sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Crismas na Mundurucânia em 2024

 

Visitando aldeias Munduruku dos rios Anipiri, Cururu e Tapajós para Crismas 

– 22 de outubro a 04 de novembro de 2024 - 

 

Relato de Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.

Bispo da Prelazia de Itaituba, PA

 

 

 


 


 

APRESENTAÇÃO

 

Mais uma vez estive na Mundurucânia para realizar Crismas de 22 de outubro a 4 de novembro de 2024.

Novamente foi uma encantadora experiência. A maioria das aldeias eu já conhecia, outras, pela primeira vez.

Uma visita especial foi em vila Pedro Colares por não ser indígena e situada no Estado do Amazonas.

Acompanhou-me o franciscano Frei Sebastián Robledo, que trabalha na Missão São Francisco em todas minhas visitas.

Mais uma vez incluí no relato, além da descrição do que acontecia cada dia, reflexões e informações para torna-lo mais interessante.

Só tenho a agradecer a Deus por mais esta oportunidade de visitar os Munduruku.

 

Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.

Bispo da Prelazia de Itaituba

 


 

 

 

Crismas na Mundurucânia em 2024

 

 

Quando se conta aquilo que nos impressionou profundamente, o coração é que fala; quando se exprime aquilo que outros sentiram ou podem sentir, fala a memória ou a imaginação” 

(José de Alencar, O Guarani)



 

Dia 22 de outubro de 2024 saímos, às 8h34, do aeroporto de Itaituba rumo à aldeia Missão São Francisco no rio Cururu. Éramos 3 passageiros: os franciscanos Frei Sebastián Robledo e frei Amauri, e eu. Mais uma vez o Ney da A.R.T. Taxi Aéreo foi gentil nos levando de graça em um de seus aviões. Ele sempre diz: “É uma forma de colaborar com a missão da minha Igreja!” 

Por que ir de avião? Porque lá só se chega de avião ou de voadeira. De avião são quase duas horas de voo; de voadeira deve-se ir primeiro de carro até Jacareacanga – 400 km distante de Itaituba em estrada sem asfalto pela rodovia Transamazônica BR 230 – e depois viajar na embarcação um dia inteiro, inclusive passando por duas corredeiras muito perigosas nesta época do ano devido à seca.

A aldeia Missão São Francisco foi fundada em 1920 pelos missionários franciscanos e irmãs da Imaculada Conceição de Santarém. Os missionários iniciaram seu trabalho em 1910 na chamada Missão Velha, que fica um pouco acima. Mas ali as terras eram muito baixas e na época da cheia havia muitos problemas. O local atual é “terra alta” e nunca a enchente chega ali.

Conduzidos pelo Comandante Caio Vinicius Santos Ferreira, 26 anos, ajudado pelo copiloto Felipe Castanheira Oliveira, 21 anos, aterrissamos no campo de de aviação da Missão exatamente às 10h30. A viagem foi muito tranquila sem qualquer turbulência. O copiloto Felipe é de Paranavaí. Conheci bem sua família quando trabalhei em Paranavaí de 1985 a 1990. Sua mãe era uma meninota de uns 10 anos. Creio que fez a Primeira Comunhão comigo. Seus pais eram assíduos participantes da Paróquia São Sebastião, onde fui pároco.

Na Missão São Francisco[[1]] trabalham os franciscanos Frei Sebastião[[2]] e Frei Amauri[[3]]. No momento está ali o jovem estudante franciscano Frei Diogo Henrique[[4]].

 

Os missionários: Frei Sabá, Frei Amauri e Frei Diogo

 

 

Dia 23 de outubro - Quarta-feira 

 

Ida até a aldeia Nova Anipiri.

 

O dia começou para nós com a Oração das Horas e a missa.

Após o café, nos aprontamos para ir à Aldeia Nova Anipiri. Essa aldeia é nova. Tem uns dois anos de fundação. Um pequeno grupo, liderado pelo professor Antonio Saw, saiu a aldeia Morro do Kurap e iniciou esta nova aldeia no igarapé (rio) Anipiri. A partir da Missão, para chegar ali é um pouco complicado. Deve-se seguir por uma trilha de 10 km, passando por savana e floresta até a aldeia Tamanqueira. Só é possível fazer este trajeto a pé ou de moto. Dali caminhar 600 m até o Anipiri e depois de voadeira ou rabeta descer o rio por quase uma hora e meia. Nesta época do ano, o problema é que o rio está com pouca água e com muitos paus e pedras à flor da água.

O Frei Sebastián, que os Munduruku chamam de pain Sabá[[5]], está em forma e consegue fazer o trecho a pé sem dificuldades, mas eu, com os meus 100 kg, não aguento. Por isso, ficou combinado que o frade argentino iria a pé e eu de moto.

Antes de levar nossas coisas, o motoqueiro Élcio Wito levou o pessoal da saúde, que também iria para a aldeia Anipiri para vacinar os indígenas. Ao voltar ele avisou o pain Sabá para tomar cuidado porque ele tinha visto uma cobra jararaca das mais venenosas no caminho. Em seguida transportou as nossas bagagens, que seriam as coisas para a missa e nossos objetos pessoais.

pain Sabá saiu a pé pelas 10h e eu saí às 10h50, montado na garupa da moto. Chegamos na Aldeia Tamanqueira às 11h40. O frei argentino tinha chegado uns 15 minutos antes. Durante quase toda a viagem montado na moto fui rezando o Santo Anjo. Tinha enorme medo de cair e quebrar a perna, aliás quando a moto pulava ou rabeava na areia, eu ficava com a sensação de que iria cair e sentia a moto em cima da minha perna. Pra espantar essas sensações só mesmo intensificando a oração do Santo Anjo. Quando cheguei na aldeia Tamanqueira, respirei aliviado e recordei um provérbio italiano que meu pai de vez em quando repetia: A caval de un porco grasso” (A cavalo num porco gordo), para dizer que não havia segurança.

Na foto até estou tranquilo, mas por dentro o medo... Só não me sujei.

Para ir até o igarapé Anipiri, caminhamos 600m passando por um capinzal e um trechinho no mato. A maior parte deste trecho é uma lezíria do Anipiri, ou seja, terreno que alaga durante o período da enchente. É por isso que a aldeia não está à beira do rio. No entremeio, tivemos que passar por um riachinho onde há uma árvore caída, que serve de pinguela. Como o tronco é um pouco estreito, tive que utilizar uma vara comprida para me apoiar. Quase caí, porque após o córrego havia capim e a terra era barro fofo. A vara afundou e eu quase perdi o equilíbrio.

Ao meio-dia saímos na voadeira pilotada pelo professor Antonio Saw. Na proa ficou um menino chamado de “proeiro”, porque deve indicar o caminho para o piloto. Ele avisa onde há pau e onde é muito raso. Uma vez ele se descuidou e a voadeira bateu num pau. Felizmente não houve grandes problemas.

Às 12h58 passamos pela aldeia Uoixaximá, que também é uma aldeia nova. Está situada à margem direita do igarapé Anipiri e a 16,6 km da aldeia Tamanqueira. Por enquanto há ali apenas uma família que saiu da aldeia Caroçal do Cururu. Mas esta aldeia tem rádio, coisa que a Tamanqueira e Nova Anipiri não tem. Há uma trilha entre esta aldeia e a aldeia do Caroçal do Cururu.

aldeia Uoixaximá

Enquanto descíamos o Anipiri, fiquei observando a natureza. É um verdadeiro paraíso ecológico. Ali está tudo intacto. Nada de garimpo, nada de lixo, como plástico ou lata de cerveja, nada de derrubadas. Árvores caídas? Só as que a própria natureza tinha derrubado na barranca do rio. É um belo contraste comparado com outras regiões do Pará, onde as derrubadas da floresta é grande. Sobre o derrubar árvores, Machado de Assis em 1895 escrevia: “Nós amamos as flores, embora nos reservemos o direito de deitar as árvores abaixo, e não nos aflijamos que o façam sem graça nem utilidade”.

