
um gostoso e restaurador banho no rio. A água estava bem fresca. Desta vez o Jonas
se ensaboou fora do rio para não correr o risco de perder mais um sabonete. Aproveitamos
pra tirar uma casquinha perguntando pra ele: “Será que o pessoal da Vila Nova conseguiu
pegar o teu sabonete?”
Dormimos
num barraco onde havia uma família da aldeia Livramento que tinha vindo para a festa.
Desta vez não caímos, visto que as cordas das redes não arrebentaram nem os paus,
onde as atamos, quebrou. Foi um sono muito reparador.
Terça-feira - Dia 13 de Março
Participamos
do café comunitário no salão de encontros e reuniões. Tinha beiju, pipoca, pão,
e outras coisas. O pão, feito ali mesmo na aldeia, era muito gostoso. Também
tinha bolo de forma.
Ida até a aldeia Conceição
Saímos
para visitar na aldeia Conceição às 8h28. Já dava para perceber que o rio
estava mais estreito e raso do que pra baixo. Também era perceptível que há bem
mais paus caídos do que no trecho entre a Vila Nova e a aldeia Bom Jardim.
Aldeia do Livramento
Às
8h42 chegamos à aldeia do Livramento. Sua localização no GPS: 3°47’57’’S 56°48’49”O.
Fizemos uma parada.
A
aldeia tem oito famílias. 48 pessoas, sendo 15 crianças, moram nesta aldeia.
Hoje todos seus moradores são membros da igreja Batista.
O “tu i çá” é o Ozene Batista. A aldeia foi fundada pelo avô
dele, a saber, por Antônio Prudêncio.
Pra
chegar na aldeia tivemos que subir uma longa e íngreme ladeira. Tive que fazer
duas paradas para refazer as forças respirando profundamente. A aldeia tem um
campo de futebol, mas parece que está sendo pouco ou nada usado, visto que a
capoeira está um pouco alta. O motivo é que não conseguiram dinheiro para
colocar combustível na roçadeira para roçar e limpar o campo.
Esta
aldeia tem um gerador próprio de eletricidade. Inclusive dentro da aldeia há
postes de luz.
Estão construindo
uma nova capela.
Batemos
um longo papo no salão comunitário sobre a situação dos indígenas em geral e
sobre os Sateré-Maué. Mostraram-nos a Bíblia traduzida.
A primeira coisa que olhei foi a grafia. Parece que segue a pronúncia latina e
não anglófona.
Durante
a conversa nos ofereceram tacacá e paca assada.
Lavei a mão numa torneira de água encanada. A água é levada
do rio até uma caixa da água. É transportada em baldes de 18 l. A pia é de
madeira, uma espécie de gamela grande. A madeira é itaúba.
Visitamos a Escola Pe. Henrique Uggé. É um barraco coberto de palha e sem
paredes laterais. Felizmente a lousa é muito boa. Usa-se pincel atômico e não
giz. Tem um sino para chamar as crianças. O professor é o Anilson Dias de
Oliveira, que dá aula para 10 crianças. Ele nos explicou como ele dá aula.
Fez-nos uma demonstração prática, inclusive mostrando como se faz divisão. No
início da aula normalmente depois de dizer bom dia se pergunta para as crianças
como estão as coisas em casa. Cada criança deve responder
individualmente. Ele perguntou para alguém que estava nos acompanhando
como estão as coisas em casa. Respondeu que estava tudo bem e que ele tinha
dormido bem e sonhado com as “gatas”.
Ao
lado da escola tem um campinho de futebol todo de areia. É usado para a
educação física dos alunos.
A Escola Pe. Henrique Uggé
Continuando a viagem
Saímos da aldeia Livramento às 10h43. Seguimos rio acima em
direção a aldeia Conceição. Havia muitos paus caídos na água. O rio se estreitava
cada vez mais.
O dia estava ensolarado. Estava muito agradável
andar pelo rio. O clima estava fresco. Havia bastante sombra e de vez em quando
os lampejos de sol.
Às 10h57 nós cruzamos com uma voadeira. O piloto
fez sinal para pararmos e nos disse que na árvore logo acima havia um
bicho-preguiça. Disse que iria pegá-lo. A árvore era alta e o animal estava bem
na ponta onde os galhos eram finos. Pensei: não vai conseguir. Mas ele subiu na
árvore com uma vara e na ponta havia um laço feito de cipó. Laçou o bicho pelo
pé, puxou-o e depois o jogou na água. A preguiça[25] foi colocada no nosso
bote pra ser levada até a aldeia Conceição.
Rio Andirá
A preguiça
Prosseguimos a viagem às 11h13.
Às
11h48 passamos pela aldeia Novo Horizonte. É uma aldeia muito pequena. A nossa
visita ali seria depois, visto que é fácil ir a pé por ser estar próxima da
aldeia Conceição.
Às
11h53 atracamos no porto do cacique da aldeia Conceição. O “tu i çá” se chama
Daniel Oliveira de Souza, mais conhecido como Darico ou Daniel Sateré. Ele
está com 79 anos.
A localização da aldeia Conceição no GPS: 3°50_23_ S 56°48_13_ O .
O “tu i çá” Darico e sua esposa
Fomos até o salão comunitário e lá conversamos muito com os
indígenas, principalmente com o “tu i çá” Darico e os professores. Perguntei
sobre a história da aldeia.
Segundo o “tu i çá” Darico, a aldeia Conceição existe desde
1950. Foi fundada pelo senhor Manoel Inácio, que é o sogro do próprio Darico.
Ele nos contou que lá pelos idos de 1910 havia uma aldeia bem acima da aldeia
Conceição que se chamava Paraíso. Esta aldeia foi abandonada porque ficava
muito longe das outras aldeias e o acesso era difícil. O fundador da aldeia
Conceição saiu justamente desta aldeia Paraíso para vir fundar esta nova
aldeia. Não há um posto de saúde. Quando acontece algo, deve-se ir até a aldeia
Kuruatuba.
A
escola está funcionando onde deveria ser a casa do “tu i çá”. Não tem paredes!
Só tem a cobertura e o assoalho. As cadeiras são velhas e foram enviadas pelo
prefeito de Aveiro, PA. Antes do envio das cadeiras, a escola não funcionava.
