domingo, 13 de setembro de 2015

Homilia de Dom Frei Wilmar Santin OCarm - Fatima, 13 de Setembro de 2015


Homilia de Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.
Peregrinação Internacional Aniversária
Fátima, 13 de Setembro de 2015



Caros Peregrinos e Peregrinas,
A narrativa do evangelho deste domingo (Mc 8,27-35) pode ser dividida em duas partes: 1) quem é Jesus e 2) o anúncio da sua paixão e as condições para seguir Jesus.
Mais ou menos na metade de sua atividade missionária, Jesus quis fazer uma avaliação e saber o que o povo estava a pensar sobre quem Ele era. Por isso Jesus perguntou aos Seus discípulos: «Quem dizem os homens que Eu sou?» Pela resposta: «João Baptista, Elias ou um dos profetas», dá para se concluir que o povo percebia que Jesus era um homem especial, um profeta, ou seja, um homem de Deus. Também o povo havia percebido que Jesus continuava a mensagem profética do Antigo Testamento, mas ainda não sabia verdadeiramente quem Ele era.
Então Jesus se dirigiu diretamente aos discípulos e perguntou: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Pedro tomou a iniciativa e deu a resposta: «Tu és o Messias». Pedro implicitamente estava a dizer que Jesus era o libertador esperado por Israel, o enviado por Deus para libertar o seu Povo e para lhe oferecer a salvação definitiva.
Diferentemente de Mateus, segundo o qual Jesus em seguida se dirigiu primeiro a Pedro dizendo: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja...” (Mt 16,17), no evangelho de Marcos, Jesus se dirigiu aos discípulos e os proibiu severamente de divulgar que Ele era o Messias. Muito se tem refletido sobre esta proibição. A interpretação é que o título de Messias estava ligado popularmente a esperanças político-nacionalistas. Com certeza isto criaria problemas para Jesus. Por isso, Jesus deu a ordem para que seus discípulos não falassem disso a ninguém. Era preciso esclarecer, purificar e completar o ensinamento sobre o Messias e a sua missão, para evitar possíveis equívocos. É isso que Jesus vai fazer a partir daquele momento.
Após proibir que se anunciasse que Ele era o Messias, Jesus anunciou claramente a sua paixão, dando a saber, que Ele “tinha de sofrer muito, de ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas; de ser morto e ressuscitar três dias depois”. Este anúncio está na linha do chamado Servo Sofredor apresentado pelo Profeta Isaías, conforme ouvimos na primeira leitura de hoje (Is 50,5-9). Os discípulos poderiam esperar tudo, menos este anúncio. Eles esperavam um Messias glorioso, forte, um grande líder, um rei poderoso, um guerreiro, um juiz incorruptível. Ninguém esperava um Messias servidor e sofredor, como foi anunciado por Isaías.
Nós também temos que dar uma resposta à pergunta de Jesus: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» A nossa resposta poderia ser a mesma de Pedro: “O Messias”, ou “o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16), ou “Aquele que tem palavras de vida eterna” (Cf. Jo 6,68).  Ou ainda as palavras do Papa Francisco: “Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai” (primeira frase da Misericordiae Vultus, a bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia). Poderia ser ainda algumas das afirmações do próprio Jesus: “O Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6), ou “O Bom Pastor” (Jo 10,11), ou “O Pão Vivo descido do céu” (Jo 6,51).
Responder com a boca, é fácil. Também é fácil responder com aquilo que aprendemos na catequese ou em livros. Mas para dar uma resposta verdadeira é necessário interrogar o nosso coração para perceber o lugar que Cristo ocupa na nossa existência. Responder a esta pergunta nos obriga a pensar no significado que Jesus Cristo tem em nossa vida, que atenção damos às suas propostas e exigências, que importância tem os valores apresentados por Ele em nossas atitudes e ações, que esforço fazemos para segui-Lo.