Havia muitos peixes pulando, borboletas voando e pássaros, principalmente garças e mergulhões. Vendo toda aquela maravilha, como não recordar a encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco: “O meio ambiente é um bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos” (Laudato Si’ 95). Portanto, todos nós temos a responsabilidade de ajudar na conservação e preservação do meio ambiente e no cuidado da casa comum. Por isso, no Nº 211, o Sucessor de Pedro nos adverte:

A doação de si mesmo num compromisso ecológico só é possível a partir do cultivo de virtudes sólidas. Se uma pessoa habitualmente se resguarda um pouco mais em vez de ligar o aquecimento, embora as suas economias lhe permitam consumir e gastar mais, isso supõe que adquiriu convicções e modos de sentir favoráveis ao cuidado do ambiente. É muito nobre assumir o dever de cuidar da criação com pequenas ações diárias, e é maravilhoso que a educação seja capaz de motivar para elas até dar forma a um estilo de vida. A educação na responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos que têm incidência direta e importante no cuidado do meio ambiente, tais como evitar o uso de plástico e papel, reduzir o consumo de água, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer, tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias… Tudo isto faz parte duma criatividade generosa e dignificante, que põe a descoberto o melhor do ser humano. Voltar – com base em motivações profundas – a utilizar algo em vez de o desperdiçar rapidamente pode ser um ato de amor que exprime a nossa dignidade”.

Às 13h19 chegamos na aldeia Nova Anipiri. Tínhamos navegado 22,8 km. A localização: 7°37′27″ S 57°52′38″ O.




Fomos recepcionados com uma faixa banner fixada em dois paus com os dizeres: “São Lucas - Xipat epajem = Sem benvindos”.



O pessoal da saúde, um médico cubano e duas enfermeiras, estava vacinando e atendendo na escola. Quando terminaram o trabalho foram para a aldeia Terra Preta, que fica bem acima da aldeia Tamanqueira. Portanto teriam um longo caminho rio acima. No dia seguinte iriam vacinar naquela aldeia. O pessoal da saúde também sofre pra atender todas as aldeias.

Ali tem pouco carapanã ou pernilongo, mas tem o terrível borrachudo. Vários logo me pegaram deixando sua marca. Fiquei me coçando por muito tempo. Felizmente o repelente me ajudou a mantê-los um pouco longe.

Para o almoço nos ofereceram piranha assada com arroz. A piranha estava uma delícia.

Pelas 15h chegou uma rabeta com uma família da aldeia Santa Cruz. Esta aldeia está na foz do Anipiri com o rio Teles Pires. Eles saíram da sua aldeia às 8h, portanto viajaram 7 horas pelo Anipiri. Durante a viagem cruzaram com uma onça nadando com um pequeno jacaré na boca.

Às 17h Frei Sabá e eu atendemos as confissões. Todos se confessam em Munduruku. Claro que eu não entendo nada, mas Deus entende e por isso os perdoa.

Já estava escuro, quando às 19h05 chegou um grupo da aldeia Ariramba, que fica no rio Teles Pires. Saíram às 15h a pé, consequentemente andaram durante 4 horas. Foi bonito de ver todos com lanternas na mão manifestando uma grande alegria contrastando com a escuridão e silêncio da noite. 

Pouco depois da chegada desse grupo, foi nos oferecido um mingau de manicuera, a saber, um mingau feito de mandioca e cará roxo. Eu tomei 4 canecas. É muito gostoso. Uma curiosidade: a palavra “mingau” tem sua origem na palavra tupi “mina'u”.

Pelas 19h30 chegou mais um grupo, desta vez da aldeia Anipiri Terra Preta. Esse grupo veio de rabeta. Por conseguinte teve que navegar um bom tempo no escuro. Não sei como conseguiram passar tanta pauleira e areia.

Após as 20h foi nos oferecido o jantar. Havia peixe ensopado e frito com arroz e farinha. Como eu tinha enchido a barriga com o mingau de manicuera, não jantei.

Dormimos na escola, onde tínhamos atado nossas redes, após o pessoal da saúde ter ido embora.

 

Dia 24 de outubro - Quinta-feira 

 

Batizado, Crismas e Primeira Comunhão

As atividades do dia começaram às 7h com uma procissão levando a imagem do padroeiro São Lucas do rio até o salão comunitário, local da celebração, porque a aldeia ainda não tem uma capela ou igreja.

Em seguida presidi a missa, concelebrada pelo pain Sabá. Durante a celebração batizei uma criança e crismei 7 adolescentes-jovens: 4 rapazes e 3 moças. Também houve uma Primeira Comunhão.

A leitura (At 2,1-11) e o evangelho (Jo 20,19-23) foram na língua Munduruku e o salmo em português. Até o momento só o Novo Testamento está traduzido para o Munduruku. Evangelho foi proclamado pelo ministro da Palavra. Todos os cantos foram em Munduruku.


Todos estavam felizes porque era a primeira festa do padroeiro São Lucas celebrada ali. Entre as crianças tinha até um menino palmeirense com a camisa do time. Não resisti: tirei duas fotos dele.



Após a celebração aconteceu o tradicional café comunitário. Os próprios indígenas fazem o café e os “comes” em casa e colocam em comum. Havia mingau de manicuera, beiju, tapioca, macaxeira cozida e outras coisinhas.

Terminado o café começou a “fala livre”, ou seja, quem queria tomava a palavra e falava. O capitão[[6]] professor Antonio foi quem começou. Exaltou a primeira celebração do padroeiro, agradeceu a visita do bispo e do pain. Também agradeceu cada um dos grupos presentes das outras aldeias, mencionando-as pelo nome. Anunciou que vai construir uma igreja assim como tinha construído na aldeia Morro do Kurap. Reafirmou que era católico e que continuaria com tal até o fim da vida.

O capitão da aldeia Santa Cruz disse que vai ficar com saudade do bispo e do pain, como já tinha ficado um ano atrás, quando os dois tinham ido na aldeia dele, lá na foz do Anipiri. Enquanto ele falava de saudade, me veio à memória uma frase lida dias antes: “A saudade é a única coisa que o vento não leva”. Como gosto de Machado de Assis, recordo também uma frase do grande literato brasileiro em seu livro Dom Casmurro: “Talvez abuso um pouco das reminiscências osculares; mas a saudade é isto mesmo; é o passar e repassar das memórias antigas”.

Cada um começava com uma saudação aos pains para depois manifestar sua alegria por estar presente naquele momento histórico da primeira festa. Todos falavam em Munduruku e alguns traduziam para que nós pudéssemos entender.

Terminada as “falas”, como tínhamos tempo livre até o almoço, pain Sabá e eu fomos pescar. Pegamos cinco traíras e um aruanã. Os tucunarés não queriam isca artificial.

Para o almoço tivemos caldeirada de tucunaré, que eles chamam de aximá pididin, piranha assada e outros tipos de peixe com arroz, farinha e macarrão. Mais uma vez fui na piranha assada, visto que no dia anterior estava muito saborosa. Não me enganei. Estava tão boa que só repeti sem ir experimentar outro tipo de peixe.

Viagem de retorno

Às 12h54 iniciamos a nossa viagem de retorno. Agora seria subir o rio, porém, com uma vantagem: tinha chovido e o rio estava um pouco mais alto. Na praia estavam quase todas as crianças brincando na água e os jovens jogando vôlei dentro do rio. A marca de todos era a alegria contagiante e o balanço dos braços manifestando despedida.


 


Chegamos às 2h20 no ponto mais perto da aldeia Tamanqueira. Caminhamos até à aldeia, onde chegamos às 14h35. Quatro minutos depois, ou seja, às 14h39 montei na moto. Após 2 km e 740 m tive que descer da moto porque a ponte estava quebrada e não tinha condição de passar montado. A viagem foi tranquila, porém mais três vezes tive que apear, porque havia um areão na frente e era perigoso cair. A viagem levou em torno de 50 minutos.

Em casa descansamos e nos preparamos para o dia seguinte continuar. 

 

 

Dia 25 de outubro - Sexta-feira 


Ida à aldeia Santa Maria

Às 7h rezamos a missa com o Ofício Divino.

Saímos às 9h35 com destino à aldeia Santa Maria, que é a última aldeia do rio Cururu, já perto das cabeceiras deste rio.

A viagem foi bastante dificultosa devido ao rio estar muito baixo. Levamos 4 horas subindo pra chegar.