Há dois professores contratados pela prefeitura de Barreirinha, AM. A
prefeitura de Barreirinha tem pouca ou nenhuma preocupação alguma com as
escolas indígenas que estão no Pará. Mas, segundo dizem, recebe verba do
governo federal através do MEC para fazer funcionar todas as escolas indígenas
da TI Andirá-Marau, inclusive as localizadas no Pará. Já estamos no mês de março
e os professores até o momento não receberam pagamento neste ano, inclusive
vários nem receberam o 13º e dezembro. Eles mesmo dizem que estão trabalhando
de graça na esperança de receber lá na frente. A prefeitura não enviou material
escolar, como por exemplo livros, lápis ou caneta, papel e caderno. Felizmente
de vez em quando envia merenda escolar. A primeira Igreja Batista de Parintins,
algumas vezes, faz doação de material escolar. As cadeiras, enviadas pela
prefeitura de Aveiro, foram levadas de barco até a aldeia Vista Alegre. Depois
tiveram que ser transportadas de voadeiras ou rabetas para as aldeias. Para
buscar as carteiras escolares, cada aldeia teve que arcar com o combustível de
ida até a Vista Alegre. Para a volta, foi dado o combustível correspondente de
acordo com a distância da aldeia. A escola se chama Nossa Senhora da Conceição.
Portanto, há uma ligação direta entre o nome da aldeia e o da escola.
A escola da aldeia Conceição
Enquanto
estávamos conversando, os meninos foram enviados para buscar a preguiça, que
estava no bote. Quando chegaram lá, a primeira coisa que fizeram foi matá-la a
pauladas. Depois iriam comer.
O Delme com a preguiça
O menino com o bicho-preguiça
Fizemos um giro pela aldeia e visitamos algumas casas. Numa dela
havia alguns meninos treinando atirar flechas num alvo no chão.
Passando
pela Novo Horizonte
O
Leonardo e eu saímos às 16h01 a pé para visitar a aldeia vizinha, que se chama
Novo Horizonte. O Jonas e o piloto Dicarmo foram de rabeta até o porto desta
aldeia. Ali ficaram nos esperando.
Passamos
pela aldeia Novo Horizonte, mas estava quase deserta. Todos tinham ido para a
festa da aldeia Bom jardim. Só vimos uma mulher. Após cumprimentá-la seguimos
adiante. Descemos até o porto para tomar a rabeta, mas ali estava o Delme
Oliveira de Souza, o filho do “tu i çá” da aldeia Conceição, nos esperando de voadeira
para nos levar até a aldeia Bom Jardim. O Leonardo e eu pegamos carona com ele.
O Jonas e o piloto Dicarmo seguiram na rabeta.
Saímos às 16h26 e chegamos às 16h52 no porto da aldeia Bom
Jardim.
Vista parcial da aldeia Novo Horizonte
A escola
A distância entre Conceição e Bom Jardim é de
aproximadamente 7,5 km pelo rio. A rabeta levou 40 minutos e a voadeira, 26
minutos.
Após
tomar um café, fomos ver a plantação de guaraná ao lado da casa do cacique. Ele
nos explicou como fazem o cultivo, como colhem e secam. Há uma associação que
faz a gestão da venda do guaraná.
A árvore do guaraná
Tomamos um gostoso banho no rio, apesar da água fria.
À
noite houve culto na igreja batista.
Quarta-feira - Dia 14 de março
Após
participarmos do café comunitário, iniciamos a descida pelo rio até aldeia
Fortaleza saindo da aldeia Bom Jardim às 9h14. O clima estava muito agradável e
o céu, nublado. Sem sol, à beira do rio estava um ambiente bastante fresco.
Passamos pela aldeia Santo Antônio às 9h17. Aldeia situada à margem esquerda do rio, cuja localização
é 3°47_10_ S 56°48_43_ O.
Passamos pela aldeia Kuruatuba às 9h24. Situada à margem direita do rio, sua localização no GPS é 3°46_28_ S 56°48_35_ O.
Depois
foi a vez de passarmos pela aldeia Novo Airão às 9h46. Também situada à margem
direita do rio, sua localização é 3°46_6_
S 56°48_27_ O.
Às
10h02, passamos pela aldeia São Raimundo, outra situada à margem direita do
rio. Sua localização: 3°43_56_ S 56°47_32_ O
Finalmente
às 10h17 chegamos no porto da aldeia Fortaleza. Sua localização: 3°42_58_ S 56°47_12_ O. Também à margem direita do rio
Andirá.
Novamente na aldeia
Fortaleza
Ao nos
aproximar da aldeia Fortaleza, escutamos o som de música. Isto indicava um
ambiente de festa na aldeia. O motivo é a cerimônia da tucandeira. Ao chegarmos
já vi que as crianças estavam pintadas de preto, principalmente o rosto e as
mãos. Usam jenipapo como tinta.
Vi
também que estavam preparando uma luva, pintando-a para a cerimônia. A luva
nova é pintada de vermelho do colorau (urucum) nas bordas.
Outro
grupo estava em mutirão fazendo limpeza, cortando o capim alto em volta da
aldeia com facão ou terçado.
Visitamos
a capela, que fica um pouco afastada da aldeia, é de madeira e está um pouco
abandonada. A capela é grande: 8 por 16 m. É coberta com telha de zinco. Tempos
atrás deu um vendaval e danificou um pouco o telhado. O piso é de terra batida.
Estão querendo fazer um novo piso de cimento. Além de alguns furos no teto
feitos pelo vendaval, o telhado não foi bem feito, ou seja, a junção entre as
duas águas está com problemas e deixa passar água, por isso chove dentro. Na
parede do fundo há um crucifixo grande e alguns cartazes. A igreja não é
pintada e tem um pequeno sino. Está sendo pouco usada. As celebrações
normalmente têm sido feitas na escola. O catequista se chama Francisco Carvalho
de Souza. É irmão do “tu i çá”.
A capela
Vista interna da capela
Visitamos o cemitério. Não dá para perceber que é um
cemitério. Fica no meio das árvores e não há nenhum sinal de cova ou sepulcro.
Disseram-nos que colocam uma cruz de madeira quando enterram alguém, mas depois
que apodrece não a repõem.
