Homilia de Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.
Peregrinação Internacional Aniversária
Fátima, 13 de
Setembro de 2015
Caros Peregrinos e Peregrinas,
A narrativa do
evangelho deste domingo (Mc 8,27-35) pode ser
dividida em duas partes: 1) quem é Jesus e 2) o anúncio da sua paixão e as
condições para seguir Jesus.
Mais ou menos na
metade de sua atividade missionária, Jesus quis fazer uma avaliação e saber o
que o povo estava a pensar sobre quem Ele era. Por isso Jesus perguntou aos
Seus discípulos: «Quem dizem os homens que Eu sou?» Pela resposta: «João
Baptista, Elias ou um dos profetas», dá para se concluir que o povo
percebia que Jesus era um homem especial, um profeta, ou seja, um homem de
Deus. Também o povo havia percebido que Jesus continuava a mensagem profética
do Antigo Testamento, mas ainda não sabia verdadeiramente quem Ele era.
Então Jesus se dirigiu diretamente aos discípulos e perguntou: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Pedro
tomou a iniciativa e deu a resposta: «Tu
és o Messias». Pedro implicitamente estava a dizer que Jesus era o
libertador esperado por Israel, o enviado por Deus para libertar o seu Povo e
para lhe oferecer a salvação definitiva.
Diferentemente
de Mateus, segundo o qual Jesus em seguida se dirigiu primeiro a Pedro dizendo:
“Tu és Pedro e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja...” (Mt 16,17), no evangelho de Marcos, Jesus se
dirigiu aos discípulos e os proibiu severamente de divulgar que Ele
era o Messias. Muito se tem refletido sobre esta proibição. A interpretação é
que o título de Messias estava ligado popularmente a esperanças
político-nacionalistas. Com certeza isto criaria problemas para Jesus. Por
isso, Jesus deu a ordem para que seus discípulos não falassem disso a ninguém.
Era preciso esclarecer, purificar e completar o ensinamento sobre o Messias e a
sua missão, para evitar possíveis equívocos. É isso que Jesus vai fazer a
partir daquele momento.
Após proibir que
se anunciasse que Ele era o Messias, Jesus anunciou claramente a sua paixão, dando a saber, que Ele “tinha de sofrer muito, de ser
rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas; de ser morto
e ressuscitar três dias depois”. Este
anúncio está na linha do chamado Servo Sofredor apresentado pelo Profeta
Isaías, conforme ouvimos na primeira leitura de hoje (Is 50,5-9). Os discípulos
poderiam esperar tudo, menos este anúncio. Eles esperavam um Messias glorioso,
forte, um grande líder, um rei poderoso, um guerreiro, um
juiz incorruptível. Ninguém esperava um Messias servidor e sofredor, como foi
anunciado por Isaías.
Nós também temos
que dar uma resposta à pergunta de Jesus: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» A nossa resposta poderia ser a mesma de Pedro: “O Messias”, ou “o Filho do
Deus vivo” (Mt 16,16), ou “Aquele que
tem palavras de vida eterna” (Cf. Jo 6,68). Ou ainda as palavras do Papa Francisco: “Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do
Pai” (primeira frase da Misericordiae
Vultus, a bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia).
Poderia ser ainda algumas das afirmações do próprio Jesus: “O Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo
14,6), ou “O Bom Pastor” (Jo 10,11),
ou “O Pão Vivo descido do céu” (Jo
6,51).
Responder com a
boca, é fácil. Também é fácil responder com aquilo que aprendemos na catequese ou em livros. Mas para dar uma resposta verdadeira é
necessário interrogar o nosso coração para perceber o lugar que Cristo ocupa na
nossa existência. Responder a esta pergunta nos obriga a pensar no significado
que Jesus Cristo tem em nossa vida, que atenção damos às suas propostas e
exigências, que importância tem os valores apresentados por Ele em nossas
atitudes e ações, que esforço fazemos para segui-Lo.
Pedro, sem
dúvida, deu a resposta correta: “Tu és o
Messias”, mas o que ele entendia por Messias não era o que Jesus entendia.