Passamos pela aldeia Missão Velha às 10h01, situada à margem direita do rio. Esta aldeia foi a primeira fundada à beira do rio Cururu pelos Munduruku. Antes eles não tinham aldeias na beira dos rios por medo de serem atacados à noite pelos inimigos. Quando os primeiros missionários chegaram em 1910 se estabeleceram ali e em torno deles surgiu a aldeia. Para atrair os indígenas, o missionário alemão Frei Hugo Mense OFM começou a tocar uma flauta. O som da música chamou a atenção dos indígenas e eles começaram de se aproximar. Mas ali alagava muito na época de cheia, por isso mudaram em 1920 para o local onde está a Missão São Francisco. Construíram uma casa bem no estilo alemão.




Às 10h27 passamos pela aldeia Cajual e às 10h28 pela aldeia Pratakti. São duas aldeias bem próximas uma da outra. As duas têm a igreja e a escola em comum. A padroeira é Santa Isabel da Hungria.

Às 11h27 passamos por um trecho de uns 500 m com bastante paus dentro do rio. Isso atrasou bastante a nossa viagem. Navegamos “a passos de jabuti” para ultrapassar o trecho.

Às 11h44 passamos pela boca do igarapé Wariri. Subindo este riacho há uma aldeia, que eu já visitei duas vezes. Localização: 7°42′16″ S 57°33′20″ O.

Conforme íamos subindo, aumentavam as dificuldades porque automaticamente ia diminuindo um pouco o volume da água e o rio ia se tornando gradativamente mais estreito e mais raso.

Às 12h11 passamos pela Aldeia Muiuçu. Já visitei esta aldeia várias vezes. O número de moradores desta aldeia tem diminuído nos últimos anos. Localização: 7°40′36″ S 57°28′56″ O.


Raramente víamos pássaros. Em geral só se via alguma garça solitária ou algum biguá. Mas no local onde havia muitos paus e por isso andávamos bem de vagar, vi um beija-flor fazendo suas revoadas. Encantador espetáculo! Não foi à toa que José de Alencar em seu romance “O Guarani” – uma das pérolas do romantismo brasileiro - ao se referir aos colibris, que Peri presenteou Ceci, sentenciou: “acredita-se que a natureza os criou com um sorriso, para viverem de pólen e de mel, e para brilharem no ar como as flores na terra e as estrelas no céu”.

Às 12h20 passamos pela entrada da aldeia Terra Santa. Localização: 7°40′4″ S 57°27′7″ O. Estive ali no ano passado., crismei 15 Munduruku, sendo 8 da aldeia Terra Santa e 7 da Muiuçu .

Às 12h39 passamos pela aldeia Bananal do Cururu. Localização: 7°42′11″ S 57°24′55″ O. Em novembro de 2017 estive nesta aldeia. Na ocasião realizei 13 crismas, sendo 5 da própria aldeia Bananal, 2 da Ayperep e 6 da Muiussu.

Às 12h56 paramos na aldeia Ayperep. Após uma visita ao capitão, saímos às 13h17. Localização: 7°42′21″ S 57°24′8″ O. Quando visitei pela primeira vez esta aldeia, ainda vivia o sr. Ugolino Witõ, que sabia tocar a flauta parasuy. Infelizmente está se perdendo a tradição de se tocar este importante instrumento na mitologia Munduruku. Escutei que na aldeia Katon, no rio Kabitutu, surgiu uma iniciativas visando a preservação das canções e músicas tradicionais, inclusive de ensinamento de como tocar esta flauta.

Pois é, quando se está sentado na voadeira não dá pra fazer nada a não ser observar a natureza ou recordar, imaginar e refletir. Muitas leituras vieram à mente, entre as quais os livros de José de Alencar em que ele trata um dos temas caros do romantismo brasileiro: o índio como protagonista. Repassei na memória a trilogia: O GuaraniIracema e Ubirajara. Não sei o porquê, mas comecei a comparar os nomes que aparecem nestas três obras com os nomes dos Munduruku. Nada tem a ver! Não recordo de nenhum nome dos mencionados por Alencar: Iracema, Ubirajara, Peri, Ceci, Arerê, Camacã, Jaguarê, Pujucã, Jandira, Araci, Poti, Jacaúna, Caubi, Andira... entre os Munduruku. Estes adotam em geral nomes dos “pariwats” (brancos): Antonio, André, José, ... mas ultimamente estão colocando nomes próprios deles: Waro Bamuybu, Yoto Jay Wum, Paygo Bawuy, Karo Cug, Kirixi Bapin, Akay Bijakpu, Akay Rejaybu, Oyoy Acak, Kaba Rebem, Borô Abon,  Saw Recugpu, Saw Bicat, Kirixi Cak. Estão colocando o sobrenome primeiro, depois do nome e acrescentam Munduruku.

Chegamos na Aldeia Santa Maria às 13h38. Localização: 7°42′56″ S 57°21′32″ O.



Essa aldeia é a que mais visitei, depois da Missão. É a sexta ou sétima visita, sempre para crismas.

Ficamos no posto de saúde. A enfermeira chefe é a Lenara Carvalho, que é de Jacareacanga. Ela nos recepcionou muito bem. Ela me disse que eu a tinha crismado em Jacareacanga. O posto de saúde é novo e eu ainda não o conhecia. Faz um ano que foi inaugurado.

 

NA ALDEIA SANTA MARIA

 

Às 17h00 pain Sabá e eu atendemos as confissões tanto das crianças da Primeira Comunhão como dos que seriam crismados. Mas também vieram os padrinhos, madrinhas e um grande número de pessoas. Depois o Frei Sebastián comentou comigo: “O povo da Santa Maria gosta de confessar. É em cada visita assim: quase todos aparecem para se confessar”. Respondi: “Onde os padres atendem confissões o povo confessa, onde não atendem, o povo não confessa, não porque não quer e sim porque os padres não atendem”.

Às 19h30 presidi a celebração de 11 batizados. O povo Munduruku faz questão de batizar seus filhos o quanto antes possível. Toda vez que se vai a uma aldeia sempre há batizados de criancinhas. A celebração foi campal na praça, porque dentro da igreja estava muito quente e também não haveria lugar para todos. A padroeira é Nossa Senhora de Guadalupe. 

A aldeia Santa Maria foi a primeira aldeia a ter uma própria igreja depois da Missão São Francisco. Essa construção desencadeou um movimento para construir igrejas em todas as aldeias e a se escolher um/a padroeiro/a. A festa do/a padroeiro/a se tornou o ponto alto da vida nas aldeias durante o ano. Normalmente as aldeias próximas participam das festas. Portanto, as festas se tornaram também uma bom momento de união e de reforço da fé.

 

Dia 26 de outubro - Sábado

 

Missa, Crisma e Primeira Comunhão

Às 7h teve início a celebração da missa presidida por mim e concelebrada pelo pain Sabá. Durante a celebração crismei 23 jovens e adultos, e 33 crianças e adolescentes fizeram a Primeira Comunhão.









Como de costume as leituras e o evangelho foram na língua Munduruku, enquanto que o salmo foi em português por não haver tradução. Os cantos todos foram em Munduruku.

Após a celebração houve o tradicional café comunitário no barracão da comunidade.

Volta para a Missão

Às 10h32 iniciamos a viagem de retorno à Missão São Francisco. Tudo indicava que a descida seria melhor, não porque, como o povo diz que “pra descer todo santo ajuda e o cão dá um empurrão”, mas porque tinha chovido durante a noite e o rio tinha subido um pouco. E tal aconteceu.

Às 10h57 chegamos na aldeia Ayperep. Tínhamos que entregar alguns documentos. Na barranca do rio tinha uma panapaná de borboletas amarelas. Foi lindo ver a revoada provocada por um rapaz retardado que foi espantá-las.

A parada foi breve: só 4 minutos. Saímos às 11h01. O trecho da Ayperep até a aldeia Bananal é bastante dificultoso devido a muitos paus no rio e também por a água estar ainda muito rasa.

A temperatura estava quente e estafante. Não tinha nenhuma brisa, as folhas das árvores, mesmo dos coqueiros altos, não se moviam. Pra mim era prenúncio de chuva forte e de vendaval. A minha expectativa era de que a chuva não nos pegasse durante a viagem.