Depois visitamos o “tu i çá” Didico Carvalho de Souza. Ele
estava em Barreirinha, quando estivemos ali na segunda-feira. É cacique há 32
anos.
O cemitério
O
ritual da Tucandeira[26]
Os
Sateré-Maué mantêm a tradição de realizar o ritual da tucandeira. Atualmente só
as aldeias católicas realizam este rito. As aldeias batistas não o realizam
mais. Não consegui descobrir exatamente o porquê. O ritual consiste em um
adolescente ou jovem ou mesmo adulto enfiar a mão numa luva de palha com muitas
formigas atadas e dançar abraçado com pessoas da aldeia. A formiga usada é a
tucandeira, que tem um ferrão que ferra muito doído – a dor dura 24 horas,
segundo dizem. Quem começa, deve fazer 20 vezes e não somente uma.
Há
muito mito sobre esta cerimônia. A primeira coisa é que não é um rito de
passagem, como muitos acham e dizem. Por exemplo: o site Planeta Selvagem
afirma falsamente que “Algumas tribos de índios brasileiros, como a
dos maués, submetem seus adolescentes a um rito de iniciação sexual que
consiste em expô-los, a fim de testar sua valentia, às terríveis picadas da
tocandira. Só os jovens que resistem à prova, por volta
dos 14 anos de idade, são tidos por emancipados e aptos para o casamento”.[27] Isso não é o que ouvi dos
Sateré-Maué. Talvez no tempo passado fosse um rito de passagem, mas no presente
o não é. Nenhum adolescente ou jovem é obrigado fazer. Se não fizer não há
qualquer castigo ou desprezo. O nosso piloto Dicarmo só aguentou até a 5ª vez.
Como teve uma reação forte, provavelmente alérgica, desmaiou. Por isso não pôde
continuar.
Fazer
toda a cerimônia completa da tucandeira tem um significado também para a saúde
do homem. Para os Sateré-Maué, quem faz a experiência por 20 vezes se torna um
homem mais forte, mais resistente à dor e às doenças em geral. Torna-se um
caçador e um homem verdadeiro e forte. Torna-se mais esperto, mais trabalhador
e não tem preguiça, porque a ferrada da tucandeira é um antídoto para tudo isso
e cria anticorpos na pessoa.
É
proibido uma mulher tocar no candidato depois que ele enfiar a mão na luva pela
primeira vez até a 10ª vez. Não pode nem tocar na mão para cumprimentar e
nem dançar tocando nele. O motivo é que de acordo com a mitologia e tradição
Sateré a tucandeira tem origem na mulher. Se uma mulher tocar no candidato, a
formiga fica com ciúme e vai ferrar mais profundamente para provocar uma dor
maior. A mulher pode dançar junto enquanto está acontecendo a cerimônia, mas
deve pegar no braço ou na mão dos outros que estão dançando e nunca na mão ou
no braço do candidato. Quando o candidato é casado, ele tem que se afastar da
sua esposa até a 10ª vez. Deve ficar inclusive em outra casa.
Após o
candidato colocar a mão nas luvas pela 10ª vez, ele é riscado no ombro e peito
com um dente de paca ou unha de tatu-açu. Chega a sair sangue e isto é visto
como um troféu. Tira-se sangue para mostrar que o sangue velho e ferroado com
veneno da tucandeira vai sair e vai ser formado o sangue novo de uma pessoa
forte e rígida. É dito que assim como a mulher para se purificar tem a
menstruação, ou seja, perde sangue, o homem também deve perder seu sangue para
ser purificado do veneno injetado pela tucandeira.
Depois
de fazer as 20 vezes previstas, o candidato pode continuar fazendo. Por
exemplo: o “tu i çá” Didico da aldeia Fortaleza fez 52 vezes. Encontrei um
senhor que tinha feito 48. O professor Henrique fez 47 e meia. Perguntei se ele
iria completar as 48 vezes. Ele disse que não, porque sua idade não permitia
mais. Quando faz numa mão só – como seria desta vez – é considerada meia vez.
Quem
vai enfiar a mão na luva com formiga pela primeira vez tem que fazer um certo
regime que dura até a 19ª. Não pode comer carne de caça, carne vermelha, carne
de boi e de peixe. Mas pode comer carne de galinha. Depois que é picado a
primeira vez deve comer castanha-do-pará ou castanha de caju. Também é
utilizado torrar a formiga e dar para o candidato como alternativa para o jejum
da carne e de peixe. O candidato que vai fazer a primeira vez deve usar uma
touca ou espécie de chapéu como proteção para evitar queda de cabelo. Se não
usar a touca ou chapéu, corre o risco do cabelo cair e ele pode ficar
careca.
O ritual na aldeia Fortaleza
As formigas, capturadas no mato, foram adormecidas em água
misturada com suco de folha de caju. Depois atadas na luva com o ferrão bem
saliente na parte interna da luva. A maior parte do corpo da formiga fica do
lado de fora.
As formigas amarradas na luva
Como
tinha muita areia e o chão estava muito seco, o que faria levantar pó, foi
jogada água para deixar o solo um pouco mais molhado ou úmido para evitar
poeira enquanto se dança.
Enfiaram dois paus verticalmente e amarraram horizontalmente
um pau atravessado, ligando os dois paus verticais. O pau horizontal foi tirado
de uma árvore chamada tachizeiro, que é conhecida como árvore da formiga. O cacique colocou a plumagem na ponta da luva e depois a
atou no pau horizontal.
O rapaz que fez a prova se chama Anedilson Batista Menezes. Está
com 18 anos e já fez a experiência 21 vezes. Esta será a 22ª vez, ou melhor,
será a 21ª e meia, visto que só colocará uma luva e só é contada meia. É
solteiro. Ele vai colocar só uma luva porque só foi preparada uma, visto que
era uma apresentação para nós e ele já tinha feito mais de 20 vezes.
Antes de começar amarraram no joelho do rapaz uma espécie de
chocalho para quando for dançar fazer barulho.
O candidato à prova: Anedilson Batista Menezes
Chegou um rapaz tocando uma espécie de flauta. O som é
semelhante ao de uma sirene de navio. A flauta chama-se Huhu (o H é aspirado,
ou seja, um “r” bem fraco). O huhu era tocado pelos ancestrais. É tocado para
ir buscar a formiga e para avisar que a cerimônia vai começar.
