sábado, 14 de julho de 2012

Homilia de Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm., na Igreja dos Carmelitas (Karmelitenkirche) em Bamberg, Alemanha



Homilia de Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm., na Igreja dos Carmelitas (Karmelitenkirche) em Bamberg, Alemanha. 15 de julho de 2012.

O jesuíta Pe. Antonio Vieira foi o maior orador de Portugal e Brasil durante o período do Barroco. No dia 16 de Julho de 1659 ele fez um famoso sermão na Igreja do Carmo de São Luís do Maranhão, norte do Brasil.
Sua argumentação começou com uma afirmação do Papa Xisto Quarto: “A formosíssima Virgem Maria, que por virtude admirável do Espírito Santo gerou a Nosso Senhor Jesus Cristo, essa mesma Virgem produziu a Ordem de Nossa Senhora do Monte do Carmo.” O Pontífice usa a palavra genuit (gerou) para Cristo e produxit (produziu) para a Ordem e família carmelitana.
Filho gerado e natural, a Virgem Maria só pode ter um, ou seja, aquele que justamente é Filho unigênito do Pai; filhos, porém, produzidos e adotivos, pode a mesma soberana Mãe ter muitos, e estes são, por especial prerrogativa e filiação, os religiosos carmelitas, aos quais produziu ad extra, dando-lhes o nome e adoção de filhos, e ad intra, que assim se pode dizer, comunicando-lhes e produzindo neles seu próprio espírito.
O pregador português afirma: “A maior excelência que se pode dizer desta sagrada religião é que os carmelitas e Cristo sejam filhos da mesma Mãe. Nem Deus podia fazer mais a Maria, que dar-lhe a seu Filho por Filho, nem Maria podia fazer mais aos carmelitas, que dar-lhes a seu Filho por irmão.”
Dirigindo-se diretamente aos carmelitas disse: “Sois filhos da Virgem Maria, mas que Filhos? Filho do seu entendimento, da sua vontade, do seu juízo e do seu amor. O seu juízo vos preferiu, e o seu amor vos elegeu”. Portanto, para o pregador jesuíta nós, carmelitas, somos filhos de Maria porque o seu amor nos elegeu como tal.
Aqui surge uma dificuldade: Se todos os cristãos e todos os dedicados ao serviço da Virgem são e se chamam verdadeiramente seus filhos, que prerrogativa é esta da Ordem Carmelitana? Se há tantas congregações e comunidades que debaixo do mesmo nome servem e veneram a Mãe de Deus, e os devotos como é que ficam? Se na cruz Jesus deu sua mãe como mãe de toda a humanidade (Jo 19,25-27), como os carmelitas podem ser filhos especiais?
É certo que todos os cristãos, todos os devotos da Virgem, todos os que por instituto se dedicam a seu serviço, debaixo do nome e patrocínio de Maria Santíssima, são e se chamam verdadeiramente filhos de Nossa Senhora. Por isso que prerrogativa é esta da Ordem carmelitana de ser especial?
Pe. Antonio Vieira busca uma explicação nas Escrituras. Aponta que entre os discípulos de Jesus havia um discípulo amado; que Jacó tinha 12 filhos, mas o seu filho especial e amado era José. Assim porque entre os filhos da Mãe de Deus não pode haver filhos especiais?
Por isso ele afirma que os carmelitas são “Filhos COM os demais, mas não são filhos COMO os demais; são com especial eleição, com especial amor, com especial nome, com especial prerrogativa, enfim, com especial filiação.”
Pe. Vieira apresenta uma jerarquia de 3 graus entre os filhos Nossa Senhora. No primeiro grau entram todos os cristãos – todos são filhos; no segundo entram todos os devotos da Virgem; fazem parte do terceiro e supremo grau todos os dedicados a seu serviço numa Congregação ou Ordem. “Mas sobre todas estas jerarquias verdadeiramente angélicas, a especialmente escolhida, e, como escolhida, amada da Rainha dos Anjos, é a sua família carmelitana.”
Pe. Antonio explicita melhor: “De todos os povos, e gentes do mundo escolheu o povo cristão, que são os seus filhos por fé; de todos os cristãos escolheu os seus devotos, que são os seus filhos por afeto; de todos os seus devotos escolheu as congregações que a servem debaixo de seu nome e patrocínio, que são os seus filhos por instituto; e, finalmente, de todos os institutos passados, presentes e futuros, escolheu a Ordem do Monte Carmelo, para que ela fosse a única e escolhida entre todos os outros filhos, e, sobre todos eles, sua; Matri suae, electa genitrici suae. Todos os outros com mais ou menos prerrogativa, e sempre com grande dignidade, são filhos da Virgem Maria; mas os carmelitas são os seus filhos, os seus: Matri suae, genitrici suae.
Qual o motivo para esta predileção e escolha? Afirma o pregador jesuíta: “Digo que foram preferidos os carmelitas pela grande semelhança que esta sagrada religião, desde seus antiquíssimos princípios, teve com Cristo. E era razão que aqueles fossem preferidos na eleição de filhos adotivos, que mais semelhantes e mais conformes eram ao Filho natural. Governou-se a Mãe de Deus neste decreto da sua eleição pelas mesmas idéias das eleições e decretos divinos.”
Assim, de acordo com o pensamento do grande pregador Pe. Antonio Vieira, os carmelitas são filhos especiais de Maria, e foram escolhidos por causa da grande semelhança que a Ordem do Carmo teve com Cristo.
Olhando a história do Carmelo vamos encontrar um grande número de santos e místicos. O Carmelo pode se orgulhar de seus santos e autores espirituais, como Alberto de Trapani, Pedro Tomás, João Soreth, Teresa de Ávila, João da Cruz, Teresinha do Menino de Jesus, Edith Stein, Tito Brandsma, Alois Erhlich, etc.
Em sua carta por ocasião dos 750 anos do Escapulário, o Papa João Paulo II reconhece este aspecto do Carmelo: “Desta espiritualidade mariana, que molda interiormente as pessoas, configurando-as com Cristo, o Primogênito entre muitos irmãos, são exemplo preclaro os testemunhos de santidade e de sabedoria de tantos Santos e Santas carmelitas, os quais cresceram, todos eles, à sombra e sob a tutela da Mãe (n. 6)”.
Mas se no momento atual não houver carmelitas que tenham “grande semelhança com Cristo”, de nada adiantará um passado glorioso. Em outras palavras, o Carmelo deve ter seus santos também nos tempos atuais e não só os do passado.
Este é um dos desafios que a Solenidade de Nossa Senhora do Carmo nos apresenta cada ano: darmos uma resposta positiva ao chamado à santidade na ótica da mística e da espiritualidade carmelitanas.
O carmelita não pode perder de vista a dimensão missionária. Neste sentido os carmelitas de Bamberg podem se orgulhar porque enviaram vários missionários para o Brasil. O ponto de partida deles sempre foi Bamberg e esta igreja dos carmelitas. Estes missionários anunciaram o Evangelho e serviram o povo de Deus principalmente no Estado do Paraná. Um deles, Dom Alberto Foerst, se tornou bispo de Dourados e celebrou recentemente 60 anos de ordenação sacerdotal nesta igreja. Se hoje no Brasil, onde estes missionários trabalharam, há comunidades florescentes e bem estruturadas, nada mais é do que fruto da graça de Deus e do trabalho destes abnegados carmelitas. Muitas pessoas frequentadoras desta igreja sustentaram a missão com orações e economicamente. Estas pessoas não foram enviadas para a missão, mas tinham consciência de que também eram responsáveis. Por isso rezaram muito pelos missionários enviados e fizeram ofertas para o sustento de seus seminários e obras.
Eu sou fruto do trabalho realizado pelos missionários carmelitas alemães. Fui batizado por Frei Ulrico Goevert, o primeiro carmelita enviado nesta igreja para o Brasil. Entrei aos 11 anos no seminário dos carmelitas em Graciosa/Paranavaí. Como meu pai não tinha condições de pagar a mensalidade, os padres disseram: “nós temos o apoio de boas pessoas lá na Alemanha que ajudarão pagar o sustento do seu filho no seminário”. Tal aconteceu. Como padre, mais de uma vez já agradeci nesta igreja a ajuda recebida. Agora, como bispo, quero mais uma vez agradecer o povo alemão, em especial de Bamberg, pela ajuda enviada para os carmelitas do Brasil. Também quero agradecer todos alemães que ajudaram a Igreja no Brasil e na América Latina através das instituições Adveniat, Kirche in Not, Miserior, etc. Sem esta ajuda, provavelmente hoje eu não seria bispo. Por isso, o meu muito obrigado e que Deus vos abençoe e conceda saúde, alegria e perseverança na fé. Como forma de agradecimento a todos os benfeitores já falecidos, estou fazendo uma intenção particular por todos eles nesta santa missa.


