terça-feira, 16 de março de 2021

TOBY


TOBY

 

Wilmar Santin

 

O nome TOBY, cuja origem é hebraica, significa “agradável a Deus” ou “Deus é bom”. Toby e Tobit são duas variantes do nome Tobias, personagem que dá nome a um dos livros da Bíblia. Também tem relação com a palavra árabe tába, que significa “agradável aos sentidos”.

Mesmo que não pretenda, desta vez, falar ou refletir sobre o personagem bíblico, que foi acompanhado pelo arcanjo Rafael em sua longa viagem, recordo que o livro de Tobias é um dos 7 livros deuterocanônicos da Bíblia. É um livro belíssimo e gostoso de ler. É ali que se encontra a regra de ouro em forma negativa: “Não faças a ninguém o que não queres que te façam” (Tb 4,15). Jesus a propõe em forma positiva e exigente: “Tudo quanto desejais que os outros vos façam, fazei-o primeiro a eles” (Mt 7,12). 

Quando escuto o nome Toby, imediatamente lembro de um jogador de futebol dos anos 1980-90. Toby era o apelido do paranaense Dorival Mateus da Costa, nascido em Uraí, uma cidadezinha com pouco mais de 11.000 habitantes. Ele foi bom de bola, tanto é que jogou em grandes times do Brasil, como Coritiba e Cruzeiro (na época eram bons, hoje nem tanto – são times de segunda divisão). Era excepcional jogando no meio-campo. Dizia-se que era muito dado à bebida, por isso decaiu e jogou em vários times de menor expressão. Faleceu em 2015 aos 53 anos. Mesmo que eu sempre me lembre dele como um grande jogador e como campeão brasileiro, em 1985, pelo Coritiba Football Club, não é este o Toby da minha narrativa.

Há outro bom jogador de futebol chamado Toby que que joga na seleção belga. Ele atuou contra o Brasil na Copa do Mundo de 2018, quando a seleção canarinha foi derrotada por 2 x 1 e deu adeus àquela Copa. Na escalação oficial do time da Bélgica não apareceu o nome Toby e sim seu sobrenome Alderweireld, porque é costume chamar pelo nome da família. Seu nome completo é Tobias Albertine Maurits Alderweireld e atualmente joga como zagueiro do Tottenham Hotspur da Inglaterra. 

Mas Toby famoso não é só jogador de futebol, há um cantor e “rapper” chamado Toby McKeehan. Ele é norte-americano e ligado à banda de “rap” e rock cristão chamada DC Talk. Como não sou chegado a este tipo de música, em nada me atrai discorrer sobre este Toby. 

A memória me apresenta ainda muitos outros Tobys, mas vamos parar por aqui porque senão cansa. Sem mais delongas, vamos para o Toby da história que quero contar. Não é pessoa alguma e sim um cachorro vira-lata. Isso mesmo: um cachorro vira-lata. Ele é todo branco e normalmente está tristonho e vive deitado. Late muito pouco e quando vê gente balança o rabo e pula de alegria. Parece muito carente.

Mas ao mencionar um cachorro vira-lata lembro da famosa crônica de Nelson Rodrigues “Complexo de vira-latas”, publicada na revista Manchete dia 31 de maio de 1958, ou seja, na semana anterior ao início da Copa do Mundo em que o Brasil sagrou-se campeão mundial pela primeira vez. Eu não tinha ainda completado 6 anos, mas me lembro bem daquela Copa. Volta e meia os cronistas e comentaristas esportivos citam a famosa crônica. Mas o que vem a ser esse “Complexo de vira-latas”? O próprio Nelson responde: “Por "complexo de vira-latas" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”. A conclusão daquela crônica não podia ser mais genial: “Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: - para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão”.

Deixando o complexo de lado, tornemos à narrativa do vira-lata Toby. Necessitávamos de um cachorro para vigiar o Centro de Formação São José do Laranjal. Frei Romualdo me pediu para que, quando eu fizesse visitas pelo interior, arrumasse um cachorro. 

