terça-feira, 16 de março de 2021

Tenho medo de tomar vacina

 



Tenho medo de tomar vacina

 

Sempre tive medo de tomar injeção e o pior é que continuo tendo. Compartilho aqui algumas das minhas experiências ao tomar vacinas no tempo de criança e adolescência. Mas antes farei algumas considerações sobre o momento atual e a polêmica sobre a vacina contra a Covid-19.

O ano de 2020 foi um ano atípico e bem diferente dos outros devido à pandemia da Covid-19. Botou o mundo de joelhos! As grandes e ricas nações tiveram que se curvar diante do vírus chamado de coronavírus Sars-CoV-2, que significa “síndrome respiratória aguda grave – coronavírus 2″. Este novo coronavírus ceifou muitas vidas e vai continuar ceifando enquanto não se vacinar toda a população mundial. No momento em que estou escrevendo, só no Brasil são mais de 210.000 mortes! Já perdi amigos e conhecidos infectados por este terrível vírus.

A minha impressão é de que no Brasil houve mais polêmicas a respeito da pandemia do que em outros países. Desde o início, o Governo Federal marchou na contramão. Classificou a Covid-19 como uma gripezinha, não tomou as mesmas medidas realizadas nos outros países, debochou da ciência e das recomendações dos cientistas, incentivou as aglomerações, falou contra o uso de máscaras, desautorizou dois Ministros da Saúde, que tiveram que pedir o boné e voltar para casa. Colocou no lugar um general da ativa - que pode entender de logística militar, mas não entende de políticas públicas de saúde. Brigou com governadores e prefeitos que estavam executando as recomendações científicas e medidas adotadas nos países chamados de Primeiro Mundo. RESULTADO: Muita gente se convenceu de que a Covid-19 era uma simples macacoa e que as notícias de infecções e mortes eram invenções da Globo. Surgiram (e continuam surgindo) muitas notícias falsas, as tais fake news, publicadas nas redes sociais e veiculadas sobretudo em vídeos. A consequência disto é que temos um número muito maior de mortos.

Nas últimas décadas o Brasil tem sido um exemplo no que tange à vacinação em geral. Muitas doenças, como a varíola e a poliomielite, desapareceram. O último caso registrado da varíola foi em abril de 1971 e da poliomielite em 1989. Mas no caso da vacinação contra a Covid-19 o país está tendo uma atitude vergonhosa e se tornando motivo de chacota mundial.

Há um texto do Dr. Luiz Ayrton sobre o protagonismo do Dr. Waldyr Mendes Arcoverde na vacinação no Brasil. Fui um grande amigo do Dr. José Mendes Arcoverde, irmão mais velho do Dr. Waldyr, e assim tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Como o texto é bom e ilustrativo, resolvi colocá-lo aqui.

“Não se pode falar de vacina sem lembrar de Waldyr Mendes Arcoverde. Esse médico piauiense de Amarante foi o mais longevo Ministro da Saúde que o Brasil já teve. Seu mandato durou exatos 1.962 dias (1979-1985) no Governo do Pres. Figueiredo. Dr. Waldyr lutou pela interiorização das ações básicas de saúde chegando até aos mais pobres da população quando não havia ainda o SUS e foi protagonista da campanha nacional de vacinação ambiciosa contra a poliomielite em 1980 que serviu de base pra outras campanhas nacionais até os dias de hoje, exemplos para o mundo. Na época recebeu críticas até de autoridades mundiais como o Prof. Albert Sabin, mas enfrentou a todos, implementando no país as raízes das grandes campanhas brasileiras de imunização e proteção de crianças, garantindo mais saúde para gerações e gerações de brasileiros. Foi inicialmente Secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, presidente do INPS e, trabalhando na SUCAM, deu origem à Fundação Nacional de Saúde onde foi seu presidente. Lutou contra a abreugrafia pois considerava um método falho de diagnóstico da tuberculose colaborando para o seu fim. Depois de Ministro foi trabalhar na OPAS representando nosso país. Seu irmão Dirceu foi governador e senador pelo Piauí. Em sua homenagem, teve um filho também chamado Dirceu que casou com uma filha do Ministro Francisco Rezek. Quando soube de sua morte aos 85 anos em 2017, eu estava numa Assembleia das ONGs brasileiras de luta contra o câncer e, por solicitação minha, houve um minuto de silêncio e o registro em Ata daquele triste dia para a saúde brasileira. O Dr. Waldyr tem uma história grandiosa por tudo isso” (Dr. Luiz Ayrton).