Ele tinha uma ideia deformada a respeito do Messias. Por isso contestou de
imediato o anúncio da paixão feito por Jesus. A contestação de Pedro exprime
bem sua incapacidade de entender como o mistério de Deus se manifesta em Jesus
Cristo. Pode ser também que Pedro intuiu que a sorte reservada a Jesus seria a
mesma para os seus discípulos, ou seja, teriam que enfrentar perseguições e
morte.
A reação de Jesus à contestação de Pedro foi muito contundente: «Vai-te, Satanás, porque não compreendes as
coisas de Deus, mas só as dos homens».
Em seguida,
Jesus colocou condições exigentes e radicais para segui-lo: «Se alguém quiser seguir-Me,
renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me».
Naquela época, a
cruz era a sentença de morte que o Império Romano impunha aos piores
marginalizados, bandidos e revoltosos. Tomar a cruz e seguir Jesus significava,
portanto, aceitar ser um marginalizado, ser tratado como bandido da pior
espécie pelo sistema injusto que legitimava a injustiça. Jesus ao anunciar a
cruz fez uma ruptura radical e total com o sistema dos crucificadores. Ele se
colocou na perspectiva dos crucificados e não dos crucificadores. "Tomar a sua cruz",
hoje em dia, é enfrentar a ditadura do prazer que nos torna cegos para o valor
evangélico do sofrimento. Não se trata de apologia da dor e do sofrimento, mas
de resgatar a força libertadora, redentora e evangelizadora da cruz.
A cruz, neste
sentido, não é fatalismo, nem mesmo uma exigência do Pai. A cruz é a
consequência do compromisso livremente assumido por Jesus para revelar a Boa
Nova que Deus é Pai e, portanto, todos devem ser aceitos e tratados como
irmãos. Devido a este anúncio, Jesus foi perseguido, mas não desistiu de dar a
Sua vida por nós: “Não existe amor maior
do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).
O renunciar a si
mesmo e tomar a cruz cada dia exige uma conversão contínua, porque como Deus
diz em Isaías: “Os meus planos não são os
vossos planos, os vossos caminhos não são os meus caminhos” (Is 55,8). A
conversão deve nos levar a assumir os planos e os caminhos de Deus.
Maria, a Mãe de
Jesus, é o principal exemplo do renunciar a si mesmo e tomar a cruz cada dia.
Ela teve que renunciar aos seus sonhos, como por exemplo, de ter muitos filhos,
como qualquer jovem judia tinha na época, para ser a Serva do Senhor. Teve que
renunciar a uma vida estável e suportar “várias espadas” a transpassar-lhe o
coração. Teve que fugir para o Egito e por fim acompanhar o Filho até o
Calvário. Teve que tomar nos braços o Filho morto na cruz e depositá-lo no sepulcro.
Renunciou a si mesma, tomou a cruz cada dia e permaneceu fiel até o fim.
Renunciar a si mesmo começa quando deslocamos o nosso ego,
quando colocamos no centro da vida o espaço devido a Deus e seu reino (cf. Gl
2,20). Isso faz uma grande diferença num mundo que alimenta a ditadura do ego,
do individualismo e do indiferentismo ateu.
Renunciar a si mesmo e tomar a
sua cruz cada dia exige uma conversão contínua. Isto faz parte da mensagem
de Fátima. Participar de uma Peregrinação Internacional Aniversária em Fátima e
voltar para casa do mesmo jeito, seria uma perda de tempo e mostraria que a
pessoa não entendeu o que significa seguir Jesus Cristo. Que a experiência
maravilhosa de participação nesta Peregrinação ajude a todos a iniciarem um
processo de conversão contínua, renunciando a si mesmos e assumindo a cruz cada
dia, imitando Maria, a Mãe de Jesus.
+ Wilmar Santin, O.Carm.
Bispo da
Prelazia de Itaituba, Pará - Brasil
Que nossa senhora de Fátima nos ajude nesse percurso de verdadeiramente saber o que a pessoa de Jesus significa de verdade em nossas vidas.
ResponderExcluirJesus é a essência que nos faz recomeçar em cada dia pra sermos felizes diante de tantas tribulações.
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