A ocasião surgiu na minha última ida a Castelo dos Sonhos, distrito de Altamira, PA, em agosto passado. Situado às margens da BR 163, o distrito está a mais de 1.000 Km da sede do município. Isso é apenas uma das coisas absurdas que há no Pará! A população local está tentando a emancipação, mas ainda deve passar muita água de baixo da ponte até Castelo dos Sonhos se tornar município. O motivo da viagem foi fazer linguiça, torresmo e “carne de lata”.  

Tudo começou três anos atrás, quando fui almoçar na casa do Sr. Lauro Becker, um catarinense que morou em Manoel Ribas, Paraná, e que há vários anos mora no Pará. É ministro da Eucaristia e coordenador da Comunidade Nossa Senhora de Fátima da Paróquia Santo Antônio de Pádua de Castelo dos Sonhos. Antes do almoço, nos acomodamos na ampla área da casa e passamos a jogar conversa fora e a contar vantagens. O Maurício, filho do Lauro, começou a contar “causos” de caçadas e pescarias. Pra brincar e provocar, comecei a contestar e dizer que tudo era conversa de caçador ou pescador, ou seja, invenção ou mentira. Ele contava muitas estórias de caçadas sobretudo de porcão (queixada) e caititu. Ele e seu cunhado, que também contava vantagem, entenderam as minhas brincadeiras e provocações e foram aumentando os fatos e feitos. Ríamos à vontade. Por fim chegamos ao assunto de fazer linguiça. O seu Lauro me convidou para irmos fazer em sua propriedade. Ele disse que tinha um porco no jeito. 

No dia seguinte, uma segunda-feira, fui até a propriedade da família Becker levado pelo Pe. Adenilson Alves Souza, pároco da Paróquia Santo Antônio. Fizemos 16 kg do linguiça.  

Desde aquela época, cada vez que ia a Castelo, o Sr. Lauro sempre me perguntava quando voltaria para fazer linguiça novamente. Nunca dava certo até que chegou a pandemia do coronavírus. Eu estava confinado em casa uns três meses sem sair. Fiquei sabendo que em Castelo dos Sonhos não tinha havido um caso sequer da Covid-19. Isto me animou a sair e ir até Castelo pra fazer linguiça. Via WhatsApp combinamos o dia.

Desta vez foi o Pe. João Pedro Pinheiro, pároco em Castelo dos Sonhos, quem me levou até a propriedade dos Becker. Estava me acompanhando o estudante franciscano frei Higor. Ele é mineiro de Betim e está fazendo estágio pastoral em Itaituba. Deve pesar pelo menos uns 130 kg, mas, como todo gordo, é muito simpático e alegre. Gosta de conversar e contar vantagens, principalmente se for sobre a qualidade da cachaça mineira. Sempre fala com orgulho de ter aprendido muitas coisas com sua avó, principalmente em matéria de culinária. Entre as coisas de que se gaba é de saber fazer “carne de lata”. Sua avó lhe ensinou a técnica para a carne de porco ficar boa e não estragar na lata bem como a banha não ficar rançosa. Quando a carne já estiver frita, deve-se tirar com uma colher um pouco de banha e jogar no fogo. Se frigir, ainda não está no ponto. Somente quando a gordura se incendiar é que está na hora de tirar a carne do fogo e jogar na lata com a banha. A ciência é quando a banha jogada com a colher pega fogo, significa que já saiu toda a água da carne e também já evaporou da banha. Daí ela não estraga, ou seja, nãos se torna rançosa. Coisa da culinária mineira! 

O Sr. Lauro tem uma grande cachorrada. Pedi um filhote e ele me ofereceu um vira-lata. Era muito manso. A conversa era que ficaria brabo e se ficasse ali se tornaria um bom cachorro caçador. Não botei muita fé, mas fiz de conta que acreditava. Algo não me entusiasmava naquele cão. Achei-o muito triste e parado. 

Mas por falar em cachorro de caça, como não recordar de dois cachorros que havia lá no seminário de Graciosa. Um era um pastor alemão, cujo nome era Conny, e o outro, um paqueirinho chamado Laique. 

O Conny ficou muito manso. Pudera! Éramos 75 meninos e adolescentes brincando com ele. Cismei de levá-lo caçar lagarto. Todos me gozavam e diziam que um pastor alemão não serve pra caçar. Mas tenho muitas histórias para provar que ele virou caçador de lagarto. Vou contar apenas duas por serem um pouco cômicas. 