6 comentários:

  1. Se me permite, Dom Frei Wilmar,homilia linda e profunda! Parabéns . O senhor agradeceu aos alemães de Bamberg e eu me senti grato aqui em Maringá também. Não sou padre mas muito do que sou dependeu da ajuda financeira e de oração desses amigos tão distantes e da dedicação e carinho dos carmelitas. Obrigado! /Sergio Carneiro

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  2. Realmente quem estudou no Seminário de Graciosa e Paranavaí deve muito ao povo alemão. Eu sou imensamente grato e este povo que ajudou tanto a Igreja no Brasil e América Latina através das instituições Adveniat, Miserior, Kirche in Not, Missio, etc.
    Como é bom ver que ex-seminaristas também reconhecem esta ajuda.
    Que Deus te abençoe, Sérgio!

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  3. Dom Frei Wilmar, tenho agradecer aos alemães sobretudo ao frei Jeronimo pelo meu bastismo. Mas agradecer a todos porque graças a Eles tivemos condições de conhecer, quando estava na ordem, os santos carmelitas como Frei Tito, Teresa Dávila, Teresinha, João da Cruz...como foi bom. Tenho muitas saudades.
    abraço
    Simal

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  4. Prezado Dom Wilmar.

    Lindo seu depoimento.
    Faço minha também suas palavras, e endosso o trabalho dos Carmelitas e dos fiéis alemães.

    Abraços,
    James Luiz Zezak

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  5. Dom Frei Vilmar...

    Linda mensagem e belo agradecimento ao povo alemão... Tambem eu sou grato pela passagem no Seminario de Graciosa.A saudade é imensa vamos nos encontrar novamente será possivel ? movimentamo-nos ok um abraço de gratidão Dr.Irineu Veit Primavera do Leste-MT

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  6. Um carmelita, jamais deixa de sê-lo. Até porque a marca já está entranhada em nosso âmago. Sua feliz homilia é como um retrato de cada um de nós que bebemos um pouco do Carmelo e tentamos diariamente imitar algumas de suas virtudes. Essa tentativa já é um grande passo. Devo muito a você e ao Comissariado, incluindo os muitos leigos e leigas do Brasil e fora dele, pelo QUE HOJE SOU E FAÇO.

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