O ritual começou às 16h10. Primeiro foi tocado o huhu.
Depois o Anedilson foi onde estava a luva com as formigas, pegou a luva,
ergueu, deu umas respiradas fundas e a entregou ao condutor do ritual. Este
enfiou na mão do rapaz. Pela contração do rosto, dava para perceber que a dor
era intensa. Ele começou a girar em torno de si batendo o pé. Depois o condutor
se aproximou e pegou no braço do rapaz. Em seguida o cantor também se aproximou
e pegou no outro braço. Começaram a dançar juntos batendo o pé. Em seguida
passaram a rodar em torno dos paus verticais e horizontal. Depois se juntaram
mais dois rapazes e algumas crianças, inclusive meninas.
O
segundo a fazer a prova foi o Ademilson Reis Bulcão. É casado está com 26 anos
e tem duas filhas. Com esta é a 25ª vez que ele enfia mão na luva cheia de
formiga tucandeira. Ele é professor na escola da aldeia.
No
final o cacique tomou a luva colocou na ponta de uma vara e a içou fora do
salão. As formigas ficaram ali até morrer.
Indo até a aldeia Vila Nova
A
aldeia Vila Nova tem como localização: 3°39_18_
S 56°47_46_ O.
Dormimos
ali nesta aldeia.
Quinta-feira - Dia 15 de março de 2018
Tomamos
café na casa do cacique. Durante o café conversamos muito sobre a situação
indígena no Brasil em particular sobre os problemas que os Sateré-Maué têm
enfrentado principalmente nas áreas da educação e saúde.
DESCENDO O RIO ATÉ A ALDEIA LIMOAL
Nosso
objetivo do dia era chegar até a aldeia Limoal, que é a primeira aldeia
Sateré-Maué subindo o rio Andirá no Estado do Pará. Foi-nos colocada à
disposição uma rabeta, cujo piloto seria o Jacó Miquiles, ou seja, o próprio
“tu i çá” da aldeia Vila Nova.
Iniciamos
a nossa viagem rio abaixo às 10h25. Na rabeta estávamos em quatro: Jonas,
Leonardo, Jacó e eu.
A
temperatura estava bem agradável e o céu, quase totalmente nublado. De cara já
deu pra perceber que rio tinha bem menos paus do que lá pra cima. Como o
movimento é maior, há mais gente para cortar os paus e árvores que caem no rio.
Ambas as margens são cobertas por mata em toda a extensão do rio Andirá, tanto
pra cima como pra baixo da Vila Nova
Aldeia Kutiponte
Aldeia Monte Oliveira
Às 11h19 paramos aldeia Monte Oliveira para uma visita. Situada à margem esquerda do rio Andirá, sua localização
é 3°36_31_ S 56°49_42_ O. Está a 10,8
km da aldeia Vila Nova.
Esta aldeia é bastante nova. Foi fundada em janeiro deste ano. São
quatro famílias que estão morando nesta aldeia, todas provenientes da aldeia
Novo Ayrão. O cacique se chama Maédio de Oliveira. Ele tinha saído para
levar as crianças para a escola na aldeia vizinha. Conversamos com a esposa
dele e com mais alguns moradores.
Chamou-nos a atenção a existência de um
galinheiro tradicional feito com folha de palmeira e em forma de cone. Foi-nos dito
que dentro há poleiros e que um animal predador não consegue entrar
para comer das galinhas.
Aldeia Campos
Prosseguimos a viagem às 11h32. Quase 1 km abaixo está a aldeia Campos. Situada à margem direita do rio, sua
localização é 3°36_13_ S 56°49_38_ O. Está 11,6 km distante da
aldeia Vila Nova. Moram na aldeia 48 pessoas de 11 famílias. Chegamos ao porto da aldeia às 11h38.
Fizemos uma parada para uma visita. No rio havia algumas
crianças nadando brincando e uma mulher lavando roupa. Tivemos que caminhar uns
300 metros para chegar até a aldeia.
Ao chegar, vimos que estavam entregando cestas básicas. Estas eram
entregues para pessoas doentes e aposentadas, segundo nos disseram. Na primeira
casa havia um senhor que estava fazendo uma espécie de cadastro. Havia várias
pessoas em fila esperando a vez para se cadastrar. Eu o cumprimentei e me
apresentei como bispo de Itaituba. Ele me perguntou: “de Itaituba?” Respondi:
“sim”. Ele me perguntou: “Então você é muito conhecido nessa cidade?” Respondi
que sim. Ele ficou quieto. Percebi que ele não queria papo.
Conversamos
um pouco com alguns moradores e nos encontramos com o cacique da aldeia Monte
Oliveira. Ao retornar para o porto, vi que o homem do cadastro tinha sumido e
que não havia mais fila. Fiquei com a nítida impressão de que minha presença
ali o incomodou.
Foz do igarapé do Arco
Passamos
pela entrada (foz) do Igarapé do Arco. Sua localização: 3°36_13_ S 56°49_38_ O, este igarapé é afluente da
margem direita do rio Andirá. Neste igarapé há as aldeias Santa Maria do Arco e
Santa Cruz. A aldeia Santa Cruz será a última a visitarmos, mas não será
subindo o igarapé do Arco e sim indo a pé desde a Vila Nova.
Aldeia Kukuí
Passamos, sem parar, pelo porto da aldeia Kukuí às 12h28.
Está localizado no ponto do GPS 3°34_30_ S 56°50_1_ O e 16,2 km de
Vila Nova. Fica na margem direita do rio.
Abaixo
da Kukuí, o rio Andirá tem uma correnteza bem lenta. Também o rio é mais largo.
É a influência do rio Amazonas, que represa a água. É mais plano consequentemente
que sem muita queda. Só dá para perceber que a água está correndo quando tem
uma planta ou pau dentro da água.
Aldeia Vista Alegre
Às
12h40 passamos, sem parar, pela aldeia Vista Alegre. Sua localização: 3°34_7_ S 56°50_16_ O. Situada à margem direita do rio.
As 12h41 entramos num furo para encurtar um pouco o nosso
caminho.
As 12h51
passamos pela entrada do igarapé Aracu. É a entrada para as aldeias Marapatá e
São Marcos. Localização: 3°33_29_
S 56°51_35_ O
Terra Prometida
Em frente está a aldeia Terra Prometida. Localização: 3°33_27_ S 56°51_34_ O.