O sol estava, como diria Guimarães Rosa, “a esquentar fora de conta. Nem uma nuvem no céu, para adoçar o sol, que era, com pouco maio, quase um sol de setembro em começo: despalpebrado, em relevo, vermelho e fumegante” (inSagarana).

Às 11h18 chegamos na Bananal. Mais uma vez paramos para entregar uma encomenda. Ali também tinha uma panapaná, só que desta vez as borboletas eram todas escuras. Não vi nem uma amarela, que é a que mais tem voando e atravessando o rio.

Uma panapaná

A parada também foi curta: 5 minutos. Saímos às 11h23 e às 11h49 passarmos pela entrada da aldeia Terra Santa. A viagem seguia tranquila num ritmo bom.

Nesse trecho aumentou o número de uns passarinhos pequenos, espécie de andorinha que sentam nas pontas de paus secos dentro do rio ou mesmo nas beiradas. São rápidos e dão rasantes à flor da água. É muito difícil de fotografá-los. Tentei várias vezes, mas não consegui.

Às 11h58 encostamos na aldeia Muiuçu. Pain Sabá precisava falar com o ministro da Palavra e com o catequista. Infelizmente tanto o ministro como o catequista não se encontravam na aldeia. Encontramos a dona Úrsula Dace. Ela foi a primeira Munduruku que conheci. Foi no dia da minha posse em Itaituba. Até hoje ela guarda o santinho distribuído como recordação. Esta aldeia é uma das poucas localizadas à margem direita do rio Cururu.

Saímos às 12h18, portanto foi uma parada de 20 minutos, que serviu também para movimentarmos as pernas.

Havia muitas borboletas voando de um lado para o outro em cima da água, forneciam um espetáculo alegre e refrescante para os olhos. Nas praias havia panapaná e quando passávamos por perto as borboletas se alvoroçavam. Em geral eram de borboletas amarelas e brancas.

Às 14h03 passamos pela Missão Velha e finalmente chegamos às 14h21 na Missão São Francisco. Foi uma viagem de quase 4 horas.

Durante toda a viagem era frequente ver uma garça solitária na beira do rio ou voando. E de vez em quando se via um mergulhão ou biguá. Essas 3 aves são comedoras de peixes.

Às 19h tivemos nova atividade: atender as confissões dos crismandos e dos padrinhos/madrinhas.

 

 

Dia 27 de outubro  - Domingo

 

Às 7h00 houve Missa com 27 Crismas na principal igreja de toda a Mundurucânia. Eu presidi a celebração e o frei Sebastián concelebrou. Foi uma celebração muito alegre com todos os cantos em Munduruku. A leitura e evangelho também. 




Após a celebração houve um café comunitário no barracão da aldeia.

No almoço nós comemos o salame que o pessoal de Cachoeira da Serra[[7]] fez para os missionários. Era para comer um peixe salgado e seco no sol. Mas o peixe foi deixado na água por muito tempo para tirar o sal e acabou estragando. Por isso foi improvisada uma comida com o salame. Frei Amauri fez uma mistura de salame, cenoura, repolho, tomate e não sei mais o que. No final ficou algo muito gostoso.

As 14h10 saímos rumo à aldeia Morro do Careca, iniciando assim uma nova etapa de nossas visitas. A viagem seria rio abaixo, por conseguinte, mais fácil. Como tinha chovido durante a noite, o rio tinha subido mais um pouco, o que ajudou e facilitou a nossa navegação.

Lembrando que a missão São Francisco está na margem esquerda do Rio Cururu. Aliás a maioria das aldeias estão na margem esquerda. São poucas as que estão à margem direita.

Na margem direita do rio Cururu são só há cinco aldeias, a saber, Muiuçu, Terra Santa, Missão Velha, Boca da Estrada e Campinho. Na margem esquerda são 13: Santa Maria, Aiperep, Bananal, Pratakti, Cajual, Missão São Francisco, Paxiuba, Caroçal, Morro do Kurap, Posto Munduruku ou Waro Apompo, Morro do Careca, Saw Muybu (antiga Flexal) e Patauazal.

Tempo estava nublado. Consequentemente estava agradável de se viajar. Porém, raramente se via pássaros. Até garças eram raras. Ao contrário de ontem, era difícil ver uma borboleta. 

Às 14h42 passamos pela aldeia Caroçal do Cururu. Há uma trilha, por dentro do mato, desta aldeia até a aldeia Uoixaximá.

As 15h03 passamos pela aldeia Morro do Kurap. Só para lembrar que os fundadores da aldeia Nova Anipiri eram desta aldeia.

Esse passar pelas aldeia sempre me leva a recordar como era a vida dos indígenas antes do “descobrimento”. Encontrei um texto interessante no livro  “Pay-Tunará no Reino das Amazonas” em que conta uma lenda do guerreiro de Monte Alegre, PA, segundo o entusiasmado pesquisador de lendas e mitos amazônicos Pinon Friais:

Viviam felizes e despreocupados. Gostavam do clima e viviam em perfeita harmonia com a natureza, comprazendo-se com a placidez das águas, o verde rutilante da floresta e o azul luminoso do céu. Adoravam o Sol, a Lua e a Chuva, aos quais escolheram como seus deuses protetores. A natureza era para eles uma inesgotável fonte de vida.

Todos tinham suas ocupações específicas, dividindo o tempo entre os afazeres cotidianos, o lazer e as atividades contemplativas. Os idosos se dedicavam à arte das pinturas nas rochas e nas cavernas onde residiam, para perpetuação dos conhecimentos, e também cinzelavam os maciços rochosos em homenagem muda aos animais; as anciãs tinham a incumbência de preparar as vestes, em confecções de juta, bem como os adornos e as cerâmicas; os moços garantiam a subsistência de todos; e as jovens, habilidosas na prática da equitação e no manejo do arco e flecha, eram valentes guerreiras. Eram, por isso, chamadas de Amazonas.

Em agradecimento aos deuses, promoviam, segundo um rigoroso calendário astrológico, suas festividades religiosas. Em tais ocasiões usavam trajes a rigor, muito bonitos, trazendo as cores do arco-íris. Cantavam, tocavam, o murmuré e dançavam a dança das figuras geométricas.

Às 15h42 paramos no Posto Munduruku ou Waro Apompo para deixar uma encomenda. Parada foi curta, só 7 minutos, pois saímos às 15h49.

Enquanto descíamos, fiquei observando as praias do Cururu e percebi que em geral são de uma areia bastante branca. Também me chamou a atenção o fato de não ver jacarés nas praias tomando sol, como das outras vezes em que por ali passei. Os Munduruku não comem jacaré. Por isso, sempre que o ambiente for favorável para brincar, provoco os Munduruku: “Vamos caçar jacaré!” Eles sempre dão uma risadinha e dizem:  “Não! Nós não comemos jacaré!”

 

Na aldeia Morro do Careca

Às 16h27 chegamos à aldeia Morro do Careca, o nosso objetivo.



Ao conversar com o capitão perguntei se sua avó Albertina ainda estava viva. Ele me disse que faleceu três anos atrás. Conheci a Dona Albertina Karo em 2015 e ela já tinha mais de 100 anos. Era uma das últimas Munduruku que ainda tinha a cara preta = costume antigo de pintar a cara para ficar preta, por isso eram chamados também “da cara preta”. Nasceu na aldeia Kabruá na região das savanas. Teve 7 filhos = 5 mulheres e 2 homens. Disse que saíram do Kabruá por ser muito longe. Provavelmente foi batizada pelo Frei Ugo Mense – primeiro missionário a ir morar no Cururu, que segundo ela, andava pelos campos visitando os Munduruku. Um dos netos dela é o capitão. O pai do capitão, que é filho da Albertina, em 2015 estava com 84 anos e não é o filho mais velho e sim o 4º. Por esses dados dá para deduzir que ela tinha mais de 100 anos. Ela é contemporânea do Biboy, que foi cacique geral e morreu com mais de 100 anos. Está lúcida e se recorda das coisas. Por exemplo: perguntei-lhe se ela recordava do superintendente Chuvas, que atuou na região na década de 40 e começo dos anos 50 do século passado. Na hora ela me disse: “Sim, ele morava no Posto Munduruku no tempo da seringa”. Caminha com desenvoltura e rapidez por toda a aldeia.

