sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

“De Nazaré pode sair algo de bom?” - 1




“De Nazaré pode sair algo de bom?” - 1

UMA EXPERIÊNCIA NO PRESÍDIO DE ITAITUBA


Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.

 

Certo dia recebi um convite para representar a parte católica numa celebração ecumênica no presídio da cidade de Itaituba. Não fui informado sobre quantas e quais outras igrejas tinham sido convidadas. Sempre que posso, aceito com muita alegria convites para participar de celebrações ecumênicas. Rezar juntos é maravilhoso e sempre faz bem! Jesus nos dá o fundamento: “Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20). Nessas celebrações sempre estamos reunidos em nome de Jesus.

O presídio, cujo nome oficial é Centro de Recuperação de Itaituba, foi construído há mais de 25 anos com o objetivo de abrigar 190 detentos. Porém, segundo notícias veiculadas na imprensa local, normalmente está lotado e algumas vezes com mais de 400 reclusos. A superlotação provém do fato de que a casa prisional recebe presos dos municípios de Aveiro, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso, Rurópolis e Trairão.

Todo ano a imagem de Sant’Ana é levada ao presídio antes dos festejos da padroeira. Por isso, estive nesse lugar algumas vezes acompanhando a imagem. Normalmente passamos pelos corredores e entramos nas celas. Porém, uma vez isto não nos foi possível entrar nas celas e nem sequer passar pelos corredores devido ao alto risco de uma rebelião. Fomos levados para a parte de cima das celas e de lá podíamos ver os presos e eles também conseguiam nos ver. Fomos cantando, rezando e mostrando a imagem. Os presos nos olhavam um pouco assustados sem entender o que estava acontecendo. Ao verem a imagem, alguns faziam o sinal da cruz e outros demonstravam uma cara de poucos amigos. 

Há uma ala feminina, mas sempre com poucas detentas. Numa das vezes, uma presa se ajoelhou, rezou, pediu uma bênção implorando para que eu rezasse por ela. No dia da festa de Sant’Ana, dia 26 de julho, ela participou da procissão e conversou comigo dizendo que tinha recebido um indulto e que iria recomeçar a vida. Seis anos depois ela me encontrou na rua e me perguntou se eu a reconhecia. Tive que responder que não. Ela me disse: “Sou aquela presa que o senhor rezou por ela. Me regenerei e constituí uma nova família. Estou muito feliz!” Naquele momento senti uma grande alegria e elevei a Deus uma oração de agradecimento. O Papa Francisco tem razão ao afirmar: “Antes de tudo lembremo-nos de que a conversão é uma graça, portanto, deve ser pedida a Deus com força”. O Sucessor de Pedro também explica que a conversão “Na Bíblia, significa primeiro mudar a direção e a orientação; e depois também mudar a maneira de pensar. Na vida moral e espiritual, converter meios de passar do mal ao bem, do pecado ao amor de Deus”. Aprofunda afirmando que a conversão “envolve a dor pelos pecados cometidos, o desejo de se livrar deles, o propósito de excluí-los da própria vida para sempre. Para excluir o pecado, é preciso também rejeitar tudo o que está ligado a ele: a mentalidade mundana, a superestimação do conforto, do prazer, do bem-estar, das riquezas. O Pontífice conclui: "Nós nos convertemos verdadeiramente na medida em que nos abrimos à beleza, à bondade, à ternura de Deus. Então deixamos o que é falso e efêmero, para o que é verdadeiro, belo e dura para sempre" (Angelus – 06 de dezembro de 2022).

Desta vez quando cheguei em frente ao presídio, havia ali na rua um grupo de evangélicos. Fui conversar com eles e me apresentei. Disseram-me que eram da Congregação Cristã no Brasil. Um deles me pareceu ser do sul do país, por isso perguntei de onde ele era. 

- “Do Paraná!”, respondeu-me. 

- “De que cidade?” 

- “De Maristela!”

- “Maristela, distrito de Alto Paraná?” 

- “Sim”.

Espontaneamente brinquei: - “Mas de Maristela pode sair coisa que presta?” 

Ele não gostou, me olhou com um olhar ameaçador, fechou a cara e não respondeu, dando as costas pra mim. Tentei amenizar dando uma risadinha e dizendo: - “Só sai coisa boa de Alto Paraná ou Paranavaí!” Não teve jeito: continuou com a cara amarrada. Não me preocupei, porque sabia que tudo se resolveria na celebração.

Entramos, conversamos com os dirigentes e funcionários do presídio que foram muito amáveis e manifestaram alegria pela nossa presença. Ofereceram-nos um café com lanche.

A celebração foi realizada no pátio externo ao ar livre. O motivo era a formatura de um grupo de detentos que tinham feito um curso de reciclagem de plásticos. Estavam presentes também o juiz e o promotor. Fui o primeiro a ter a palavra. Usei como texto bíblico  a narrativa do encontro de Jesus com Natanael (Jo 1,29-51). Ao comentá-lo, fiz uma atualização do versículo 46, ou seja, a pergunta de Natanael a Filipe: “De Nazaré pode sair algo de bom?”, interrogando sobretudo os presos mas também as pessoas ali presentes: “Porventura, pode sair algo de bom deste presídio?” Foi um silêncio total! Passei o olhar sobre todos os detentos e concluí com voz potente e segura: “Claro que pode! Vocês em breve vão sair daqui e vão recomeçar a vida. Por isso fizeram este curso de reciclagem. Só depende de cada um de vocês iniciar uma nova fase na vida para não ter que voltar para cá”. Continuei estimulando-os a aproveitarem a liberdade, ao saírem da prisão, para começarem uma vida nova. Citei como exemplo aquela presa que me pediu a bênção, que se regenerou e estava muito feliz. Recordei o que em geral a população pensa em relação aos presos. Repeti a frase de Natanael que duvidava que de Nazaré pudesse sair algo de bom. Acentuei: “De Nazaré saiu Jesus, o nosso Salvador!” Em seguida me dirigi ao homem de Maristela: “Pois é, lá fora eu brinquei com nosso irmão lá do Paraná perguntando se podia sair coisa que presta de Maristela. Quero lhe dizer que eu tinha em mente este versículo do evangelho. Eu não queria desprezar Maristela, o simpático e progressista distrito de Alto Paraná.” O homem, que estava ainda com a cara amarrada, abriu um lindo sorriso. Viramos amigos! Temos nos encontrado várias vezes. Sempre conversamos e comentamos sobre nossas idas ao Paraná. Eu gosto de me encontrar com ele e sinto que ele gosta de se encontrar comigo.

Aí está uma prova de que quando rezamos juntos, nasce amizade, alegria e o mais bonito: passamos a nos tratar como verdadeiros irmãos!

 

Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.

02 de fevereiro de 2023.

Festa da Apresentação do Senhor

 

 

5 comentários:

  1. Parabéns pelo conteúdo 👏👏👏

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  2. Parabéns Dom Vilmar homen de muita sabedoria. Sua história é muito linda tou muito feliz em ter o senhor aqui .como nosso bom pastor obg que Jesus te proteja sempre...amém..

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  3. Gosto de ler seus artigos e suas publicações

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  4. Gostei, são ótimos seus artigos , saudades primo.

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  5. Bom dia muito bom ler depoimentos de salvação de vidas de pessoas dom wilmar Deus abençoe

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