É uma
aldeia nova. Situada na margem direita do rio Andirá. Também passamos direto
sem parar.
Aldeia Torrado
Chegamos
no porto do Torrado às 13h06. Localização: 3°32_33_
S 56°51_44_ O.
Fizemos uma parada para visitar a aldeia e combinar a nossa
visita oficial no dia seguinte. A aldeia está situada no alto distante 300 m do
rio. A subida é de 31 m.
Porto da aldeia Torrado
Barcos da linha Parintins e Barreirinha
Estava
ali no porto o cacique da aldeia São Marcos que é o Alício Batista Miquiles.
O
Torrado é o porto onde os barcos de Parintins e Barreirinha atracam. Havia
cinco barcos atracados, cujos nomes eram: Pai Edgar, Kauã Henrique, Vitor
Leonam, MF Guimarães e C.P.S.M.
Logo
encontrei um palmeirense. Ele me disse que a maioria dos moradores da aldeia
torce para o Palmeiras, inclusive que o time da aldeia se chama Palmeiras.
Toquei no assunto, porque vi pintado numa casa o escudo do Palmeiras, como se
pode ver na foto.
Há
vários pés de guaraná.
A
aldeia Torrado tem uma mulher como Tuxaua, é a dona Santa Batista.
Há 22
famílias e 112 moradores, sendo 35 crianças.
Aldeia Ponta Alta
Atracamos
no porto da aldeia Ponte Alta às 14h48. A localização do GPS indicava: 3°32_2_ S 56°51_52_ O. A aldeia, situada à margem
direita do rio, fica distante da margem e deve-se subir uma ladeira muito longa
e íngreme. Como o Leonardo queria dar um aviso para o cacique, ele e o piloto
foram até a aldeia. O Jonas e eu ficamos numa sombra à beira-rio esperando eles
voltarem.
Aldeia Limoal
Chegamos às 15h39 no porto da aldeia Limoal. Para chegar até a aldeia tivemos que
subir uma ladeia de uns 400 m, mas que não é muito íngreme. Sua
localização: 3°31_15_ S 56°52_6_ O
Em 1964 o local começou a ser utilizado como porto. Mas como
aldeia oficialmente foi fundada em 1993. Vilson Menezes é considerado seu
fundador. Ele plantou muitos limoeiros e outras frutas. Na hora de dar nome
para aldeia, devido ao grande número de pés de limão, deram o nome de Limoal.
Ainda hoje há vários limoeiros. Tem 15 famílias e 82 moradores. A escola e uma
igreja estão em construção. A igreja é de tijolos. Tem quatro professores e um
agente de saúde. É a primeira aldeia Sateré-Maué no estado do Pará subindo o
rio Andirá.
O “tu i çá” chama-se Zenilton José da Silva. Ali mora a
Gecivânia Carvalho que esteve na reunião da Repam em outubro do ano passado.
Ela morava na aldeia Santo Antônio, mas se mudou para o Limoal no início deste
ano.
Fomos
até o salão comunitário. Ali conversamos e por fim comecei a mostrar para as crianças
alguns vídeos que eu tinha no computador, principalmente de onças pegando
jacarés, pescarias, cobras e outros animais. Todas vibravam!
Numa das casas encontramos um gavião real que eles tinham matado e
empalhado. Eu nunca tinha visto um gavião daquele tamanho. Para se ter uma
ideia do tamanho da sua envergadura, o Jonas fez uma pose com os braços aberto
para uma foto.
À noite rezei missa na capela em construção com boa participação.
Um rapaz tocou teclado para animar os cânticos. A capela é dedicada a Nossa Senhora
do Carmo. Havia uma imagem que estava rachada. Por isso levei uma nova e maior.
Benzei a imagem e entreguei à comunidade.
Ficamos
numa casa de uma família. Também desta vez não houve problemas com as redes.
Sexta-feira - Dia 16 de março
Tomamos café e conversamos sobre a situação atual do povo
Sateré-Maué, sobretudo a respeito das dificuldades na educação e saúde, pontos
fracos em todas as aldeias. Durante a conversa ficamos sabendo que a Sesai estava
entregando cestas básicas. As cestas são para pessoas idosas, mulheres grávidas
e doentes. É a primeira vez que estão fazendo isto.
Devíamos sair da aldeia Limoal logo
após o café, mas enquanto estávamos tomando café e conversando, começou a
chover. Foi uma chuva forte e prolongada. A chuva fez com que atrasássemos a
nossa saída. A missa na aldeia Torrado devia ser às 9h, mas só pudemos sair
após às 9h30.
Missa na aldeia Torrado
Quando
chegamos no Torrado, fomos direto para a capela. Estava vazia. Também ali havia
chovido muito. Foi tocado o sino e o povo foi chegando pouco a pouco. A missa
foi muito animada. Os cantos em sua maioria foram em Sateré.
Dei de presente para a comunidade uma imagem de Santa
Teresinha do Menino Jesus como exemplo concreto de alguém que tinha devoção ao
Menino Jesus, visto que a comunidade tem como padroeiro o Menino Deus ou Menino
Jesus.
Após a missa almoçamos e conversamos com os professores e mais algumas pessoas sobre a cultura e costumes dos Sateré-Maué. O professor Olindo Andrade Monteiro, que é flamenguista nato e fanático, disse que não concorda que o Sateré sejam “mawé”. Em outras palavras, ele não concorda que os Sateré sejam “papagaio falante” (= tradução da palavra mawé). Para ele, a palavra “mawé” do nome Sateré-Maué significa “mal é”, porque os Sateré eram muito guerreiros, belicosos e valentes.
Saímos
de Torrado às 16h14. O objetivo era subir o rio até a Vila Nova, mas ir
visitando aldeias.
Aldeia Terra Prometida
Chegamos
à aldeia Terra Prometida às 16h25 para uma pequena visita. É uma aldeia
Batista.
Situada na margem direita do rio, sua
localização é 3°33_27_ S 56°51_35_ O. Fica distante 220 m da margem do rio e tem uma subida ou um aclive
de 33 m.