Pedro, sem dúvida, deu a resposta correta: “Tu és o Messias”, mas o que ele entendia por Messias não era o que Jesus entendia. Ele tinha uma ideia deformada a respeito do Messias. Por isso contestou de imediato o anúncio da paixão feito por Jesus. A contestação de Pedro exprime bem sua incapacidade de entender como o mistério de Deus se manifesta em Jesus Cristo. Pode ser também que Pedro intuiu que a sorte reservada a Jesus seria a mesma para os seus discípulos, ou seja, teriam que enfrentar perseguições e morte.
A reação de Jesus à contestação de Pedro foi muito contundente: «Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens».
Em seguida, Jesus colocou condições exigentes e radicais para segui-lo: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me».
Naquela época, a cruz era a sentença de morte que o Império Romano impunha aos piores marginalizados, bandidos e revoltosos. Tomar a cruz e seguir Jesus significava, portanto, aceitar ser um marginalizado, ser tratado como bandido da pior espécie pelo sistema injusto que legitimava a injustiça. Jesus ao anunciar a cruz fez uma ruptura radical e total com o sistema dos crucificadores. Ele se colocou na perspectiva dos crucificados e não dos crucificadores. "Tomar a sua cruz", hoje em dia, é enfrentar a ditadura do prazer que nos torna cegos para o valor evangélico do sofrimento. Não se trata de apologia da dor e do sofrimento, mas de resgatar a força libertadora, redentora e evangelizadora da cruz.
A cruz, neste sentido, não é fatalismo, nem mesmo uma exigência do Pai. A cruz é a consequência do compromisso livremente assumido por Jesus para revelar a Boa Nova que Deus é Pai e, portanto, todos devem ser aceitos e tratados como irmãos. Devido a este anúncio, Jesus foi perseguido, mas não desistiu de dar a Sua vida por nós: “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).
O renunciar a si mesmo e tomar a cruz cada dia exige uma conversão contínua, porque como Deus diz em Isaías: “Os meus planos não são os vossos planos, os vossos caminhos não são os meus caminhos” (Is 55,8). A conversão deve nos levar a assumir os planos e os caminhos de Deus.
Maria, a Mãe de Jesus, é o principal exemplo do renunciar a si mesmo e tomar a cruz cada dia. Ela teve que renunciar aos seus sonhos, como por exemplo, de ter muitos filhos, como qualquer jovem judia tinha na época, para ser a Serva do Senhor. Teve que renunciar a uma vida estável e suportar “várias espadas” a transpassar-lhe o coração. Teve que fugir para o Egito e por fim acompanhar o Filho até o Calvário. Teve que tomar nos braços o Filho morto na cruz e depositá-lo no sepulcro. Renunciou a si mesma, tomou a cruz cada dia e permaneceu fiel até o fim.
Renunciar a si mesmo começa quando deslocamos o nosso ego, quando colocamos no centro da vida o espaço devido a Deus e seu reino (cf. Gl 2,20). Isso faz uma grande diferença num mundo que alimenta a ditadura do ego, do individualismo e do indiferentismo ateu.
Renunciar a si mesmo e tomar a sua cruz cada dia exige uma conversão contínua. Isto faz parte da mensagem de Fátima. Participar de uma Peregrinação Internacional Aniversária em Fátima e voltar para casa do mesmo jeito, seria uma perda de tempo e mostraria que a pessoa não entendeu o que significa seguir Jesus Cristo. Que a experiência maravilhosa de participação nesta Peregrinação ajude a todos a iniciarem um processo de conversão contínua, renunciando a si mesmos e assumindo a cruz cada dia, imitando Maria, a Mãe de Jesus.