Em 1942, o antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) construiu um posto na aldeia Apompê do rio Cururu. Recentemente a aldeia passou a se chamar Waro Apompo. O primeiro administrador do posto foi o inspetor João Batista Chuvas. A atuação do SPI visava dar orientação, assistência e proteção aos índios, mas seu objetivo mesmo era o de integrar os índios ao Estado Nacional. No Posto Indígena Munduruku não era diferente. Os indígenas eram vistos como que num “estado transitório” para, futuramente, serem incorporados ao contingente de trabalhadores nacionais. Foi instalada uma escola para ensinar português e disseminar o sentimento de nacionalidade através de símbolos patrióticos, mas as mulheres não podiam ir à escola.

O inspetor incentivou a participação dos índios na economia local, principalmente em relação à extração da borracha, que durante a II Guerra vivia um novo boom. Ele entrou em conflito tanto com os missionários como com os seringalistas. A presença estável da missão religiosa incomodava o inspetor Chuvas porque os missionários tinham uma proposta diferente do SPI. O inspetor se envolveu demais com o comércio e deixou de lado a assistência aos índios dos campos, que na época ainda em sua maioria não estava à beira dos rios, como hoje. Finalmente administrador João Batista Chuvas foi afastado em 1956, mas retornou em 1962. Ficou só 2 anos  no cargo porque se aposentou[8].

Após os cumprimentos, tomar um caperi (café) e um bom papo, o capitão nos indicou para nos instalarmos na escola, onde sempre fiquei nas outras visitas também para crismas.

Ao lado da escola há um campo de futebol. Alguns meninos estavam jogando. Para minha alegria vi um que estava com a camisa do Palmeiras. É o prestígio do meu time do coração ter torcedor também nesta aldeia.



Às 19h pain Sabá e eu atendemos as confissões. Além do casal que seria crismado no dia seguinte, muitos – principalmente jovens e adolescentes – aproveitaram para se confessar.

Para a janta nos ofereceram peixe com arroz.

 

Dia 28 de outubro - Segunda-feira

A celebração deveria ser na praça, mas como choveu, foi na igreja, que ficou superlotada, inclusive uma família evangélica esteve presente. O padroeiro é São Maximiliano Kolbe.

Foram só duas crismas. Para mim não importa a pouquidade de crismandos, sempre prefiro crismá-los em suas próprias comunidades, por ser uma ocasião especial para visitar minhas ovelhas.



Após a celebração e fotos, houve o tradicional café comunitário. No final houve as “falas” do ministro e da catequista. No final pedi para quem foi crismado por mim, que levantasse o braço. Fiquei impressionado: a grande maioria levantou o braço.

Saímos às 9h19 com destino à aldeia Restinga, que está situada à margem direita do rio Tapajós. É a primeira aldeia abaixo da foz do Cururu. Um Munduruku estava conosco porque pediu carona até a entrada para a aldeia Campinho.

O tempo estava um pouco nublado, portanto o sol não estava escaldante. A temperatura estava amena, por conseguinte  agradável de se viajar.

Às 9h41 passamos pela entrada para a Aldeia Saw Muybu, antiga Flexal. Estive ali no ano passado para crismas. Esta aldeia estava um pouco abaixo, mas dois ou três anos atrás mudaram para um novo local, onde o espaço é bem maior e não há perigo de enchente.

Às 9h48 passamos pela entrada da aldeia Boca da Estrada. Esta aldeia tem como padroeiro São José e estive ali nos dias 18 e 19 de março de 2019, portanto antes da pandemia do coronavírus. Na ocasião realizei 16 crismas, sendo 09 da Boca da Estrada e 07 da aldeia Saw Muybu.

O sol apareceu, mas não muito forte devido a nuvens. Ficou um pouco mais quente. 

Às 10h24 passamos pela aldeia Patauazal. Essa é uma aldeia de evangélicos. Quando estive na aldeia Boca da Estrada, o capitão da Patauazal estava lá e participou da festa de São José. Ele me convidou para visitar a aldeia. Até agora não deu certo. No ano passado fizemos uma parada ali, mas o capitão não estava.

Novamente se via muito poucas garças e pássaros. De vez em quando se via um martim pescador ou um mergulhão. O tipo de andorinha não vi nem uma.

Às 10h43 chegamos na entrada para Aldeia Campinho. Fizemos uma pequena parada para o Munduruku, que estava de carona conosco, pudesse descer. Nesta aldeia estive no ano passado e crismei 3 adultos.

Na continuação da viagem, de inopino um grande tucunaré saltou perto de nós, quase caindo dentro da voadeira. Infelizmente não estávamos com as varas preparadas para tentar pegá-lo. O jeito ficar ficar com a esperança de pegar algum na próxima pescaria, se sobrar tempo.

Às 11h04 entramos no Tapajós. Em frente há uma ilha onde antigamente os padres tinham uma casa de apoio, quando desciam para dar assistência às aldeias do Tapajós. Da boca do Cururu já se avista a aldeia Restinga, onde nós vamos fazer a nossa próxima visita e celebração.

Mais uma vez não havia borboletas cruzando o rio. Também não encontramos nenhuma panapaná.

Às 11h08 atracamos na aldeia Restinga. Localização: 7°12′20″ S 58°8′15″ O. Estive ali em 2018 e realizei 27 crismas. No ano passado passei nesta aldeia mas foi só uma meia hora pra cumprimentar o capitão e pegar água.

Ao subir o barranco, não muito íngreme, chegamos à primeira casa que é a farinheira ou casa da farinha. Havia um grupo muito animado descascando macaxeira para fazer farinha. A maioria eram mulheres, inclusive uma enquanto descascava também dava de mamar para a sua criança.


Nós ficamos instalados na antiga escola, que foi transformada em local de hospedagem para transeuntes. Foi feito um atador de rede, o que facilita muito.

A nova escola fica ao lado. O professor Fagner Gonçalves Feitosa, que tem Starlink, me cedeu sua senha para que eu pudesse navegar e enviar notícias e fotos. Ele é casado com a professora Euderlany e tem dois filhos.

Pelas 17h atendemos as confissões. Depois fomos pescar, mas só pegamos piranhas.

 

Dia 29 de outubro - Terça-feira

 

Às 7h presidi a missa e crismei 5 jovens, sendo 4 moças e 1 rapaz. A celebração foi no barracão da comunidade. A capela seria pequena para abrigar todos e também seria muito quente. Mais uma vez a leitura, evangelho e cantos foram em Munduruku.




A padroeira é Nossa Senhora do Carmo e havia quem estivesse usando uma camiseta com a estampa da Virgem do Carmelo. Aproveitei para fotografar.

Após a celebração e fotos teve o café comunitário.


 

Indo para a aldeia Samaúma

A próxima etapa será crismas e Primeira Comunhão na aldeia Samaúma. Por isso, deixamos a aldeia Restinga às 9h30 e descemos o rio Tapajós rumo à aldeia Samaúma.

Às 9h52 paramos para visitar a aldeia Pesqueirão. Estive ali para crismas em 2023. É uma aldeia relativamente pequena, mas com um povo muito acolhedor. É desses lugares em que se vai e se fica com vontade de retornar.

Logo que atracamos, veio correndo ao nosso encontro um grupo de 5 crianças. Todas queriam nos cumprimentar. Uma delas me chamou atenção porque tinha um filhotinho de macaco na cabeça agarrado aos seus cabelos. Não perdi a oportunidade de fotografar. Quando perguntei quantos dias podia ter o macaquinho, que me parecia ter no máximo uma semana, me disseram que não sabiam, mas que tinha sido pego no dia anterior, quando mataram para comer o pai dele. Segundo o capitão quem carrega o filhote é o macaco e não a macaca.





Um menino viu que eu tinha fotografado o macaquinho, buscou seu cachorrinho e veio me mostrar para que eu o fotografasse. Depois de eu ter fotografado ele saiu correndo todo feliz.