Vivem ali 72 moradores e 17 famílias. Esta aldeia é bastante nova,
não tem um ano, visto que foi fundada no dia 24 de abril de 2017. Os moradores são provenientes da aldeia Marapatá. Aldeia já tem
uma escola com quatro professores. O cacique é o senhor Rosário
Batista.
Aldeia São Marcos
Chegamos na aldeia São Marcos às 17h05 para uma rápida visita. É uma aldeia católica.
Localização: 3°34_19_ S 56°51_47_ O.
Situada
na margem esquerda do igarapé Aracu. Deve-se subir uma ladeira íngreme de 130 m
e 38 m de altura. Tem 10 famílias e 48 pessoas. Aldeia foi fundada em 1995. O
fundador é senhor Alício Batista Miquiles. A capela está em construção.
Aldeia Marapatá
Chegamos
na aldeia Marapatá às 17h46 para uma pequena visita. É uma aldeia católica.
Localização:
3°34_4_ S 56°51_46_ O.
Aldeia
situada à margem esquerda do igarapé Aracu. Tem como padroeira Santa Maria.
Celebram sua festa dia 1º de janeiro. São nove famílias e 46 moradores. Deve
ter sido fundada em 1970. O fundador foi o tuxaua Paulo Garcia. O atual “tu i
çá” é Isaac Carvalho Miquiles.
A capela, dedicada a Santa Maria, está em construção. Tem o
telhado e as paredes do lado direito e do lado esquerdo. As paredes do fundo e
da entrada ainda não foram erguidas assim como o piso não foi feito. O
catequista se chama Luzenildo Garcia.
Escola
Saímos às 18h09, ainda estava claro, mas aos poucos foi
escurecendo até ficar totalmente escuro. O fato de haver mata cerrada em ambas
as margens, aumenta a escuridão.
A uma
certa altura, quando passávamos por um pedral, algo pulou dentro da rabeta e
começou a se debater bem junto dos meus pés. Instintivamente ergui as pernas e
foquei a lanterna. Era um peixe piau. Uns dois minutos depois outro piau saltou
dentro da rabeta. Desta vez era maior do que o primeiro. Ficamos na expectativa
de que outros pulassem, mas a nossa torcida não funcionou.
Chegamos
às 20h37 em Vila Nova. Jantamos os dois piaus e fomos dormir, porque estávamos
muito cansados.
Sábado
- Dia 17 de março
Enquanto estávamos tomando café na casa do cacique geral, apareceu
um senhor que iria plantar “Pau-rosa”. Pau-rosa é uma árvore que produz uma
essência usada em perfumes. Por exemplo: é uma das matérias-primas do famoso perfume francês Chanel n° 5 e de
vários perfumes europeus e americanos. “Devido
aos riscos de extinção, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais (Ibama) condiciona os extratores de óleo de pau-rosa a fazer a
reposição de mudas segundo quantidade exportada, sendo 80 mudas para cada
tambor de 180 kg de óleo exportado; e condiciona o corte de seus troncos, na
Amazônia, a 50 cm do solo, para que haja rebroto. Entretanto, o Ibama calcula
que, entre 2003 e 2008, as exportações do pau-rosa tenha sido cerca de 500%
maiores que as permitidas” (Wikipédia).
Os
Sateré produziram muito óleo do pau-rosa no passado, ou seja, até a criação do
Parque Nacional da Amazônia. Com isso o escoamento não poderia mais ser feito e
assim foi deixada atividade de lado. Agora estão retomando seu plantio e exportação.
Visita
à aldeia Santa Cruz
Saímos a pé às 9h21 rumo a aldeia Santa Cruz, a última a ser
visitada. A previsão era de 2 horas de caminhada. Estávamos em cinco: o
Leonardo, o Jonas, o capitão Welinton, sua esposa Ada e eu. A Ada é nascida na
aldeia Santa Cruz e sua mãe ainda vive ali.
Passamos
por uma plantação de pau-rosa, açaí, cumaru, andiroba e outras plantas. Tudo é
plantado dentro da própria mata. É feita uma roçada e vai-se plantando as mudas
das árvores em fila. O pau-rosa é plantado a uma distância de 5 m entre uma
muda e outra. Em cada fila planta-se de 100 a 150 mudas.
Chegamos, bastante suados, na aldeia Santa Cruz às 11h17. Tivemos que subir 3 ladeiras bastante íngremes. A última subida foi mais ou menos de 1 km com um aclive de 67 m. Localização: 3°38_20_ S 56°45_31_ O. Está situada na margem direita de um braço do igarapé do Arco. A distância percorrida foi em torno de 6,5 km.
Deu para aguentar bem a caminhada, apesar das 3
ladeiras. Na última, parei 3 vezes para tomar fôlego.
Vista parcial da aldeia Santa Cruz
Ao chegar, encontramos o professor Henrique da aldeia Fortaleza.
Em seguida encontramos a dona Catarina que tem 76 anos e é a mãe do “tu i çá”. Almoçamos na casa dela. Tinha feijão com carne e farinha de
mandioca. Estava muito gostoso. Mas antes do almoço foi-nos oferecido duas
cuias de guaraná para beber. Foi o guaraná autêntico e não o refrigerante. Eu
me senti mais revigorado depois de tomar o guaraná.
Após o almoço fomos tomar um banho no riachinho. Foi muito
refrescante e gostoso. Pra chegar no local tivemos que descer uma ladeira muito
íngreme e longa. E foi maravilhoso ver que havia muitos peixinhos. Para subir
ladeira fiz três paradas, como de costume.
Após o banho choveu muito e nós aproveitamos para dar uma boa
repousada na rede. Ficamos na casa do professor Henrique. Ele dá aulas na
aldeia Fortaleza e nos finais de semana vai para a aldeia Santa Cruz, onde
continua morando sua esposa.
Segundo uma versão que ouvi, esta aldeia foi fundada no século XIX
após a revolta da Cabanagem. Mas parece que esta informação carece de
fundamento histórico. É certo que os Sateré-Maué participaram da Cabanagem e
que depois foram perseguidos e tiveram que sair da região de Parintins e subir
o rio Andirá. Segundo esta versão, a aldeia Santa Cruz pode ter sido a primeira
aldeia fundada no alto Andirá.