Mais de 50 países começaram a vacinar já em dezembro passado. No Brasil o assunto foi politizado com divergências graves entre o governo federal com os estaduais. Não se pode deixar de mencionar a rixa pessoal entre Bolsonaro e Dória. Ficou-se discutindo sobre de quem seria a competência para se adquirir as vacinas e sobre qual vacina se devia adotar. Por isso as vacinas não foram encomendadas quando oferecidas. Só a Pfizer, em agosto de 2020, ofereceu ao Brasil 70 milhões de vacinas contra a Covid-19 e as doses estariam disponíveis já em dezembro, mas o governo adiou a compra. Houve também o problema da falta de seringas e agulhas. Vergonhosamente o Ministro da Saúde não sabia quando começaria a vacinação e só “enrolava”. A ANVISA demorou para se pronunciar e autorizar o uso das vacinas. O Estado de São Paulo, no dia 17 de janeiro, saiu na frente usando a CoronaVac (vacina chinesa que contou com a participação do Instituto Butantan). Outras vacinas como AstraZeneca (Oxford com participação da Fiocruz), Pfizer e Sputnik (Rússia) estão à espera da aprovação da ANVISA.

Antes das vacinas serem encomendas começaram as fake news contra a vacinação para desinformar o público e criar confusão na cabeça das pessoas. Há quem diga que essa ação foi orquestrada pelo chamado “gabinete do ódio”. Afirmações das mais absurdas possíveis sobre a vacina foram enviadas às redes sociais, como por exemplo: que a vacina iria modificar o DNA das pessoas ou que junto com a vacina seria introduzido um chip para controlar as pessoas ou que Vacinas da covid-19 contêm a enzima luciferase, que está associada a Lúcifer”. O próprio presidente chegou a insinuar que quem tomar a vacina poderia virar jacaré. Sua frase foi: se você virar um jacaré, é problema seu”. Não sei se o presidente queria debochar ou fazer uma chalaça, o certo é que pegou mal e virou uma chacota mundial com uma enxurrada de memes.

Não foram poucas as críticas à logística na distribuição inicial das vacinas. O Ministro da Saúde, que foi colocado justamente por ser um general especialista em logística, mostrou uma incompetência sem tamanho. Como já mencionado acima, as vacinas não foram encomendadas tempestivamente e agora fica mais difícil recebê-las logo. Há quem diga que por isso a vacinação vai se arrastar até 2022.

Deve ser mencionada a polêmica sobre se o Estado pode ou não obrigar os cidadãos a tomarem a vacina contra a Covid-19. Há os que dizem que sim e os que o negam. Quem está com a razão? Já existe lei que obriga os pais a vacinarem os filhos contra certas doenças e que cada criança tenha a sua carteirinha de vacina. Durante os anos 1960-70 todos eram vacinados contra a varíola. Nas décadas de 1970-90, quem fosse para Rondônia não entrava naquele estado se não fosse vacinado contra a febre amarela. Só por estes exemplos, já dá pra se ter a certeza de que o Estado pode obrigar a vacinação de todos os seus cidadãos. O Papa Francisco se pronunciou pró vacinação. Seu argumento é simples e direto: Eticamente todos devem ser vacinados. Não é uma opção se serve ou não serve. É uma opção ética, porque você não só põe em risco a sua saúde, a sua vida, mas também a dos outros". Portanto, vacinar ou não vacinar não é só uma questão pessoal e sim também coletiva.

Neste contexto informo que em 1740, portanto 281 anos atrás, o missionário carmelita frei José da Madalena vacinou os indígenas contra a varíola em Barcelos, Amazonas, salvando assim muitas vidas (Cf. Revista do IHGB. Tomo XLVIII, pag. 29). Como ele vacinou? Tomava o pus de um doente de varíola e o injetava na pessoa sadia. O pus com o vírus morto ou moribundo provocava a formação de anticorpos. O máximo que acontecia era pegar a doença de maneira fraca sem o perigo de morte. Naqueles tempos não havia propaganda contra a vacinação, como hoje.

Eu, pessoalmente, sempre tive medo de injeção. No passado tinha verdadeiro pavor. Sempre que pude, fugi das vacinações. Até hoje, por exemplo: não tomo vacina contra a gripe, porque acho que não preciso devido à minha boa resistência. No entanto, o motivo de fundo é o medo da agulha que deve me furar. Todo ano faço um check-up de saúde e por isso invariavelmente tenho que tirar sangue. Nestas ocasiões, pra encontrar uma veia é sempre uma grande dificuldade devido ao meu medo da agulhada. Porém, contra a Covid-19 irei tomá-la. O Papa Francisco tomou a vacina e pra mim é um exemplo. Admiro demais esse Papa em todos os sentidos. Louvo e agradeço a Deus diariamente por termos um Papa tão iluminado pelo Espírito Santo.