Entramos no barracão comunitário pra uma conversa e tomar um caperi (café). Eis que de súbito um menino chega com uma corujinha no ombro pedindo para ser fotografado. Tirei várias fotos. Todos riram, inclusive os adultos. Perguntei se a coruja não voa. Disseram que sim, mas que ela não vai embora porque foi acostumada ali com eles desde pequena. Antes que terminássemos a conversa, ela voou e sentou num pau da parede. A coruja já era uma verdadeiro xerimbabo e o macaquinho iria também se tornar um.



A aldeia tem uma nova escola, feita neste ano. Só fiquei pensando: 2024 é ano de eleição e o prefeito era candidato à reeleição, então fez algo para ganhar votos e acabou sendo reeleito.

No mês passado deu um vendaval e causou alguns estragos na igreja, mas logo foram consertados. A comunidade tem como padroeiro São Miguel Arcanjo.

Às 10h20 embarcamos para prosseguir nossa viagem. Oito minutos depois, paramos para visitar a aldeia Sauré Mubuy. Pain Sabá queria entregar algumas fotos do casamento que ele havia assistido ali em agosto. O casal ficou super feliz com as fotos. Claro que não faltou tomar o caperi e conversar. 

A aldeia, por ser muito recente, ainda não conseguiu construir uma igreja. Ali se celebra o culto dominical no barracão da comunidade. O padroeiro é São Mateus.

Permanecemos ali 15 minutos e seguimos adiante, pois a aldeia Samaúma nos esperava!

Atracamos exatamente às 10h57. Foi a maior e mais emocionante recepção que tive entre todas as visitas aos Munduruku. Tão logo encostamos, foi um foguetório. Em seguida vieram correndo ao nosso encontro um grupo de crianças gritando: “os pains chegaram!” Eram crianças muito carinhosas que nos abraçavam.

Quando íamos começar a subir a escada no barranco, começou a descer um grupo de crianças, adolescentes e adultos vestidos a caráter vindo ao nosso encontro, Fomos cumprimentados afetuosamente por todos. Na hora de subir, pediram para que ficássemos no meio deles. Assim nos conduziriam até a aldeia. Ao chegarmos em cima, havia um grupo de idosos para nos cumprimentar. Cada um com um sorriso no rosto mostrando felicidade. Foi uma experiência única! Frei Sebastião, todo feliz, comentou comigo que nunca tinha sido recepcionado desta maneira.

Fomos levados até o barracão comunitário, onde havia um caperi. O capitão Benildo Poxô estava muito feliz. Ele é pai do Dizmo, que é ministro da Palavra.

O almoço comunitário foi uma fartura de peixe: tambaqui, tucunaré, pacu ... Havia peixe assado, frito e caldeirada, ou seja, peixe para todos os gostos. Eu fui em cima do tambaqui. Havia também arroz, macarrão, macaxeira, batata doce ....

Como estava muito quente e com um mormaço sem vento não deu pra aguentar sem uma bela sesta na rede. Claro que a rede ficou molhada de suor, mas logo enxugou.

Pelas 16h fomos atender confissões. O local escolhido foi de baixo de uma frondosa mangueira bem em frente ao rio. Ali era mais fresco e tinha uma leve brisa.

Durante as confissões veio um rapaz usando muletas devido a falta da perna esquerda. Sua perna teve que ser amputada porque foi mordido por uma cobra.

Na hora que ele saiu, fiquei olhando e recordei as palavras de Peri para Ceci: “Peri é um selvagem, filho das florestas; nasceu no deserto, no meio das cobras; elas conhecem Peri e o respeitam” [[9]]. Neste caso a cobra não “respeitou” o pobre Munduruku. Mas é bom lembrar que José de Alencar menciona que Peri, quando entrou no precipício cheio de cobras e bichos peçonhentos para buscar a bolsa de seda, presente de Álvaro para Cecília, jogada ali pelo velhaco Loredano, imitava “o canto da cauã para evitar os répteis venenosos que são devorados por essa ave”. Artimanha não usada pelo Munduruku, por isso foi picado pela cobra.

Pelas 17h chegou uma voadeira lotada de Munduruku oriunda da aldeia Ariramba do rio Teles Pires. Portanto, era mesmo grupo que fez a pé a trilha do Teles Pires até a aldeia Novo Anipiri para participar da festa de São Lucas.

À noite os carapanãs atacaram valendo. Tivemos que usar mosquiteiro pela primeira vez.

Deitado na rede, antes de adormecer, repassei na memória o dia. Me perguntei: o que mais me impactou neste dia? Lembrei-me das 3 crianças da aldeia Pesqueirão com o macaquinho, com o cachorrinho e com a coruja, bem como das crianças que nos recepcionaram na nossa chegada na Samaúma. Foi aí que me lembrei da frase de Antoine de Saint-Exupéry: “Todas as pessoas grandes foram um dia crianças (mas poucas se lembram disso).” E recordei momentos felizes da minha infância, quando eu era menos complicado e com poucas manias. Foi um convite para apreciar mais a vida de forma espontânea como estas crianças, ser mais carinhoso e me contentar com coisas simples. Jesus, com muito propriedade, nos adverte: “Em verdade vos digo, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18,3).

                       

Dia 30 – quarta-feira

 

Às 7h presidi a missa no barracão comunitário. Da igreja, que a comunidade tinha, um vendaval arrancou o telhado e o que sobrou foi demolido para que se construir em outro local. A capela ficava bem de fronte ao rio, de modo que quem passava por ali, podia contemplá-la. O padroeiro da comunidade é São João Batista.



Durante a celebração batizei uma criança e crismei 21. Entre os crismados estavam o antigo capitão, o atual, sua esposa e o ministro da Palavra. O antigo capitão se movimenta com certa dificuldade. Mais uma vez todos estavam vestidos a caráter. A metade ou mais dos crismados era de pessoas bem maduras ou idosos. Isso mostra que no passado não foi feito um bom trabalho de acompanhamento catequético desta aldeia.

Mais uma vez encontrei um palmeirense. Um menino, que participou da missa, estava usando a camisa do Palmeiras. 



Já no início da celebração começou a chover e a chuva não parou mais, pelo menos até a nossa saída.

Após a celebração teve o tradicional café comunitário. No café havia vários tipos de bolo, bolacha, pipoca, pão, caxiri e sucos, além de café.

Em direção a Pedro Colares

Queríamos ir para Pedro Colares, nossa nova meta, logo depois do café, mas chovia sem parar. Ficamos esperando até às 11h30, daí decidimos ir de baixo da chuva mesmo. Por isso levamos as nossas coisas para a voadeira e embrulhamos tudo numa lona.

Na hora de ir até a voadeira, fui avisado que o terreno estava muito liso e que era para tomar muito cuidado para não escorregar. Fui bem de vagar, me cuidando ao máximo, mas em frente à última casa escorreguei e levei um tombo. Bati o traseiro na lama. Logo me levantei e percebi que não tinha me machucado. Escutei um grito em Munduruku, não entendi o significado, porém logo chegaram uma senhora e uma adolescente. Cada uma pegou um dos meus braços para me segurar e me levar até o rio. Eu disse que não precisava, mas insistiram e eu não quis ofendê-las, por isso aceitei a ajuda. Depois de termos andado uns 50 metros, estavam subindo dois rapazes e elas me passaram para eles, que me conduziram até a voadeira. Ao descrever a cena me vem em mente a frase de G.K. Chesterton: “A gratidão é a mãe de todas as virtudes”. Por consequência, quero aqui manifestar minha gratidão às duas e aos dois Munduruku, que tiveram a finesa de me apoiar para que não caísse outra vez.

Saímos às 11h47 na chuva, que estava fria. Na medida em que íamos nos molhando, mais aumentava o frio. A chuva só diminuiu bem perto de Pedro Colares. Em alguns trechos a voadeira devia ir bem de vagar por causa das pedras, principalmente na última parte.

Às 12h14 nós avistamos Pedro Colares. Mas só chegamos 12h29. Mais uma bela e emocionante recepção. As crianças da Primeira Comunhão, os crismandos, as catequistas e de mais moradores estavam à beira do rio nos esperando. Começaram a cantar dando boas-vindas. Tinham feito uma espécie de corredor com bambu e ramos de árvores para passarmos.