O fato aconteceu no início de sua atividade como caçador. Todos me cobravam: “Quando o Conny vai pegar o primeiro lagarto?” Eu só respondia: “Vai chegar o dia”. O dia chegou. Era uma tarde ensolarada e o Conny farejou algo num barranco perto do campo de futebol. Eu não duvidei do seu faro. Por isso busquei uma pá para cavar. Todos me gozavam e me diziam que eu estava perdendo tempo. Um dos bons amigos, chamado Hélio, era quem mais me provocava dizendo: “Se aí tiver um lagarto e o Conny pegar, eu asso no dedo”. Finalmente chegamos onde estava o lagarto e o Conny deu-lhe uma abocanhada e saiu correndo levando o lagarto. Todos nós corremos atrás. Já dentro do pátio do seminário alguém conseguiu agarrar o Conny. O lagarto era um filhote. Quando eu disse para o Hélio: “Agora você vai ter que assá-lo no dedo”. Ele na tampa respondeu: “Eu disse que assaria no dedo se fosse um lagarto, mas isso aí é uma lagartixa!” 

Em outra ocasião, logo após o almoço saímos pra caçar lagarto. Nossas armas eram cacetes e o Conny. O sol estava escaldante, ou seja, propício para os lagartos saírem das tocas. Logo vi um rastro bem fresco de um lagarto que tinha entrado no oco de um pau. Sentenciei: “Ele está aqui dentro!” Alguém buscou um machado e começamos a cortar o toco. De repente o lagarto saltou pra fora e correu em direção ao Irineu. O Conny disparou atrás e quando ia abocanhá-lo, o Irineu deu uma paulada, porém, não acertou o lagarto e sim o cachorro.

Há um outro causo com o Conny. Certo dia, enquanto tomávamos café, escutamos uma gritaria na cozinha. Parecia que alguém estava morrendo. As cozinheiras gritavam apavoradas diante de um pequeno ouriço que tinha entrado na cozinha. Corremos para a cozinha pra saber o que estava acontecendo. A cadelinha Chule estava com espinho no nariz e o Conny com a boca totalmente cheia de espinhos do ouriço. Tirar os espinhos da boca do cachorro foi muito difícil. Só foi possível usando uma alicate. Creio que o Conny deve ter aprendido a nunca mais abocanhar um ouriço.

Retornando ao vira-lata Toby, nos três primeiros meses ele nos deu muito trabalho. Estava cheio de pulgas e com muitos vermes. Além disso estava infestado de bicho-de-pé e carrapatos. Por isso vivia deitado. Seus pés deviam doer, quando caminhava. Foram-lhe aplicadas todas as vacinas necessárias, bem como foram dados vermífugos e outras coisas pra acabar com as pulgas, bicho-de-pé e carrapatos. Aos poucos foi ficando mais alegre e ativo. Por fim foi levado para o Laranjal. Pouco tempo depois estava novamente cheio de pulgas, bicho-de-pé e carrapatos. Novas aplicações foram feitas! Agora ele está bom, mas, como o Conny, manso demais para ser um cão de guarda.

Mesmo não servindo para ser um cão de guarda, não foi descartado e sim foi levado para o Centro de Formação São José. Ultimamente apareceu por lá um porquinho e os dois viraram muito amigos. Passam o dia inteiro brincado. É bonito de se ver a amizade ente os dois. É como diz Antoine de Saint-Exupéry no livro “Terra dos Homens”: “Num mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo”.

Perguntei ao frei Romualdo sobre o porquê de ter colocado o nome de Toby no cachorro. Ele disse que não queria colocar um nome comum, mas que fosse diferente. Por isso ficou pensando e repassando possíveis nomes pela memória. De repente apareceu: Toby, que lhe agradou. Buscou na internet o significado e viu que era “agradável a Deus” ou “Deus é bom”. Decidiu na hora que seria Toby.


Dezembro de 2020.


Um comentário:

  1. Sobre o mineiro e porco na lata,nos fazíamos quando pai carneava (matava)porco,se fazia isto porque não tinha geladeira para guardar a carne...

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