Consultando a minha memória a respeito de vacinas, a mais antiga que me recordo foi contra o tifo. Foi lá pelos anos 1960-62 no Posto de Saúde de Nova Londrina. Todos deviam tomar três doses com um intervalo de três dias entre uma dose e outra, se não me engano. Eu nunca tinha ouvido falar desta doença. Escapei o quanto eu pude. O único argumento que me fez tomá-la foi: “Se você pegar o tifo, você morre! Não tem cura!” O medo de morrer foi maior do que o pavor da agulhada. A vacina era aplicada na parte interna do antebraço e provocava como consequência, além da dor, um bom inchaço. No dia de tomar a segunda dose não fui. Novamente o argumento infalível: “Se você pegar o tifo você morre! Não tem cura! E uma dose só não ajuda.” Dia seguinte fui. Para a terceira dose o argumento foi: “Tome a última e você ficará imunizado pra sempre. Um pouquinho de dor agora é melhor do que morrer”. Até hoje quando recordo daquela vacinação, fico arrepiado.

Fui vacinado várias vezes contra o tétano. No tempo de criança fiquei sabendo da morte de algumas pessoas causadas pelo tétano. Isto criava um medo de morrer de tétano. Por isso, eu a tomei. Depois para poder participar do Projeto Rondon, uma das exigências era tomar algumas vacinas, entre as quais  contra o tétano e a febre amarela. A sorte é que estas vacinas têm a validade por 10 anos.


Nos anos 1960-70, era obrigatório todos serem vacinados contra a varíola e a vacinação foi feita várias vezes. Cada vez, um modo diferente para aplicá-la. De tempos em tempos, uma vacinação em massa. Começou com injeção, depois dois risquinhos com uma agulha no braço e aplicava-se a vacina. Depois, passou a ser aplicada com uma pistola de pressão: encostava-se a pistola e disparava a vacina. Não dava nem tempo de gritar e já estava vacinado. Quem já tinha sido vacinado, devia ser vacinado de novo. A vacina sempre provocava alguma reação e até mesmo febre, mas a principal era uma pequena inflamação no local, criava uma casca de ferida e ficava a cicatriz. Eu ainda tenho a marca desta vacina. Recordo perfeitamente que em 1967 houve no seminário vacinação para os seminaristas. Eu fugi e me escondi no banheiro. Não adiantou! Como a vacinação seguia a lista de cada sala de estudo, quando viram que eu não apareci, os padres colocaram todos os seminaristas pra me procurar. Claro que me acharam. Depois por muito tempo me gozaram e me chamaram de “cagão”. Foi um verdadeiro bullying, mas não guardo mágoas ou trauma daquelas gozações que até me ajudam. Aquela experiência marcou um começo de mudança. Percebi que eu devia enfrentar o medo da agulhada. Até hoje não consegui vencer o medo, mas já não sou mais tão “cagão” como antes. Se tiver que tomar uma agulhada, mesmo com certo medo, tomo. Aquela vacinação contra a varíola, repedidas vezes, resolveu o problema no Brasil, tanto é que o último caso foi em 1971, como dito acima.

Outra vacina que tomei mais de uma vez foi contra a febre amarela. Tenho uma vaga lembrança de tê-la tomado na infância, mas recordo perfeitamente de que foi necessária para participar do Projeto Rondon, sendo a última, em Itaituba em 2012. No próximo ano terei que tomá-la de novo.

A minha esperança é de que as vacinas contra Covid-19 funcionem e a pandemia acabe o quanto antes. Oxalá que esta pandemia não fique apenas nos mortos e no sofrimento das famílias que perderam entes queridos, mas que ajude também para que as pessoas meditem sobre o sentido da vida. Reflitam sobre o relacionamento humano e sobre como tornar o mundo mais fraterno e unido para resolver os problemas da humanidade, sobretudo da fome, da guerra, das migrações e das intolerâncias religiosas e raciais.

Para concluir e dar esperança a quem ler este texto, cito uns versículos bíblicos: “Somos atribulados de todos os lados, mas não vencidos pela angústia; postos em apuros, mas não desesperançados; perseguidos, mas não desamparados; derrubados, mas não aniquilados; por toda a parte e sempre levamos em nosso corpo o morrer de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa existência mortal. Assim, a morte atua em nós, enquanto a vida atua em vós (2Cor 4,8-12).

Wilmar Santin

Janeiro de 2021.

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