Em Pedro Colares também tem palmeirense

Pedro Colares é uma pequena vila situada à margem esquerda do rio Tapajós, portanto, no estado do Amazonas. O interessante é que pertence ao município de Maués, mas este município não dá qualquer assistência nem mesmo educacional e de saúde. Quem ajuda são os municípios de Apuí, AM, e de Jacareacanga, PA. Localização: 6°57′35″ S  58°23′49″ O.

O povoado surgiu após a demarcação da terra indígena, porque todos os “brancos”, que moravam dentro da área, foram obrigados a sair. A família de Pedro Colares, o fundador da vila, morava do outro lado na aldeia Nova e em 1995 se mudou com os 8 filhos para a margem esquerda do rio Tapajós. Assim começou este vilarejo. Ali tem escola de ensino fundamental. No momento vivem na comunidade 21 famílias. Uns 500 m rio acima há alguns Colares morando num local chamado Panero.

Há um grupinho de 4 catequistas: Deusalina (Deusa) de Castro Sousa (coordenadora), Jenifer Dalila Viana Mendes, Selma dos Santos Colares e Tainara Poxô dos Santos. Foram elas que prepararam as crianças para a Primeira Comunhão e para a crisma.



Ficamos hospedados na casa da Sra. Élida de Sousa. Ela fez questão de ceder o seu quarto pra mim. Eu não queria, mas ela insistiu dizendo: “É uma honra pra mim que o senhor fique no meu quarto”. Tive que ceder. Ela também nos ofereceu gostosas refeições, feitas pela  cozinheira Deise Gomes da Silva.

Frei Sebastián, Sra. Élida, Dom Wilmar e Sra. Deise


Às 16h atendemos as confissões. Depois Frei Sebastião reviu e ensaiou a celebração.


Dia 31 de outubro - Quinta-feira




Pelas 9h30 presidi a Santa Missa, durante a qual batizei uma adolescente de 16 anos, crismei 10 e 7 fizeram a Primeira Comunhão. Foi um dia de festa e alegria para toda a comunidade. A professora Deusa, junto com as catequista: Jenifer Dalila, Selma e Tainara tinham preparado muito bem as turmas. O Frei Sebastião concelebrou.






Após a celebração houve uma confraternização, inclusive com bolo comemorativo.

Ao meio-dia almoçamos. Em seguida arrumamos as nossas coisas, que foram levadas até a voadeiras por jovens da comunidade.

Na hora da saída, vi na praia duas panapanás de borboletas amarelas e brancas fazendo uma belíssima revoada. Vendo um tão belo e encantador espetáculo não se consegue ficar sem elevar a Deus uma prece de louvor. O início do salmo 145(146) serve para expressar meus sentimentos naquele momento:

1Bendize, minh’alma, ao Senhor! 

 2Bendirei ao Senhor toda a vida, 

*  cantarei ao meu Deus sem cessar!

 

Nova meta: aldeia Escondido

Às 13h28 deixamos Pedro Colares e seguimos para a aldeia Escondido, descendo o rio Tapajós. Esta aldeia está situada à margem direita do rio. Por isso tivemos que atravessar para a outra margem.

Às 14h04 passamos pela aldeia Prainha, depois por várias outras aldeias fundadas nos últimos dois anos com poucas famílias. O fenômeno do aumento de novas aldeias está grande. Diz-se eles brigam entre si e um grupo sai e funda uma nova aldeia. Há aldeias fundadas para se ter um local maior para se fazer roças.

Chegamos na aldeia Escondido às 15h03, portanto navegamos uma hora e 35 minutos. Mais da metade do trecho foi nas corredeiras. Portanto, foi muito perigoso devido à grande quantidade de pedras. Em vários lugares havia varas indicando o caminho. O momento é muito inseguro passar ali, porque o rio tinha subido um pouco e tinha coberto muitas pedras que não aparecem, mas estão quase à flor da água. O perigo de se bater numa destas pedras é iminente.

Pertinho de onde atracamos tinha uma panapaná de borboletas amarelas. Foi uma grande revoada com a nossa chegada. Fico sempre boquiaberto com a beleza cativante das revoadas por sempre deixarem a natureza em clima de festa.

Fomos recepcionados por crianças, vestidas a caráter, muito alegres e pintadas. Vieram ao nosso encontro correndo e nos abraçaram. Foi pura emoção e encanto!

A aldeia Escondido é pequena, mas já foi maior. No momento vivem ali só seis famílias. No início deste ano, três famílias se mudaram para outras aldeias. Aliás, naquela região das corredeiras do Chacorão há várias aldeias pequenas com duas ou três famílias.

Ao chegar vi uma adolescente usando muletas, porque faltava a perna esquerda. Perguntei o motivo da amputação. Responderam que ela teve que amputar a perna devido à mordida da super venenosa cobra Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta), a maior serpente peçonhenta das Américas e a segunda maior do mundo, atrás apenas da cobra-rei (Ophiophagus hannah). Quem levar uma mordida vai sentir a grande potência do seu veneno, que tem ação citotóxica, coagulante, hemorrágica e neurotóxica. O veneno da surucucu provoca reações similares às causadas pelo veneno das jararacas, como inchaço, dor local, necrose, problemas de coagulação, hipotensão, além de diarreia e diminuição do ritmo cardíaco, podendo levar ao choque e ao óbito. A única forma de tratamento contra a picada de surucucu é o soro antibotrópico-laquético, produzido pelo Instituto Butantan. Segundo as estatísticas, a cobra que mais pica seres humanos no Brasil é a jararaca. Ela responde por 70% dos acidentes por mordidas de cobras registrados no Brasil, a maioria no estado de São Paulo. A surucucu só é responsável por “só” 2% das mordidas de cobras em solo brasileiro, mas é como o povo diz: “quando não mata, aleija”.

Estávamos conversando de baixo de uns jambeiros, quando chegou o pai da menina. Ele pediu para o pain Sabá se era possível ele arrumar uma imagem de São Jorge, porque ele tinha feito uma promessa para esse santo. Contou que sua filha, quando foi mordida pela cobra Pico-de-jaca, ficou mais de mês na UTI. Ele disse que naquela agonia “se apegou a São Jorge” e pediu para que ele intercedesse junto a Deus para que sua filha voltasse viva para casa, mesmo com sequela, mas que voltasse viva, repetiu. Ela voltou sem a perna esquerda, porém viva. Ele quer fazer uma procissão com a imagem. Perguntei-lhe o nome e idade da filha. Disse que era Joceli e que estava com 12 anos. São da aldeia Igarapézinho, que fica um pouco acima.

Depois conversei com a Joceli. Ela me contou que, quando tinha 7 anos, viu que o cachorro estava brabo e acuando. Foi ver o que era e a cobra deu-lhe uma mordida. Disse que gosta de jogar futebol no gol. Com as muletas, ela se movimenta com boa agilidade. Está sempre alegre mostrando um rosto de mimosa faceirice.



Sobre mordida de cobra, Frei Sebastião disse que na Argentina se diz que São Francisco Solano[[10]], Padroeiro dos Missionários da América Latina, deu uma bênção de proteção a todos os missionários da América, por isso ele não tem medo de ser mordido de cobra. Eu lhe disse que escutei a mesma história, mas quem tinha dado a bênção protetiva foi São José de Anchieta a todos os padres do Brasil. Seja como for, até hoje não tenho notícia de que algum missionário no Brasil tenha sido mordido por cobra. Isto me faz recordar que o Apóstolo Paulo foi mordido por uma cobra venenosíssima em Malta e não morreu nem teve qualquer problema. Dois padres malteses, comentando o caso, me disseram que São Paulo deve ter feito algo para defender não só os padres, mas toda a população, porque em Malta não há cobra. Para quem não conhece, aí vai o texto bíblico:

“Uma vez que estávamos fora de perigo, soubemos que a ilha se chamava Malta. Os nativos mostraram extraordinária gentileza para conosco. Acolheram a nós todos, não sem acender uma fogueira, por causa da chuva que caía e do frio. Paulo, entretanto, saiu para recolher uma braçada de gravetos a fim de os lançar no fogo. Por causa do calor, saiu uma víbora que se enrolou na sua mão. Os nativos viram a cobra venenosa pendurada na mão e diziam entre si: “Este homem é mesmo um criminoso. Apenas escapado do naufrágio, a justiça divina não lhe permite viver.” Paulo, porém, sacudiu a cobra dentro do fogo, sem sofrer nenhum mal. Eles achavam que ele fosse ficar inchado e cair morto imediatamente. Esperaram muito tempo e, vendo que nada de anormal lhe acontecia, mudaram de ideia e começaram a dizer que ele era um deus” (At 28,1-6).