+ Wilmar Santin, O.Carm.
Bispo da Prelazia de Itaituba, Pará - Brasil


sábado, 12 de setembro de 2015

Homilia - Peregrinação Internacional Aniversaria em Fatima - 12-09-2015

Homilia de Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.

Peregrinação Internacional Aniversária 

Fátima, 12 de Setembro de 2015



Amados Peregrinos e Peregrinas,

O evangelho de hoje (Lc 8,19-21) nos traz o episódio em que a Mãe e os irmãos de Jesus foram até onde Ele estava e queriam vê-Lo. Aqui convém explicar que a expressão “irmãos de Jesus”, de acordo com a herança patriarcal de Israel, não significava só os irmãos de sangue e sim também os parentes mais próximos, como os primos. O uso da expressão nesta perícope deve ser entendida à luz da reacção de Jesus e do sentido que Ele dá sobre quem é sua mãe, seus irmãos e irmãs. Na tradição cristã a expressão deste evangelho sempre foi entendida concretamente como sendo os parentes próximos e nunca como possíveis irmãos de sangue, filhos de Maria.
À primeira vista, a reacção de Jesus foi muito estranha. Por exemplo: Ele não foi ao encontro de sua Mãe para abraçá-la e demonstrar todo o amor e carinho que Ele tinha por Ela, como nós faríamos.
O evangelista Marcos descreve a reacção de Jesus um pouco mais detalhada: “Então Jesus olhou para as pessoas que estavam sentadas ao seu redor e disse: Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (Mc 3,34-35).
Jesus com suas palavras não tinha intenção de negar os vínculos de parentesco natural nem desprezar sua mãe, mas alargar o sentido de pertença à Sua família! Para Jesus, o critério para pertencer à família Dele deixa de ser o sanguíneo e passa a ser o espiritual, ou seja, "fazer a vontade de Deus". Para Jesus o que vai definir o verdadeiro sentido de família é a escuta e a prática da Palavra de Deus.
Portanto, é a palavra de Deus que cria uma nova família ao redor de Jesus: "Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática." Como consequência, Maria se tornou duplamente "mãe": primeiro porque gerou Jesus e segundo porque mais do que ninguém ela soube escutar a Palavra e fazer sempre a vontade de Deus.
Para Jesus, a escuta e a prática da Palavra de Deus devem criar laços familiares mais fortes do que os laços de sangue. E assim, o escutar a Palavra e o pôr em prática esta Palavra produzem o efeito de nos tornar mãe, irmãos e irmãs de Jesus.
Como devotos de Nossa Senhora de Fátima, devemos ter a Mãe de Deus como modelo de vida. Se olharmos a vida de Maria, constataremos que primeiro ela escutou a Palavra e, depois, se tornou a Mãe do Senhor (cf. Lc 1,43). A mesma coisa pode acontecer com cada um de nós hoje, se acolhermos a Palavra que nos é dirigida. Jesus quer crescer no mundo e o principal caminho para este crescimento somos todos nós. Ele quer crescer em nós, como cresceu em São Paulo a tal ponto do grande Apóstolo poder afirmar: “Eu vivo, mas não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).
Se acolhermos a sua Palavra, se a contemplarmos e a conservarmos em nosso coração, se lhe dermos espaço, se procurarmos sempre recordá-la, se ela se tornar a luz dos nossos passos, Jesus crescerá em nós, à nossa volta e no mundo.
Maria é o principal modelo de como se deve escutar e acolher a Palavra de Deus na vida. Para nos dispormos interiormente com proveito na escuta e acolhimento da Palavra, devemos estar em atitude constante de conversão e de oração, como está bem claro na mensagem de Fátima.
Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadoresé o pedido feito por Nossa Senhora, em sua aparição aqui em Fátima no dia 19 de Agosto de 1917. Por isso a nossa vida deve se tornar uma oração contínua. Neste contexto, a oração do Rosário deve ter um lugar privilegiado, visto que Ela, em todas as aparições, recomendou rezar o Rosário (terço). Inclusive na última aparição Ela apresentou-se como a Senhora do Rosário e insistiu: “continuem sempre a rezar o terço todos os dias”.
Quero destacar outro aspecto importante da oração tendo como exemplo a própria Mãe de Jesus. A inspiração vem da 1ª leitura (Act 1,6-14) de hoje: a oração em comunidade. O autor dos Actos dos Apóstolos narra que a comunidade primitiva rezava unida: Todos eles perseveravam na oração em comum, junto com algumas mulheres – entre elas, Maria, mãe de Jesus – e com os irmãos dele”. (Act 1,14). O autor sagrado fez questão de frisar que todos perseveravam na oração em comum e cita explicitamente a presença de Maria, mãe de Jesus, entre eles. Isto quer dizer que, como devotos de Nossa Senhora, devemos imitá-la, além da escuta da Palavra, também na oração em comum. Não podemos ficar numa oração individualista, mas a nossa oração deve nos comprometer com a comunidade e com a Igreja.
O Papa Bento XVI, comentando esta passagem dos Actos, diz:
Venerar a Mãe de Jesus na Igreja significa aprender dela a ser comunidade que reza. Muitas vezes, a oração é determinada por situações de dificuldade, por problemas pessoais que nos levam a dirigir-nos ao Senhor para receber luz, consolação e ajuda. Maria convida a abrir as dimensões da oração, a dirigir-nos a Deus não só na necessidade, nem só para nós mesmos, mas de modo unânime, perseverante e fiel, com «um só coração e uma só alma» (cf. Act 4, 32) (Audiência Geral - 14 de Março de 2012).
Nós somos chamados à santidade, e para darmos uma resposta positiva a Deus é necessário agir. Para agirmos correctamente, a liturgia de hoje e a mensagem de Fátima nos ensinam que devemos estar sempre a escutar a Palavra de Deus, pôr em prática esta Palavra, rezar sem cessar e ter uma atitude de conversão permanente.
Que esta Peregrinação seja para todos uma experiência inesquecível para que cada um possa permanentemente dar uma resposta positiva ao chamado à santidade. Que a Virgem de Fátima proteja a todos e fortifique-os na fé, na esperança e na caridade. Ámen.

+ Wilmar Santin, O.Carm.
Bispo da Prelazia de Itaituba, Pará - Brasil


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