Já foi uma aldeia muito importante. Hoje está um
pouco esvaziada. No passado era a única que tinha escola. Por isso foi uma
aldeia com bom movimento e que atraiu muitos de outros lugares. Depois os
professores locais passaram a dar aula também nas outras aldeias. Com isso
houve um esvaziamento da aldeia Santa Cruz. No ano passado foi aldeia que mais
produziu guaraná em todo o Andirá. No momento só nove famílias estão morando na
aldeia Santa Cruz.
Antiga capela
Janela para a nova capela
A
aldeia possui um motor para produzir energia elétrica, mas também possui duas
bombas para puxar água do igarapé. A água é para todos e algumas casas tem água
encanada.
É uma das poucas aldeias que tem um rádio para se comunicar
com a Funai e com as outras aldeias.
Esta
aldeia comemora a sua festa no dia 14 de setembro, ou seja, no dia da festa da
Exaltação da Santa Cruz. Mas os festejos começam já no dia 10. Entre outras
coisas fazem bingo, leilão e outras atividades. No bingo colocam prêmios tais
como: dinheiro, telhas de Brasilit, bicicleta, fogão, rede, macaco e frango
assados, jabuti vivo e outros animais. No bingão do ano passado os 5 prêmios
foram: uma rede, um fogão de mesa, R$ 500, uma bicicleta e R$ 1.000.
Depois
da festa eles fazem um grande mutirão de limpeza. Proibiram soltar foguetes
porque, segundo eles, a fumaça provoca uma epidemia de gripe entre os
indígenas.
O
padre italiano Henrique Uggé chegou a primeira vez nesta aldeia em 1972. Ele,
para ajudar os indígenas, promoveu a educação e a saúde. Construiu uma escola e
uma capela.
Celebrei a missa às 17h na nova capela Santa Cruz, que está
em construção – falta os acabamentos. Todos os moradores participaram. Um
grupo, inclusive com duas crianças, sustentou bem os cantos. Após a missa distribuímos
pirulitos e balas doces para todos.
Nova capela
Jantamos um frango com arroz e farinha, na casa da mãe do “tu i çá”. Depois ficamos por um bom tempo conversando. Foi-nos
oferecido várias vezes guaraná.
Dormimos
na casa do professor Henrique. Não havia pernilongos ou carapanãs.
Domingo
- 18 de março de 2018
O
último dia da nossa estada entre os Sateré-Maué amanheceu chuvoso. Assim
tivemos que esperar a chuva parar. Por isso só nos foi possível sair às da
aldeia Santa Cruz às 9h50. Novamente teríamos que vencer a pé os 6,5 dentro da
mata. Porém, desta vez não teríamos nenhuma ladeira para subir e sim só para
descer.
Chegamos
na Vila Nova às 11h26. A volta foi mais rápida: 1 hora e 36 minutos. As pernas
já mostravam sinais de mais cansaço do que no dia anterior.
Como
na aldeia há um telefone público, fui telefonar para a Marilza Farias,
secretária da Prelazia, para que ela avisasse o piloto do avião que ele poderia
vir antes da hora combinada. Tínhamos acertado para ele vir nos buscar às 15h.
Ela me disse que estava chovendo muito em Itaituba.
Na volta do telefone até a casa do cacique geral, vi numa
casa um jogo de camisa do Palmeiras no varal. Parei para tirar uma foto.
Procurei me informar e descobri que na aldeia Vila Nova há um time de futebol
chamado Palmeiras. É um time das equipes femininas. Portanto, Palmeiras é um
time conhecido aqui no alto Andirá. Só para recordar, lá no Torrado também há
um time chamado Palmeiras. Senti orgulho do meu time do coração. A dona do time
chama-se Orlândia Miquiles. Prometi mandar-lhe uma toalha do Palmeiras. Tirei
uma foto da dona do time.
Orlândia Miquiles
Após o almoço, visitei o posto de saúde da aldeia Vila Nova.
Encontrei a enfermeira Vanessa Santos e a técnica Leideneze Tavares. Ambas são
de Parintins.
Às
14h30 fomos até o campo de pouso esperar o avião. Pelo menos a metade da
população da aldeia nos acompanhou. Havia muitas crianças e adolescentes. Como
o avião demorava chegar, ficamos impacientes e temerosos de que poderia não vir,
visto que estava chovendo muito em Itaituba. O cacique geral Cândido e o
cacique da aldeia Bom Jardim queriam ir junto, se houvesse lugar no avião.
Finalmente
pelas 16h40 escutamos o barulho do avião. Foi um alívio!
Quando
conversamos com o piloto sobre a possibilidade do cacique geral e do “tu i çá”
irem juntos, ele foi enfático e direto: “Não dá! A pista é curta e está
segurando muito o avião na hora da decolagem. É arriscado a gente bater nas
árvores”. Assim não foi possível os dois irem junto conosco.
Levantamos
voo às 16h51. A viagem demorou 32 minutos. Foram 135 km da Vila Nova até
Itaituba. Viajamos numa velocidade média de 253 km.
[1]
Vou usar a grafia Maué (com “u”) e não Mawé (com “w”), porque estamos no Brasil
e falamos Português. Com “w” seria aceitar a influência da língua inglesa em
que o “w” se pronuncia com “u”. O Pe. Henrique Uggé, que trabalha há década com
os Sateré-Maué, usa o “u” em seu livro “As
bonitas Histórias SATERÉ-MAUÉ”. Evidentemente que nas citações manterei a
grafia original.
[2] Os
participantes foram: Cândido Dias de Oliveira
(cacique geral), Leonardo Martins e Jaime Batista (aldeia Vila Nova); Gecivane Carvalho
Menezes (aldeia Ponte Alta); Dídico Carvalho (cacique da aldeia Fortaleza);
Gaspar Cristino de Souza (cacique da aldeia Terra Preta); Maédio de Oliveira (aldeia
Novo Airão); Samuel Batista (cacique da aldeia Bom Jardim); Paulo Batista (aldeia
Alegria no rio Uaicurapa) e Daniel Oliveira de Souza (cacique da aldeia Conceição).
[3] No Brasil, há dois grandes troncos linguísticos:
o Tupi e o Macro-Jê. Além disso há 19 famílias linguísticas que não podem ser agrupadas
em troncos. Também há famílias de apenas uma língua, comumente chamadas de “línguas
isoladas”, por não se revelarem parecidas com nenhuma outra língua conhecida.