Depois chegou uma voadeira com moradores da aldeia Igarapé Preto, que também fica acima da aldeia Escondido.

Bati um bom papo com uma indígena que é professora formada em Manaus. Seu nome é Viviany Waru. Ela nasceu no Posto Munduruku ou aldeia Waro Apompo, no rio Cururu. Estudou por cinco anos na UFAM (Universidade Federal do Amazonas). Está com 40 anos tem um filho de 17 e uma filha de 11. O filho está cursando o ensino médio em Jacaracanga. Ela ensina a língua Mundurucu para as crianças e está escrevendo um livro com as histórias do seu povo, que vai colhendo com os idosos. Falei com ela a respeito das tradições e mitos da cachoeira do Kreputiá, que eu visitei algumas vezes. Contou-me que foi lá só uma vez, mas não tinha conhecimento das histórias e tradições ligadas ao local. Como eu conheço algumas, passei pra ela. Ficou muito feliz e me pediu para enviar o que eu tinha escrito nos meus relatos.

Na aldeia há uma escola de ensino fundamental. Com as  professoras Viviany Waru e Samaiara Carla da Silva e o professor Marlison Nazaré Sarmento. A professora Samaiara tem uma filha chamada Maria Elisa, que mora na aldeia. Ela deve ter uns 4 ou 5 anos.

O professor Antonio Eduardo da Silva Sousa da aldeia Waro Baxewatpu também chegou para participar da celebração. Batemos um longo papo sobre a educação indígena.



Professores: Antonio Eduardo, Marlison, Samaiara e Viviany

 

1º de novembro - Sexta-feira

 

A aldeia ainda não tem uma igreja, por isso a celebração foi no barracão comunitário. O padroeiro é São Raimundo Nonato. Ainda não há uma catequese organizada. Por isso só houve 6 batizados, sendo um adulto. O pain Sabá conversou com o catequista para iniciar a preparação para crismas e Primeira Comunhão. Estavam presentes na celebração indígenas das aldeias vizinhas: Igarapézinho, Igarapé Preto, Waro Baxewatpu e Boa Vista.

Após a celebração houve o café comunitário. 

Vi uma adolescente usando uma camisa do Corinthians. Perguntei se ela era corintiana. Respondeu que era flamenguista, mas que usava a do Corinthians porque tinha ganhado. Daí me animei a perguntar: “Se eu te der uma camisa do Palmeiras, você vai usar?” Disse que sim. Como eu tinha levado uma para dar de presente, dei para ela. Toda feliz colocou em cima da outra e eu aproveitei pra tirar uma foto.



Saímos às 10h23 margeando o lado direito do Tapajós, porque  há um canal entre as pedras. Depois atravessamos o rio quase em linha reta para se chegar ao Ramal do Bena.

Chegamos às 10h44. Portanto a viagem foi bem curta: 21 minutos. Estavam nos esperando o Frei Ari, OCD, e as duas irmãs vicentinas Josefina e Sonia. Os 3 moram e trabalham em Jacareacanga.

As irmãs levaram um lanche-almoço e nós comemos juntos. Terminado o almoço, Frei Sebastián e o piloto Candido iniciaram a viagem de retorno para a Missão São Francisco. Iriam subir o rio Tapajós até a foz do rio Cururu. Depois subiriam este rio até a aldeia Campinho, onde iriam pernoitar. No dia seguinte pain Sabá iria celebrar a missa de Finados na aldeia e depois continuaria a viagem até a Missão.

Frei Ari, as irmãs e eu fomos de camionete para Jacareacanga, um trajeto em torno de 100 km.

Assim ficava concluída a minha missão de visitas a aldeias Munduruku para crismas. Mas fiquei até o dia 4 de novembro em Jacareacanga. 


Quero terminar este relato  com esta bela oração de louvor:

Salmo 150  

– 1 Louvai o Senhor Deus no santuário, 

* louvai-o no alto céu de seu poder! 

– 2 Louvai-o por seus feitos grandiosos, 

* louvai-o em sua grandeza majestosa!  

– 3 Louvai-o com o toque da trombeta, 

* louvai-o com a harpa e com a cítara! 

– 4 Louvai-o com a dança e o tambor, 

* louvai-o com as cordas e as flautas!  

– 5 Louvai-o com os címbalos sonoros, 

* louvai-o com os címbalos de júbilo! 

– Louve a Deus tudo o que vive e que respira, 

* tudo cante os louvores do Senhor

 

 

Resumo:

Aldeia onde houve celebração

batismos

crismas

1ª comunhão

Nova Anipiri

1

7

1

Santa Maria

11

23

33

Missão

 

27

 

Morro do Careca

 

2

 

Restinga

 

5

 

Samaúma

1

21

 

Pedro Colares

1

10

7

Escondido

6

 

 

TOTAL  

20

95

41

 

  



[1] Sobra a história da Missão São Francisco, ver: <https://ocarmelo.blogspot.com/2012/08/missao-sao-francisco-do-rio-cururu.html>

[2] Frei Sebastián Robledo é franciscano argentino que se apaixonou pela missão com os indígenas Munduruku. Esta é a segunda vez que está trabalhando como missionário na Mundurucânia.

[3] Frei Amauri Pereira dos Santos, nasceu dia 13/11/72 em Altamira. Está na missão desde o dia 25 fevereiro de 2023. Fez noviciado em 1998.

[4] Frei Diogo Henrique da Silva Siqueira Oliveira OFM – nasceu dia 15/07/93, natural de Itapemirim, ES. Terminou o curso de Filosofia. Atualmente está fazendo o ano franciscano e no próximo ano vai iniciar os estudos de Teologia em Petrópolis. Fez o noviciado em 2020.

[5] Pain = padre em Munduruku, mas também é usado para designar irmão religiosos, como o Frei Amauri.

[6] “Capitão” é como os Munduruku chamam o cacique da aldeia. A palavra “cacique” é usada para um capitão que se aposentou. Há um “cacique geral”, mas seu poder é mais simbólico.

[7] Eu havia pedido para amigos de Cachoeira da Serra, distrito de Altamira e comunidade da Paróquia de Castelos dos Sonhos, para fazerem salame e “carne de lata”, ou seja, carne de porco frita e conservada na banha dentro de uma lata de 20 l. O Sr. Benício Warmling deu um porco grande, 197 kg depois de limpo, e em sua propriedade foi feito o salame e a “carne de lata”. Ajudaram fazer: Francisco José (Chico) Angeli, Paulo Henrique (Pipoca) Cunha, o casal Rogério e Tânia Jussara Pontes Pereira, os netos do Sr. Benício Pedro Henrique e Maria Júlia, e o filho do Pipoca Gabriel Henrique. Eu estive junto “fiscalizando” se eles iriam fazer bem. Provei e aprovei!

[8] (cf. Luana MACHADO DE ALMEIDA. Munduruku e Pariwat: Relações em transformação. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro 2010,  p. 60-63). On line: <http://teses2.ufrj.br/Teses/PPGAS_M/LuanaMachadodeAlmeida.pdf>

[9] In “O Guarani” de José de Alencar, no capítulo: VIII - O Bracelete.

[10] Nasceu em Montilla, Espanha, em 1549, numa família abastada. Iniciou seus estudos com os jesuítas, mas ingressou na Ordem Franciscana. O que ele mais desejava era ser missionário. Por isso foi enviado para a América Latina   em 1589, mais precisamente para Lima, no Peru.  Durante os quinze anos de apostolado missionário, vivenciou vários milagres como: a cura de doentes com o toque de seu cordão de franciscano, livrou totalmente uma vasta região da praga dos gafanhotos. Tinha o dom de aprender facilmente as novas línguas e catequizar a cada tribo em seu próprio dialeto.  Francisco Solano morreu em julho de 1610 em Lima. Foi canonizado pelo Papa Bento XIII em 27 de dezembro de 1726.

 

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