[4] A Língua Geral
no Amazonas deu origem no século XIX ao Nheengatu, que ainda é falado no alto Rio
Negro.
[5]
A Cabanagem ou Guerra dos Cabanos foi a revolta popular ocorrida durante o Império do Brasil na Província
do Grão-Pará. A revolta se estendeu pelos atuais estados do Pará, Amazonas, Amapá,
Roraima e Rondônia. Começou dia 6 de janeiro de 1835 e terminou em 1840. Os índios
e mestiços tiveram uma participação significativa na insurreição. Cerca de 40 mil pessoas morreram nos conflitos da Cabanagem, em sua
maioria índios e escravos. Os povos que mais sofreram foram os Mura e Maué.
[6]
TEIXEIRA, Pery (org.). Sateré-Mawé: Retrato
de um Povo Indígena. Manaus, 2005, p. 22.
[7] Cf FIGUEROA,
Alba Lucy Giraldo. Guaraná, a máquina do tempo
dos Sateré-Mawé. Boletim do Museu Paraense
Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 11, n. 1, p. 55-85, jan.-abr. 2016. DOI:
<http://dx.doi.org/10.1590/1981.81222016000100005.>
[8]
FIGUEROA. Guaraná, a máquina do tempo,
p. 55.
[9]
FIGUEROA. Guaraná, a máquina do tempo,
p. 57-61.
[10]
Colhidos on line: <https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3580>
(07/12/2017).
[11]
On line: <http://amazoniareal.com.br/aldeia-satere-mawe-preserva-cultura-com-ritual-da-tucandeira/>
(07/12/2017).
[12] PRAT
André. Notas Históricas sobre as Missões Carmelitas
no Extremo Norte do Brasil. Recife, 1941, p. 243-246.
[14] Dom
Romualdo de Souza Coelho nasceu em Cametá (PA) dia 7 de fevereiro de 1762. Foi ordenado sacerdote
aos 23 nos de idade dia 19 de fevereiro de 1785. Sendo nomeado bispo de Belém dia
28 de agosto de 1820, sua ordenação episcopal aconteceu dia 1º de abril de 1821.
Faleceu aos 79 anos de idade dia 15 de fevereiro de 1841.
[18]
“O Pontifício Instituto
das Missões Exteriores – PIME – é uma comunidade internacional de sacerdotes e leigos
que anunciam o Evangelho de Jesus Cristo ao redor do mundo. Originário de 1850 em
Milão, Itália, o PIME hoje está presente em 18 países, nos cinco continentes. No
Brasil o PIME chegou em 1946 graças ao incentivo do Papa Pio XII, e hoje está engajado
com a Animação Missionária e Vocacional, na Pastoral – nas paróquias onde está presente
– e nos Meios de Comunicação Social através da Editora Mundo e Missão”.
Página oficial do PIME-Brasil.
[19] Até
a data presente todos os bispos da Diocese de Parintins são do PIME.
1 - Dom Arcângelo
Cerqua, PIME (1961-1989)
2 - Dom Giovanni Risatti, PIME (1989–1993)
3 - Dom Gino Malvestio, PIME (1994-1997)
4 - Dom Giuliano Frigeni, PIME (1999- )
[20] “Entre
evangelização e promoção humana, desenvolvimento, libertação, existem de fato
laços profundos: laços de ordem antropológica, dado que o homem que há de ser
evangelizado não é um ser abstrato, mas é sim um ser condicionado pelo conjunto
dos problemas sociais e econômicos; laços de ordem teológica, porque não se
pode nunca dissociar o plano da criação do plano da redenção, um e outro a
abrangerem as situações bem concretas da injustiça que há de ser combatida e da
justiça a ser restaurada; laços daquela ordem eminentemente evangélica, qual é
a ordem da caridade: como se poderia, realmente, proclamar o mandamento novo
sem promover na justiça e na paz o verdadeiro e o autêntico progresso do homem?
Nós próprios tivemos o cuidado de salientar isto mesmo, ao recordar que é
impossível aceitar "que a obra da evangelização possa ou deva negligenciar
os problemas extremamente graves, agitados sobremaneira hoje em dia, no que se
refere à justiça, à libertação, ao desenvolvimento e à paz no mundo. Se isso
porventura acontecesse, seria ignorar a doutrina do Evangelho sobre o amor para
com o próximo que sofre ou se encontra em necessidade" (EN 31).
[21]
Timbó é um cipó tóxico que
possui a capacidade de asfixiar e matar peixes em poucos minutos. A planta também
é conhecida como cururu-apé, guaratimbó, mata-fome, timbó iurari, timbosipo e tingui.
[22]
O termo cacique é o mais usado tanto na língua portuguesa como espanhola
para designar a principal liderança indígena, mas cada grupo indígena
possuía uma denominação e concepção próprias para suas lideranças.
Os Guarani usam a palavra Mburovixá. Os tupis usam morubixaba, murumuxaua,
muruxaua, tubixaba e tuxaua.
[23]
Mercador que
viaja de barco e vende mercadorias aos ribeirinhos.
[24]
Nasceu na Espanha em 1506. Estudou em Paris e foi
um dos primeiros companheiros de Santo Inácio de Loyola na fundação dos jesuítas.
Ordenado sacerdote em Roma, partiu para as missões do Oriente em 1541. Durante 10
anos foi missionário incansável na Índia e Japão. Morreu quando estava indo para
China. Foi beatificado em 1619 e canonizado em 1622. Sua festa é celebrada dia 3
de dezembro.
[25]
Assim o bicho-preguiça é chamado
ali.
[26] A tucandeira (Paraponera clavata) também conhecida como chia-chia, formiga-agulhada, formiga-cabo-verde, formiga-de-febre, formigão-preto, formigão, naná, saracutinga, tec-tec, tocainará, tocandera, tocandira, tocanera, tocanguira, tocanquibira, tocantera, tracutinga, tracuxinga, tucanaíra, tucandeira e outros nomes. Em espanhol: Hormiga bala.
[27]
Planeta Selvagem <http://www.planetaselvagem.com.br/v1/curiosidade/2010/03/a-formiga-mais-mortal-do-mundo.php>
(04/06/2018)
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